Acompanhamento é peça-chave para aplicar a lei 10.639/03 - PORVIR
Paulo Barros / Fundação Roberto Marinho

Inovações em Educação

Acompanhamento é peça-chave para aplicar a lei 10.639/03

Em conversa com o Porvir, a secretaria da Secadi Zara Figueiredo comenta os principais desafios da aplicação da lei 10.639/03.

por Ruam Oliveira ilustração relógio 3 de julho de 2023

Desde 2004, o Brasil possui o documento Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Trata-se de um texto com orientações, em diversas áreas do conhecimento, sobre como apresentar e tratar dessa temática em sala de aula. 

Estas diretrizes foram publicadas  em seguida à promulgação da lei 10.639, de 2003, e funcionam como um aporte e mecanismo para auxiliar no cumprimento dessa legislação, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas brasileiras, além de instituir o dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra nos calendários escolares. 

Apesar dos vinte anos da lei e das quase duas décadas de criação das diretrizes, há ainda certa dificuldade de implementação e de acompanhamento da legislação. Uma pesquisa recente realizada pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana apontou que 71% das escolas brasileiras não realizam ações consistentes para que a lei se efetive no currículo e nas atividades  escolares. 

Em conversa com o Porvir durante o fórum A Cor da Cultura*, promovido pela Fundação Roberto Marinho e Canal Futura na sexta-feira (30), Zara Figueiredo Tripodi, chefe da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão), pontuou que as universidades possuem autonomia para inserir esses temas já na formação inicial dos professores. No entanto, o poder público pode criar formas de induzir esses assuntos, fazendo com que isso se reflita na sala de aula na educação básica.

Professora do departamento de Educação da Ufop (Universidade Federal do Ouro Preto) e doutora na área pela USP (Universidade de São Paulo), Zara comentou sobre o papel dos educadores e os planos da Secadi para auxiliar a implementação da lei 10.639/03 e também da 11.645/08 – que acrescentou a obrigatoriedade do ensino de história e cultura dos povos originários nos currículos escolares. 

Na abertura do evento, Zara fez menção a eventos recentes envolvendo racismo e como a imprensa e a sociedade lidou com isso. Ela exemplificou que a sociedade acertadamente se indignou quando o jogador de futebol Vini Jr. sofreu ofensas racistas, quando um homem negro foi algemado e amarrado, quando um jogo que simulava escravidão viralizou. 

Contudo, ela destacou que essa indignação se perde quando se trata da educação. “Por que a sociedade não se indigna ao ver crianças negras e indígenas tendo dificuldades para aprender, frequentando as escolas mais precárias? Por que temos baixas expectativas em relação ao aprendizado dessas crianças?”, questionou. 

Ela pontuou que tem a sensação de que ignorar o racismo nas políticas educacionais se tornou algo naturalizado.

A secretária também mencionou que é importante celebrar a existência da lei, mas é igualmente necessário avançar e pensar em políticas a nível federal. 

“Nós vamos ter que fazer dois movimentos simultâneos: um para consolidar aquilo que conseguimos – e nós fizemos muito bem, formamos muitos professores, produzimos muito material pedagógico… Mas agora a gente precisa fazer o segundo passo, que é compreender que a 10.639 e a 11.645 são projetos de Estado”, disse.

Leia os principais destaques da conversa: 

Porvir – De que forma a Educação para as Relações Étnico-Raciais pode aparecer na formação inicial dos professores?

Zara Figueiredo – As universidades têm autonomia garantida – universitária, pedagógica, administrativa e financeira. A  forma como vão lidar com isso e o quanto o assunto aparece dentro dos currículos, como efetivamente vai entrar como discussão obrigatória, se vai entrar como matérias eletivas, ou seja, o formato, quem decide é a universidade.

Na minha análise, o que o poder público pode fazer – estou falando do poder público federal – é induzir processos em relação às suas universidades. Se o governo federal entende, por exemplo, que é necessário pedir contrapartidas sociais da universidade para receber algum programa do governo federal, isso poderia ser um mecanismo de incentivo.

Porvir – Como esse apoio pode ser efetivado?

Zara Figueiredo – Como gestão e política pública, o que o MEC (Ministério da Educação) pode fazer é incentivar essa abordagem, induzir isso em relação às suas  universidades, ou seja, discutir com elas e criar mecanismos de contrapartida em conjunto. Obviamente, isso não compete à Secadi, mas é uma forma do governo federal lidar com a questão. Ele não pode obrigar a universidade a usar esse ou aquele currículo, mas a universidade precisa compreender que isso está na lei e precisa ser trazido efetivamente. 

Porvir – Ainda é difícil avaliar a implementação da lei 10.639/03. O que a Secadi está fazendo para auxiliar nessa questão?

Zara Figueiredo – A Secadi foi reconstruída agora, temos quatro meses de trabalho. A formação das diretorias tem menos de dois meses. Já reconstruímos (comissões técnicas) como a  Cadara (Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos relacionados à Educação dos Afro-Brasileiros), que é uma comissão de participação popular que vai fazer uma avaliação abrangente sobre o plano de implementação da Lei 10.639. Também teremos  a comissão indígena (Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI)

Essas comissões vão avaliar como nós chegamos até aqui, o quanto se avançou ou não e quais são as estratégias para uma implementação efetiva  a partir dessa gestão.

Porvir – Como esse monitoramento deve acontecer?

Zara Figueiredo – Um dos eixos da Lei 10.639 é exatamente o monitoramento. Aqui na secretaria, estamos construindo um painel com os indicadores de todas as políticas da Secadi: raça, diversidade, EJA (Educação de Jovens e Adultos), educação especial, inclusiva, bilíngue, do campo, entre outras.   

Só poderemos finalizar o painel depois que essa comissão com a sociedade civil disser onde nós chegamos. Não podemos entregar um painel de monitoramento sem conversar com a sociedade civil, com os movimentos sociais, exatamente para saber quais são as metas de curto, médio e longo prazos. Esse é o desenho que nós estamos fazendo.

Porvir – O que diria para professores e gestores que ainda não entenderam a importância de discutir raça e racismo em sala de aula?

Zara Figueiredo – Estamos em um novo momento do Brasil, em que o MEC reconstrói a Secadi e, ao reconstruí-la, o governo federal passa a assumir uma postura de coordenação federativa na educação.

Eu diria que agora eles têm como um aliado o MEC para ajudar as redes municipais e estaduais a pensarem as estratégias necessárias para implementar efetivamente tanto a Lei 10.639 quanto a 11.645. Não estamos tratando se é desejável ou não, é uma lei, portanto, deve ser cumprida. Por outro lado, a gente não pode culpabilizar o professor por ele não ter feito isso. É necessário o engajamento dos municípios, dos estados, mas é preciso também a nossa parte, que é a coordenação federativa.

*O repórter Ruam Oliveira viajou ao Rio de Janeiro a convite da Fundação Roberto Marinho


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educação antirracista

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