Arte contemporânea é ferramenta para levar Cultura de Paz à educação infantil - PORVIR

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Arte contemporânea é ferramenta para levar Cultura de Paz à educação infantil

Professora em Montenegro, no Rio Grande do Sul, recorre à representação lúdica para conversar com as crianças como a cultura de paz é colaborativa e precisa estar em todos os espaços

por Daniela Mara Heckler ilustração relógio 7 de novembro de 2024

Explicar o que é cultura de paz para crianças muito pequenas não é uma tarefa simples. Mas entendo que levar o assunto a elas é importante e muito necessário. Alguns acontecimentos recentes fizeram com que eu me dedicasse com mais empenho a essa tarefa aqui na EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) Gente Miúda, que fica em Montenegro (RS). 

O ano de 2023 ficou marcado por uma série de ataques às escolas, e também por supostas ameaças. Não me esqueço do dia 20 de abril, quando os pais e responsáveis tiveram medo de mandar seus filhos para a escola devido aos boatos que deixaram todo o país assustado, com uma onda de mensagens falsas circulando.

Várias crianças da turma – um Jardim 2, com crianças entre 5 e 6 anos – passaram a falar sobre ataques e violência. Com isso em mente, decidi tratar o assunto com formas de promover a cultura de paz.

Primeiros passos

Cultura de paz é um tema amplo e complexo para esta faixa etária. Quis, então, entrelaçar o assunto com a arte contemporânea para tornar a proposta mais lúdica, instigante e para que fugisse exclusivamente do comportamental ou da arte mais recorrente na educação infantil (como a pintura e o desenho). Ou seja: propus ampliar as linguagens e o campo de atuação.

Para colocar o projeto em prática, pensamos – junto com as crianças – em formas de promover a paz. 

Uma das ideias, de fácil assimilação para as crianças dessa idade, foi imprimir pequenas pombas que deveriam ser coladas na sala, no pátio, nas casas, ruas e praças, sempre de maneira coletiva. A proposta é que a turma compreendesse que a paz é uma construção coletiva e que a atitude faria a diferença. 

A reflexão veio acompanhada de mais ações tendo como base a arte contemporânea. As crianças sugeriram formas de intervir no espaço da escola trazendo a paz como referência, com instalações que serão detalhadas mais adiante. 

Em determinado momento, a pergunta “Isso contribui para a paz?” passou a fazer parte dos nossos dias e a pautar nossas ações. E essa pergunta não vinha exclusivamente da professora. Não se tratava de “ser comportado”, mas de entender que todas as atitudes interferem tanto positivo como negativamente nos espaços em que estamos inseridos.

Objetivos

Meus objetivos eram que as crianças percebessem que suas ações afetam os demais e interferem no meio onde vivem. Para isso, incentivei que demonstrassem atitudes de afetividade e confiassem em sua capacidade de enfrentar dificuldades. Além disso, que encontrassem na escola um espaço de fala, de escuta e de oportunidade de transformação. E que, nesse processo, elaborassem desenhos, pinturas e outras formas de arte. Objetivos estes que se alinham ao Plano de Estudo Municipal de Montenegro e a BNCC (Base Nacional Comum Curricular).

Fiz uma pesquisa sobre o tema e estudei oportunidades de torná-lo acessível. Uma das ações foi o trabalho com a flor lírio da paz, que leva a paz no nome. Observamos, pintamos e a plantamos. 

Também fizemos uma apreciação da obra “Guernica”, de Pablo Picasso, datada de 1937, onde há a representação de uma pomba da paz. A ave, inclusive, aparece em uma série de desenhos criados por Pablo Picasso para simbolizar a paz tão esperada pós Segunda Guerra Mundial. Esta foi a imagem escolhida para ilustrar o cartaz do primeiro Congresso Mundial pela Paz em 1949.

Contextualizamos que a paz não era assunto de um local ou de um tempo específico, mas essencial em todos os locais e em todos os tempos.

O projeto

As crianças se envolveram com diferentes imagens sobre o tema para elaborar suas próprias instalações e interferências, que foram posteriormente realizadas em conjunto na escola no intuito de levar reflexões às outras turmas. 

Essas interferências foram sugestões/elaborações das próprias crianças que, a partir do que viram, criaram possibilidades compatíveis com os espaços e materiais que tinham. Assim, desenharam pedras brancas no jardim da escola inspirados no calçadão de Copacabana. Areia branca foi misturada na areia marrom da pracinha. Uma árvore com balões brancos foi colocada no hall de entrada da escola.

A poesia “A minha paz” do escritor local Carlos Leser, feita especialmente para a ocasião, foi matéria prima para a reflexão. Depois, a pedido do aluno Benício, de 5 anos, a letra virou a música e, ao final, trilha sonora de uma caminhada pela paz realizada na cidade junto à comunidade escolar.

Assista a entrevista com as crianças, a professora e o autor da música nesta reportagem da TV Cultura. 

Reflexão desde cedo

Nossas proposições artísticas andavam lado a lado com nossas reflexões realizadas em sala de aula. Durante nossos momentos em roda, conversávamos sobre o que causava nossas brigas e discussões na sala e pensávamos em conjunto como solucioná-las ou evitá-las. Chegamos ao ponto em que as crianças diziam umas às outras que tais atitudes não contribuíam para a paz. Elas também passaram a trazer o tema à tona quando surgia uma atitude de desrespeito. 

Não era mais exclusivamente um adulto a reprovar um comportamento e dar as razões. Em determinado momento, as crianças já questionavam umas às outras e a partir de algo que todos entendiam bem e estavam dispostos a promover. Da mesma forma, as crianças inclusive apontavam quando a educadora ou a atendente levantavam a voz, fazendo com que todos estivessem atentos ao desejo que tínhamos e que levássemos o projeto a sério. 

Resultados alcançados

A reflexão, assim como a pomba da paz, foi para as casas das crianças, quando conversamos sobre os motivos pelos quais as brigas aconteciam em casa e alguns citaram porque não queriam tomar banho ou por não querer guardar os brinquedos. Novamente reforçamos a importância de todos fazerem a sua parte e de que as brigas, nestes casos, poderiam ser evitadas com a colaboração de todos, principalmente da turma.

Das ações do projeto, a que teve maior receptividade e continuidade foi a impressão da pomba branca feita com tinta têmpera branca, molde e rolo. Essa pomba que começou aparecendo em portas, muros, janelas, no chão e em brinquedos da escola foi para a calçada dos vizinhos do educandário acompanhada de um lírio da paz.  Finalizamos o projeto com uma caminhada pela paz, que envolveu toda a comunidade escolar e as famílias, cantando a música do projeto.

Ouça a música originada da poesia produzida pelos alunos.

Percepções do projeto

Penso que o trabalho inovou pela promoção de uma reflexão nas crianças em relação às suas atitudes, seus comportamentos e à promoção de uma consciência crítica. À medida em que se apropriavam do tema, cada vez menos os adultos se faziam necessários para a resolução de conflitos. A conversa era entre eles e pautados em algo que entendiam bem e desejavam coletivamente, sempre guiados pela pergunta: “Isso contribui para a paz?”

Não tivemos grandes dificuldades e a comunidade foi muito receptiva ao trabalho, destacando a importância do tema inclusive para crianças tão pequenas. A paz, algo grandioso, é uma construção coletiva e repleta de infinitas atitudes, esforços e reflexões. As pombas brancas encontraram morada em todos os lugares que passaram.


Daniela Mara Heckler

Professora há 19 anos na rede municipal. Formada em Publicidade e Propaganda (Unisinos) e em Artes Visuais (Universidade Estadual do Rio Grande do Sul). Pós-graduada em Metodologia do Ensino das Artes. É também artista visual e vencedora do XVIII Prêmio Arte na Escola Cidadã com o projeto “Poesia para colorir o seu dia”.

TAGS

cultura de paz, educação infantil, Prêmio Professor Porvir 2024

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