Como a Aprendizagem Criativa pode ser aplicada a favor da equidade
Rupal Jain, do MIT Media Lab, afirma que é necessário fazer um esforço para que todas as crianças, independentemente de classe social, saibam que é possível sonhar.
por Ruam Oliveira 15 de novembro de 2024
Como convidar os jovens para o processo criativo? Como criar oportunidades para que eles façam algo pessoalmente relevante? Como essas coisas se conectam ao ato de realmente centralizar jovens que normalmente não estão no centro desses espaços? Esses são alguns dos questionamentos da educadora Rupal Jain nestes seus anos de trabalho com Aprendizagem Criativa.
Os jovens aos quais se refere são, sobretudo, os que possuem menos recursos financeiros e acesso limitado a oportunidades de inovação e criatividade. “Essas crianças costumam estar em ambientes de aprendizagem nos quais são orientadas a seguir instruções, a não cometer erros e a obedecer, pois isso leva aos tipos de empregos geralmente disponíveis para esses jovens. Eu venho desse contexto”, diz.
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A família de Rupal migrou da Índia para os Estados Unidos em 1975, onde ela nasceu. Recorda-se que na vizinhança onde morou havia muitas crianças e adolescentes brilhantes, alegres e criativos, mas que na escola não eram vistos assim.. Muitos deles não chegaram a concluir os estudos.
Com isso em mente, a educadora – que por muito tempo atuou como professora de inglês e literatura em países como Estados Unidos, Londres e Peru – vê na Aprendizagem Criativa, uma possibilidade de mostrar que está tudo bem tentar realizar algo, cometer erros, compartilhar com os amigos e investir criativamente em novas habilidades.
“Todos nós enfrentaremos desafios na vida, e essa forma de nos vermos como parte de uma comunidade – onde podemos experimentar coisas, pedir ajuda, resolver problemas que surgirem em nossas vidas – é o que quero que crianças de todas as origens sintam que têm espaço para ser”, afirma.
Atualmente, Rupal Jain é gerente no Lifelong Kindergarten, projeto do MIT (Massachusetts Institute of Technology) Media Lab, nos Estados Unidos.
Ela vem ao Brasil para participar da 4ª CBAC (Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa), evento organizado pela RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa) entre 18 e 21 de novembro em Porto Alegre (RS). No encontro, planeja abordar a equidade e como a Aprendizagem Criativa tem espaço importante nessa área.
O Porvir conversou com a educadora sobre o tema. Leia abaixo a entrevista:
Porvir – Sobre o que você está se preparando para falar nesta conferência?
Rupal Jain – Vou falar sobre Aprendizagem Criativa centrada na equidade. Quando falo disso, estou me referindo especialmente a crianças em comunidades aqui dos EUA que, em sua maioria, vêm de contextos com poucos recursos ou são sub-atendidas. Essas crianças costumam estar em ambientes de aprendizagem onde são orientadas a seguir instruções, a não cometer erros e a obedecer, pois isso leva aos tipos de empregos geralmente disponíveis para esses jovens.
Eu venho desse contexto. Cresci em um bairro muito difícil. Meu pai era assistente social e, além disso, alimentávamos bocas do outro lado do oceano, na Índia. Então, não crescemos com muita renda, e muitos jovens do meu bairro eram brilhantes, alegres, criativos, mas não eram vistos assim na escola. Infelizmente, muitos deles não continuaram estudando ou nem chegaram a concluir o ensino médio, apesar de serem tão capazes e terem tanto a oferecer.
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Destacarei é como o processo de Aprendizagem Criativa é, na verdade, um processo que ajuda a convidar e a capacitar as crianças, permitindo que elas sintam que têm o controle de sua própria aprendizagem, que se sintam seguras para cometer erros, compartilhar algo pessoal e significativo para elas, tentar, mudar, compartilhar com amigos, aprender com os outros…
Essas habilidades não só serão necessárias no futuro, nas profissões que estarão disponíveis, mas também são essenciais para a vida agora. Todos nós enfrentaremos desafios, e essa forma de nos vermos como parte de uma comunidade – onde podemos experimentar coisas, pedir ajuda, resolver problemas… É o que almejo para crianças de todas as origens.
Porvir – É um pouco vil que as crianças precisem ser tolhidas dessa forma para se encaixar nos empregos futuros, não é?
Rupal Jain – Acredito que isso seja, infelizmente, o reflexo de como grande parte do ensino foi concebido, com base nos moldes da Revolução Industrial. Mas talvez não se trate apenas da infância. O que precisamos é adotar esse modo de pensar ao longo de toda a vida. Precisamos melhorar nossa capacidade de sentir curiosidade, explorar coisas novas e nos conectar com os outros – não só na infância, mas durante toda a vida. Fazemos isso muito bem na infância, mas, à medida que passamos pelo ensino formal, essa abordagem muda, porque esses sistemas nos dizem que isso não é aceitável.
Precisamos melhorar nossa capacidade de sentir curiosidade, explorar coisas novas e nos conectar com os outros – não só na infância, mas durante toda a vida.
O modo como crianças pequenas aprendem no jardim de infância, brincando, criando e compartilhando com os outros, deveria ser a forma como aprendemos ao longo de toda a vida, não apenas na educação infantil. Assim, a questão não é necessariamente sobre o que é próprio da infância ou da fase adulta; trata-se mais do que é natural, útil e prazeroso para que tenhamos o tipo de mundo em que desejamos viver. Já nascemos com essa capacidade, e a questão é: como continuar a cultivá-la conforme envelhecemos?
Porvir – Como a equidade aparece nesse contexto?
Rupal Jain – Acredito que, às vezes, equidade é vista como o ato de pensar nas crianças e nas comunidades que não foram convidadas ou empoderadas com essas ideias. E, muitas vezes, na Aprendizagem Criativa, onde você é incentivado a seguir suas próprias ideias, fazer algo, experimentar e falhar, isso não é oferecido para crianças de contextos com poucos recursos ou que são sub atendidas.
Toda a premissa da Aprendizagem Criativa é eliminar a ideia de que “eu sei e você não sabe”. Em vez disso, mudamos para: “Vamos aprender juntos. Você tem algo a me ensinar, e juntos vamos criar algo significativo e alegre”. Meu objetivo na palestra é ajudar os educadores a enxergar isso, para que entendam por que não dizemos “este é o OctoStudio, abra-o, escolha este fundo, escolha este personagem”. Não é assim que fazemos.
As mensagens são muito diferentes. A instrução tradicional é muito diferente das maneiras da Aprendizagem Criativa construcionista. E isso, mais uma vez, toca a raiz do motivo pelo qual crianças sub atendidas e de poucos recursos continuam a ter experiências negativas em ambientes de aprendizagem, quando alguém lhes diz como pensar, o que fazer, o que é certo e o que é significativo, em vez de convidá-las a explorar, experimentar, criar e se expressar.
Porvir – Poderia falar um pouco sobre os desafios de implementar a Aprendizagem Criativa no contexto da equidade?
Rupal Jain – Acho que o maior desafio é que muitos dos adultos que convidam as crianças a aprender nunca vivenciaram isso por si próprios. Então, eles mesmos podem não saber como abordar essa questão, ou podem ter se tornado muito bons em se adequar a um sistema falho e, por isso, não conseguem enxergar os diferentes modos como esse sistema prejudica as pessoas em suas comunidades. Acho que um dos desafios é a conscientização e o reconhecimento.
Os desafios são vastos e, se pensarmos em todos os obstáculos para uma sociedade mais equitativa, parece avassalador
Como alguém que já foi professora em sala de aula de escola pública por muitos anos, vejo que os professores são incríveis, fazem a “mágica” acontecer todos os dias, mesmo em condições limitadas de recursos e tempo. Praticamente todas as decisões de design do ensino já foram pré-estabelecidas, e eles precisam fazer acontecer apesar disso. Professores ao redor do mundo enfrentam essa situação diariamente, mas isso é exaustivo. Primeiro, há a conscientização de que existe outro caminho. E então, começamos a tentar. Quando converso com os professores sobre os desafios, costumo dizer: “Ok, o desafio agora é que você sabe como isso poderia ser, mas está pensando que parece estar muito longe da sua realidade. Como vou conseguir chegar lá?”
Porvir – Qual a sua recomendação?
Rupal Jain – Em vez disso, sugiro que pensem: “Onde posso começar? Qual é uma pequena mudança que posso fazer para direcionar a experiência da minha sala de aula para esse objetivo?” Pode ser algo simples, como cumprimentar cada aluno que entra na sala de aula com um “bom dia” e dizer “você faz parte desse lugar” ou “quero muito aprender mais sobre você”, reservando um tempo na rotina para conhecer melhor os alunos.
Os desafios são vastos e, se pensarmos em todos os obstáculos para uma sociedade mais equitativa, parece avassalador, como se fosse impossível mudar tudo isso. Mas acredito que a melhor forma de enfrentar esses desafios é pensar: “Qual é a primeira coisa que posso mudar amanhã que me aproxime desse futuro?”
Porvir –Qual a importância dos professores nesse processo de abordar a questão da equidade e mudar a forma como os alunos aprendem?
Rupal Jain – Eles são os mais importantes. Os professores têm um poder imenso na formação da identidade de uma criança e em como ela percebe sua própria relação com o aprendizado. Obviamente, cuidadores e a família também desempenham um papel importante, não quero subestimar isso, mas os professores são extremamente significativos. Acho que todos nós podemos lembrar de um professor que nos fez sentir que éramos capazes de qualquer coisa e que nos empoderou. E acredito que também conseguimos lembrar de um professor que fez o oposto.
Eu também sei que muita responsabilidade recai nos educadores. Por isso, o que espero alcançar com minha palestra é ajudar a identificar algumas dessas pequenas atitudes que podem ter um impacto maior, criando espaços acolhedores, de pertencimento e que permitam que as crianças criem de forma criativa.
Porvir – Quais habilidades os professores precisam desenvolver para garantir a equidade no aprendizado?
Rupal Jain – Quanto mais me envolvo nesse trabalho, mais percebo que o foco deve estar em si mesmo. Quem se dedica ao desenvolvimento dos jovens precisa estar em constante reflexão, lidando com suas próprias experiências e, muitas vezes, curando histórias pessoais. Durante os anos em que trabalhei na formação de professores, uma das primeiras perguntas que eu sempre fazia era: “Por que você quer ser professor?”. Insistia nessa questão para que os futuros professores pudessem explorar o que os motivava: o que essa escolha de carreira significava para eles e como ela se conectava com suas histórias. Essas conversas, às vezes, revelavam necessidades de poder ou controle, o que impacta diretamente as decisões na sala de aula. Por outro lado, quando o desejo é genuinamente ajudar e aprender junto aos alunos, as decisões se tornam muito diferentes.
Quem se dedica ao desenvolvimento dos jovens precisa estar em constante reflexão, lidando com suas próprias experiências e, muitas vezes, curando histórias pessoais.
Compreender o “porquê” de nossas escolhas é essencial, e isso exige uma reflexão constante. E, embora a reflexão seja fundamental na prática docente, infelizmente, há pouco tempo disponível para ela. Mesmo assim, algo que sempre recomendo é manter um bom diário de reflexões. Durante meu tempo em sala de aula, costumava gravar minhas aulas para depois analisar: “Por que fiz isso? Por que não respondi de outra forma?”.
Desenvolver essa capacidade de autoconhecimento e reflexão é essencial para garantir que os professores estejam realmente promovendo um aprendizado equitativo e sensível às necessidades individuais dos alunos.
Porvir – Qual abordagem deve ser adotada para garantir que marcadores sociais como raça, gênero e outras diferenças não sejam negligenciados ao abordar a equidade?
Rupal Jain – Acredito que não se trata de priorizar um aspecto em detrimento de outro, mas de realmente focar na criança que está à nossa frente. O mais importante para os educadores é trabalhar com sinceridade, buscando conhecer, apoiar e ajudar a desenvolver cada aluno. Lembro de um excelente professor que tive na universidade, Bill Farr. Ele costumava dizer que, se achássemos que um currículo ou uma abordagem pedagógica seria uma solução universal para todos os alunos, estaríamos completamente enganados. Ele sempre reforçava que o fundamental é ter uma abordagem eclética, ou seja, fazer o que for necessário para o aluno à sua frente.
Porvir – O que mais te motiva na profissão docente?
Rupal Jain – O desafio – e talvez o maior quebra-cabeça de ser professor – é entender que o que funciona para um aluno pode ser bem diferente do que funciona para o aluno ao lado. Parte do crescimento como professor é aprender a perceber essas necessidades, ajustar-se a elas e aceitar o desconforto que isso às vezes traz.
Ser professora foi a experiência mais incrível da minha vida. É um trabalho que desafia a mente, toca o coração e exige um trabalho profundo da alma. Tenho um imenso respeito e admiração por meus colegas que continuam a servir as crianças diariamente. É realmente o trabalho mais extraordinário que existe.