O desafio de ser mulher, mãe e professora durante uma pandemia
Educadora compartilha desabafos e expectativas de quem está por trás telas ou presencialmente nas escolas para garantir a aprendizagem dos estudantes
por Marina Lopes 8 de março de 2021
Quando Carla Borges transformou a sua casa em uma sala de aula, em meio a todo o caos causado pela pandemia, o primeiro sentimento que veio à tona foi a culpa. Mineira, natural de Brumadinho, a professora de 34 anos se viu diante do desafio de conciliar uma jornada de aulas remotas em duas escolas diferentes, separar tempo para se dedicar à família e ainda assumir as atividades cotidianas do lar. “Ao mesmo tempo que você leva qualidade para educação das crianças, você se sente frustrada por não conseguir fazer o mesmo em casa com o seu filho. Isso sem falar nas tarefas domésticas. Eu, como mulher, me senti frustrada várias vezes”, desabafa.
Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a história de Carla também representa um pouco do sentimento de tantas outras colegas de profissão que lidam com o desafio de ser mulher, mãe e professora durante a pandemia. Tudo isso em um país onde as mulheres totalizam 51,8% da população brasileira, mas ocupam 15% do total de assentos da Câmara dos Deputados em Brasília, tem um rendimento médio mensal 28,7% menor do que os homens e se dedicam aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos 70% a mais em horas do que eles.
Em contrapartida, elas representam 80% dos 2,2 milhões de docentes da educação básica brasileira, conforme os dados do Censo Escolar. “A educação é majoritariamente feminina. Culturalmente a mulher está nessa profissão por acolher, dar conta de várias coisas ao mesmo tempo e perceber melhor o outro. Não menosprezando nossos colegas, porque hoje em dia temos muitos homens na educação que dão certo e fazem a diferença, mas as mulheres têm um olhar mais persistente”, argumenta Carla, que é professora nas escolas municipais Ninita Amaral, em São Joaquim de Bicas (MG), e Antonio Pinheiro Diniz, em Sarzedo (MG).
A insistência, mencionada pela professora, foi um dos combustíveis para dar continuidade ao trabalho, apesar de todo o esgotamento físico, mental e emocional. “Eu tinha duas aulas para preparar durante o dia, no período da manhã e da tarde, e o meu filho muitas vezes tinha que lidar com a minha condição de estar fisicamente em casa e, ao mesmo tempo, estar longe”, conta. Entre os sentimentos e impulsos de uma criança de três anos de idade, ela recorda do dia em que o filho, furioso, entrou no meio de uma conversa com seus alunos para deixar um recado em alto e bom som: ‘A mamãe é minha!’.
“Foi um período difícil, e ainda continua sendo. Muitas vezes, quando eu levantava do notebook, ele já corria para sentar na cadeira e agia como se estivesse dando uma aula. Ele queria ser visto em casa de alguma forma”, analisa a professora, que no início de 2020 tinha acabado de se mudar e reorganizar toda sua vida pessoal e profissional para se dedicar e acompanhar a primeira experiência escolar do seu filho, quando foi surpreendida pela pandemia.
Apesar de contar muito com o apoio do marido, que também é professor, Carla afirma que a mulher sempre tem um trabalho maior. “Por mais que o pai ajude, a criança chama a mãe o tempo todo.” E essa percepção também se confirma entre as mães dos seus alunos: “Quem está sempre disposta a acompanhar as atividades é a mãe, mesmo trabalhando fora. Algumas até perguntam se podem me ligar após às 18h, porque é o único horário que elas conseguem. Eu entendo porque sei que depois de trabalhar o dia todo, elas ainda são a referência da criança para aprender dentro de casa. A mulher acaba se entendendo melhor e se ajuda, né?!”
Histórica e socialmente, ela também lembra que a mãe é responsabilizada pela educação dos filhos e pelo acompanhamento da rotina escolar, mas ela precisa de ajuda e reconhecimento para lidar com todos esses papéis. “A mãe, a esposa e a professora sempre têm uma sobrecarga a mais. Elas precisam de apoio dos pais, dos colegas de trabalho e da própria gestão”, defende.
De acordo com a professora, que também administra uma página no Facebook para compartilhar experiências sobre educação com outros 32 mil seguidores, é muito comum ouvir, durante conversas ou trocas de mensagens, os desabafos de outras colegas de profissão que também estão se sentindo sobrecarregadas, culpadas ou frustradas diante dos desafios do momento. “O desgaste é muito grande. Esse ano mesmo, eu não consegui ficar na mesma situação aqui. Eu trouxe a minha mãe, que estava em outra cidade, para morar com a gente e ajudar com o meu filho”, diz.
Por esses e tantos outros motivos, não apenas hoje, mas todos os dias, Carla também deixa uma mensagem para suas colegas, que são mulheres, mães e professoras: “Que a gente possa continuar tendo essa força que a mulher tem. Muitas vezes queremos desabar, mas não sabemos explicar de onde vem o fôlego para continuar, mesmo quando já estamos esgotadas. O nosso trabalho é fundamental para a sociedade. Por trás de uma boa aula ou de um vídeo legal também tem a história de um professora”, conclui.