“Só com educação jovens podem atender necessidades da economia”
Para Cyril Desponts, designer do estudo global Youthonomics , Brasil precisa de uma reviravolta nas políticas públicas para que as perspectivas para os jovens melhorem
por Fernanda Nogueira 5 de fevereiro de 2016
A designer do estudo global Youthonomics, Cyril Desponts, é categórica ao falar sobre o que é preciso para melhorar a situação da juventude no Brasil: maiores investimentos em educação. Esse é o primeiro de uma lista de itens que inclui promoção de treinamento profissional, acesso a políticas de moradia, maior poder financeiro, controle das finanças públicas e aumento da participação política. “Desenvolver oportunidades educacionais é fundamental para assegurar que as competências adquiridas irão atender às necessidades da economia brasileira”, diz ela em entrevista ao Porvir.
O caminho é longo e muitas dificuldades terão de ser vencidas no país, de acordo com a designer, que se baseia nos dados usados para construir o ranking Youthonomics Global Index, criado pelo ex-presidente do Timor Leste e prêmio Nobel da Paz, José Ramos-Horta, e pelo ex-chefe de comunicações do International Herald Tribune, colunista e ativista Felix Marquardt.
O estudo avaliou dados de 64 países de acordo com o potencial de prosperidade de pessoas entre 15 e 29 anos em cada um deles. O Brasil ficou na 60a posição no índice geral, que leva em consideração 59 critérios, como taxas de desemprego entre os jovens, qualidade e custo da educação, capacidade de moradia, déficit público, acesso à tecnologia, liberdade religiosa e política.
O estudo tem como público-alvo eleitores, governos, e instituições internacionais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e agências de risco. O objetivo é trazer os jovens de volta ao centro do debate político mundial. Para isso, a equipe do índex fará campanha nas Nações Unidas e no mundo para a adoção de um visto mundial, chamado Global Youth Visa, que permita que pessoas com menos de 25 anos possam trabalhar por até dois anos em qualquer país-membro.
Outro projeto é medir quanto as plataformas políticas de candidatos a governos pelo mundo têm os jovens como foco. O grupo quer ainda desenvolver um aplicativo para busca de empregos pelo mundo, além da criar uma base anual de dados sobre a juventude.
O desempenho ruim do Brasil foi parecido com o de outras grandes economias em desenvolvimento, como Rússia, Egito e África do Sul. O país ficou à frente apenas de Uganda, Mali, África do Sul e Costa do Marfim. O índice mostra uma clara divisão entre países desenvolvidos e nações em desenvolvimento. As grandes economias mundiais lideram, como mostra a lista, na ordem: Noruega, Suíça, Dinamarca, Suécia, Holanda, Austrália, Alemanha, Finlândia, Áustria e Canadá.
O índice traz subíndices, como o que mede a situação atual da juventude, o Youth Now, e o que mede perspectivas, chamado Youth Outlook. O Brasil figura na 54a posição no subíndice que fala sobre o presente. Os temas estudados foram educação básica, universidade e habilidades, acesso ao emprego, trabalho e condições de vida, bem-estar e saúde.
No subíndice sobre perspectivas, o país se sai pior, ficando em penúltimo lugar, na 63a posição, quando o assunto são finanças públicas, oportunidades econômicas e peso político. O ranking considera estes três temas para calcular a taxa de otimismo da juventude no país, o Youth Optimism. O Brasil ficou na 32a colocação.
Isso não quer dizer, no entanto, que o país têm reais chances de melhorar a vida dos jovens, segundo Cyril. A posição significa apenas que há países em situação pior. “O Brasil não se classifica bem em otimismo. São outros países que se saem pior neste ranking, principalmente porque estão atualmente bem posicionados”, explica a designer.
Um país ideal, o Youthtopia, criado pelos pesquisadores para identificar boas práticas, teria características dos países líderes de cada um dos nove pilares do estudo, como a educação básica da Eslovênia, a universidade, as habilidades adquiridas e o acesso ao emprego da Suíça, as condições de trabalho e vida e as finanças públicas da Noruega, o bem-estar da Holanda, a saúde de Israel, as oportunidades da China, o peso político de Gana e o otimismo de Uganda.
Nos próximos meses, a equipe do Youthonomics pretende analisar as informações dos países de forma mais minuciosa e desagregada para divulgar novos relatórios com dados específicos de cada país. Para o Brasil, Cyril deixa um alerta. “Será preciso uma real reviravolta na política para que as perspectivas para os jovens melhorem”. Confira a entrevista com a designer:
Porvir – O que você acha da posição do Brasil no índice?
Cyril Desponts – A situação da juventude no Brasil é extremamente preocupante, já que acumula três categorias gerais de problemas. Primeiro, tem questões características de países em desenvolvimento: maus resultados em saúde, educação e universidades. Segundo, a atual geração jovem sofre com problemas econômicos conjunturais: alto índice de desemprego entre jovens e altas taxas de jovens sem emprego, sem educação e sem treinamento, assim como baixo crescimento atual e esperado. Terceiro e último, há problemas parecidos com os de economias avançadas: a situação das finanças públicas é preocupante – a dívida atual e o déficit são altos, mas, além disso e mais importante, gastos futuros em saúde e pensões irão pesar fortemente sobre a próxima geração de pessoas ativas, que terá de financiá-los: a juventude. O Brasil tem ainda o pior resultado da amostra em relação à vulnerabilidade financeira da juventude. Será preciso uma real reviravolta na política para que as perspectivas para os jovens melhorem.
Porvir – Qual sua opinião sobre as informações do Brasil relacionadas à educação?
Desponts – Quando falamos sobre educação pré-universitária, o que as informações disponíveis sobre o Brasil parecem sugerir é que as crianças vão à escola, mas a educação é de baixa qualidade. Após a educação secundária, as informações sugerem que poucos jovens brasileiros prosseguem por muito tempo nos estudos, enquanto que a qualidade desta educação não é das melhores. A educação profissional também não é muito difundida, e desenvolver estas oportunidades educacionais é fundamental para assegurar que as competências adquiridas irão atender às necessidades da economia brasileira. Embora tenham crescido na última década e meia, os gastos públicos com educação ainda são baixos quando comparados com a quantidade de jovens, e o maior investimento em educação é fundamental para aumentar a qualidade da educação. O Brasil tem poucas informações comparáveis sobre educação disponíveis. Coletar e publicar este tipo de dado poderia também ser um passo importante para uma melhor análise das necessidades do sistema educacional, e melhores políticas para os jovens.
Porvir – Que tipo de políticas para a juventude você vê como mais urgentes no Brasil?
Desponts – Até agora, o índice global Youthonomics, por meio de seus subcomponentes (pilares e subpilares), identificou áreas de vulnerabilidade, nas quais a análise será aprofundada gradualmente. Com comparações entre países, o Youthonomics irá identificar as melhores práticas em políticas para a juventude ao redor do mundo, que poderão ser reproduzidas por países como o Brasil. Elas podem incluir, mas não se limitam a apenas estes itens: maiores investimentos em educação; promoção de treinamento profissional, para adaptar melhor as habilidades dos jovens às necessidades do mercado de trabalho; acesso a políticas de moradia; maior poder financeiro, principalmente por meio de incentivos ao empreendedorismo; contabilidade geracional nas finanças públicas para garantir que passivos financeiros deixados para os jovens não constituam uma dificuldade maior do que eles serão capazes de suportar; políticas voltadas para o aumento da participação política dos jovens. Certamente, não há uma “pílula mágica”, já que a solução reside, em parte, no crescimento econômico, na criação de empregos e melhores condições de vida para o país como um todo, mas as políticas precisam assegurar que os jovens tenham e terão sua parte de forma justa.
Porvir – Nos últimos meses, tivemos no Brasil um movimento de ocupação de escolas públicas no estado de São Paulo, criado pelos próprios alunos. Eles decidiram protestar contra mudanças definidas pelo governo, como o fechamento de escolas e a mudança de estudantes para outros locais. Depois de muitos protestos, eles ganharam a batalha e o governador desistiu da mudança. Você acha que este tipo de movimento é capaz de melhorar a vida dos jovens?
Desponts – Este tipo de movimento surge porque os estudantes se sentem excluídos do processo decisório nacional. Nesses casos, é importante que eles tenham suas vozes ouvidas por meio deste tipo de movimento já que formas convencionais, como as urnas, deixaram de lhes fornecer uma representação adequada. O movimento fala em nome de uma geração que corre o risco de falhar por causa das elites políticas. Então eles precisam perceber quanta energia produzem, os jovens são o sangue vital da economia das nações, a base de seu potencial inovador, a chave para sua competitividade e para o futuro dos países. Eles são o ativo mais importante do Brasil em um mundo que se movimenta rápido. Maltratar a juventude não é só injusto e imoral. É uma visão perigosamente curta. Este tipo de movimento é capaz de ajudar a levar os jovens de volta ao centro do debate político.