‘A escola é, sobretudo, gente!’
Diretor de escola pública do Rio de Janeiro conta como mobilizou a comunidade escolar em um processo de participação democrática
por André Luís Barroso 8 de fevereiro de 2018
Não é novidade para ninguém que a satisfação e o clima agradável melhora o rendimento de qualquer ser. No Colégio Estadual Professor José de Souza Marques, no Rio de Janeiro (RJ), fizemos a revolução de transformar uma escola burocrática e sem vida em um espaço agradável para se estar, estudar e trabalhar.
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A mudança teve início em 2015, com esta direção que já vai para o seu segundo mandato, um por concurso interno e outro por eleição direta. Por meio de uma pesquisa feita pelo professor Hercílio Cordova, identificamos que a escola era um lugar insalubre para o trabalho e dispersivo para os estudantes. Para além dos aspectos estruturais, também percebemos que o clima escolar pode ser entendido de forma mais ampla.
Para mudar esse quadro, no CE Professor José de Souza Marques, ampliamos este significado dando origem a outros espaços pedagógicos de ensino-aprendizagem. Retomamos teorias passadas, onde todo o espaço físico escolar deve ser um espaço pedagógico e todos os personagens presentes neste grande palco da educação devem participar, pois é aqui que ela acontece de fato, e não nos gabinetes de ministros, secretários, governadores e prefeitos.
Assim, toda a escola, toda a comunidade escolar com seus parceiros são chamados a discutir questões que os afligem, definir os projetos, formas de construção do conhecimento, o eixo que norteia todo o processo pedagógico para cada ano e sua aplicação, os recursos básicos governamentais e formas de arrecadar verbas e ações extra.
Para adotar uma gestão democrática, o primeiro passo foi tentar conhecer melhor a comunidade e levantar as potencialidades que tínhamos dentro da escola. Também fizemos reuniões pedagógicas periódicas para se aproximar mais da equipe, entendendo o que poderia ser feito em conjunto.
Apesar de existir muita desconfiança no começo de um trabalho como esse, também aparecem muitas pessoas solícitas. Aos poucos, fomos juntando esforços até conquistar o que temos hoje. E nós entendemos que nada está acabado. Sempre há espaço em revisão e reestruturação.
Nós levamos três anos para formar uma liderança estudantil forte na escola, com um grêmio comprometido e representantes de turma efetivamente responsáveis. No ano passado, finalmente, conseguimos conquistar isso. Para dar continuidade a esse trabalho, convidamos os estudantes para planejar conjuntamente uma semana pedagógica que teria o objetivo de acolher os integrantes do primeiro ano, apresentar a escola e discutir o seu regimento interno.
Mesmo com muitos recém-chegados, já notamos que com essa postura temos um primeiro ano mais comprometido. Recentemente, um aluno dessa turma me mandou uma mensagem pelo WhatsApp falando “professor, vi que o terceiro andar está pintado, mas o segundo ainda não. Podemos organizar um mutirão?”. Eles já estão superenvolvidos, querendo trabalhar com a rádio, atuar como representantes e participar do grêmio.
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Com a participação de toda a comunidade escolar, já conseguimos desenvolver várias ações ao longo dos últimos anos:
– 2015: a meta que norteou as nossas ações foi a luta para a manutenção da escola no prédio em que funcionava há quatorze anos. Depois de muita luta e organização de pais, estudantes, funcionários, professores e direção, o prédio fora desapropriado para fins de educação;
– 2016: o foco foi a construção do laboratório de informática. Fizemos muitas ações para arrecadar fundos no comércio e em indústrias locais, organizamos rifas e almoços comunitários e, por fim, uma festa julina;
– 2017: trabalhamos para a modernização do espaço de leitura e tentamos transformá-lo em uma biblioteca, sob o lema “Fundamentalismo e Intolerância: Muro que cerceia a diversidade”, amarramos todas as ações pedagógicas e projetos ao longo do ano, que culminou com a Semana da Consciência Negra, onde subvertemos a ordem sala de aula e transformamos o ambiente escolar como um todo em espaço de construção do conhecimento em via de mão dupla.
O que nos espera em 2018 são novos e grandes desafios. Talvez, o maior deles seja aprofundar a gestão democrática. Ainda precisamos dividir mais as responsabilidades pedagógicas, financeiras e administrativas. Outro grande desafio é a nossa estrutura. Eu sei que existem lugares piores, mas não podemos usar isso de parâmetro. Vamos tentar mobilizar a comunidade escolar e buscar parcerias.
Ao fim de um ciclo de três anos, percebemos que, a partir de uma ação coletiva, uma escola agradável e alegre melhora também o rendimento. Entre 2014 e 2016, reduzimos de 44% para 25% o índice de reprovação no primeiro ano. Em 2017, melhoramos o índice de aprovação geral de 77% para 82%. Assim, o maior desafio é convencer professores que ainda resistem a tornarem a sua prática pedagógica mais agradável e atraente, e que isso não significa não ensinar nada.
Isso será possível com o capital político acumulado nestes três anos entre o corpo discente, com o grêmio e as representações de turma, entre os pais e responsáveis com o conselho escolar e a associação de pais e mestres e entre os professores, com a ampliação da participação nos conselhos e reuniões pedagógicas deliberativas e propositivas. Todo este capital político estará sendo chamado a atualizar o Projeto Político Pedagógico e Regimento Interno.
Abaixo, listo algumas medidas que você também pode adotar em sua escola para envolver seus alunos nas decisões:
– Promova reunião periódica com os estudantes e a participação deles nos fóruns de decisão dentro da escola como conselho de classe e conselho escolar;
– Mostre-se presente. Vá para o pátio para receber os alunos na entrada e compareça frequentemente às salas de aula, mas também abra canais de comunicação pelo WhatsApp e pelo Facebook;
– Faça pesquisa para saber a opinião de seus alunos sobre a escola;
– Deixe a sala da direção sempre aberta a receber e ouvir o estudante.
André Luís Barroso
É diretor diretor do Colégio Estadual Professor José de Souza Marques, no Rio de Janeiro (RJ). Possui graduação em filosofia pela UFRJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e mestrado em história comparada pela mesma instituição. É doutor em história pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e cursa MBA em gestão empreendedora em educação.