Por que secretarias nem sempre usam currículos elaborados por especialistas?
Entenda a importância de levar em conta o contexto e o momento vivido por cada rede de ensino mesmo quando existe uma proposta baseada em evidências sobre a mesa
por Michael Horn 11 de maio de 2021
Muitas pessoas têm falado de forma entusiasmada sobre descobertas que currículos abrangentes (em objetivos, experiências, estratégias e avaliações) podem melhorar a aprendizagem dos alunos, inclusive com ganhos que superam aqueles de reformas educacionais mais comuns.
Mas para a frustração de pesquisadores de educação, filantropos e outros apoiadores desse tipo de currículo, algumas secretarias e até mesmo professores não utilizam esses referenciais alinhados com sua perspectiva baseada em evidências.
Mais recentemente, essa frustração partiu de pessoas como eu, quando notei que muitos educadores tiveram que criar seus próprios materiais de uma hora para outra para seus estudantes por conta da pandemia de Covid-19, e apenas alguns tiveram a oportunidade de acessar recursos de qualidade, como mostra pesquisa feita pelo Clayton Christensen Institute nos Estados Unidos.
No entanto, esse processo ignora que não é necessariamente que as secretarias não levem a sério as evidências ou a própria qualidade do material. O que acontece é que possivelmente o que consideram como qualidade pode não estar dentro desse guarda-chuva desses novos currículos.
Em outras palavras, qualidade não é algo absoluto. Um relatório publicado pelo Instituto Clayton Christensen chamado “Solving the Curriculum Conundrum” (“Resolvendo o Dilema do Currículo”) mostra o quão diferente a definição de qualidade pode ser baseada na circunstância em que as secretarias se encontram e até onde pretendem chegar.
Mas antes de olhar as conclusões do relatório, vale a pena refletir sobre a afirmação anterior de que qualidade não é algo absoluto. Em muitos momentos da educação, agimos como se esse não fosse o caso. Perguntamos se programa é de alta qualidade – sem questionar segundo quem, em quais circunstâncias ou critérios.
Para ilustrar como isso é absurdo, pense o seguinte: Temos dois copos – um de papel reciclado feito para aguentar líquidos quentes e outro mais resistente, de vidro. Qual dos dois tem maior qualidade?
É uma pergunta que não faz sentido. Um deles foi pensado para carregar bebidas quentes por aí e depois ser facilmente descartado, enquanto o outro é um item básico da cozinha para líquidos frios, por exemplo. O contexto é o que determina qual se encaixa melhor.
De acordo com os pesquisadores Thomas Arnett e Bob Moesta, existem quatro ações a serem desenvolvidas e que dizem respeito ao progresso esperado por alguém em uma circunstância difícil – um cenário parecido com aquele de uma secretaria diante de uma reforma curricular. São elas:
Revisão: Para colaborar para que mudar as instruções a fim de enfrentar baixo desempenho;
Construção de consenso: Para selecionar e chegar a um denominador comum;
Atualização: Para melhorar o apoio aos professores e manter os referenciais sempre atualizados
Influenciar: Para auxiliar a definir o campo da educação.
Secretarias que desejam transformar a maneira de ensinar com o objetivo de resolver o baixo rendimento que preocupa líderes escolares definem a qualidade de um jeito parecido ao que os pesquisadores e outros defensores do currículo mais abrangente fazem, uma vez que estão em busca de evidências de que qualquer currículo escolhido vai trazer resultado.
Mas secretarias nessas condições podem priorizar investimento em áreas onde acreditam que terão mais resultado para o aprendizado – como com mentoria, revisão de modelos de aprendizagem, distribuição de tempos e coisas do tipo – e deixar seus atuais currículos no lugar, mesmo que isso signifique deixá-los abaixo dos novos currículos.
Nessa busca por consenso, secretarias estão selecionando currículos com frequência e o foco está em conseguir a adesão de partes interessadas – especialmente professores que fazem parte de grupos de trabalho. Os coordenadores geralmente tentam passar ilesos por esse processo.
Como resultado, a qualidade estará ligada ao que engaja estudantes e que ao mesmo tempo é amigável e direta para professores. As evidências que professores vão buscar não vem de estudos científicos, mas daquilo que seus pares fizeram em outras redes; se o que consideram usar não é tão diferente do que já usam atualmente e quais recursos existem para atrair o interesse dos estudantes. Não é que a melhoria do desempenho acadêmico não interesse; é que diante das circunstâncias, isso não é a prioridade máxima.
Na maioria dos casos, isso significa que a definição do que é qualidade é parecida àquelas de quem busca construir consenso, mas como apontam os pesquisadores Arnett e Moesta, existem diversas nuances aqui. Se a insatisfação dos professores estiver relacionada a um não alinhamento com os referenciais, então instituições que avaliam materiais didáticos (como a EdReports, nos Estados Unidos) podem indicar as evidências.
Por último, nas secretarias que tentam definir como vão caminhar, há uma forte reputação que pode ser um ponto de partida. Como naquelas que estão em processo de criação de consenso, estão adotando de forma alinhada, mas porque estão se dando relativamente bem e procuram agora encontrar currículos que irão definir as estratégias de longo prazo, como adotar algo que fará com que tenham o status de “inovação”.
Então, o que é qualidade? Qualquer coisa que faça com que essas secretarias recebam aplausos e gere publicidade positiva. O ponto-chave está em como as partes interessadas parecem reagir às potenciais escolhas, não às pesquisas propriamente ditas nos currículos – uma importante distinção dados a tendência que a educação tem de ser afetada por modismos
Existe uma série de conclusões possíveis de ser retiradas dessa pesquisa e muito trabalho a ser feito por aqueles que defendem a visão de currículo mais abrangente de uma maneira que se encaixe naquela esperada pelos gestores educacionais.
Pelo menos uma conclusão que fica é a de que é preciso ter cautela ao perguntar por que as secretarias não utilizam práticas baseadas em evidências ou por que não se preocupam com qualidade. Elas se preocupam. Trata-se apenas do contexto em que estão e de como entendem progresso e busca por qualidade de uma forma diferente daqueles que olham para o currículo como se ele estivesse em um ambiente perfeito ou como uma tábula rasa.
Michael Horn
Michael Horn fala e escreve sobre o futuro da educação e trabalha com um portfólio de organizações educacionais para melhorar a vida de cada um dos estudantes. Ele é cofundador do Clayton Christensen Institute for Disruptive Innovation e consultor da Entangled Solutions, que oferece serviços de inovação para instituições de ensino superior. Também é diretor do Education + Technology Fund.