Autonomia e autoria são chaves para a valorização do professor no contexto da pandemia
Para professores e especialistas, o esforço para manter os estudantes aprendendo mesmo em um contexto difícil reflete a necessidade de uma nova visão sobre o trabalho do profissional de educação
por Maria Picarelli 27 de novembro de 2020
2020 vai entrar para a história como o ano em que os professores tiveram que se reinventar, a fim de dar conta das novas demandas impostas pelo ensino remoto. Esse cenário os colocou em evidência, despertando, na sociedade, reações de reconhecimento pelo seu empenho e dedicação e de solidariedade pelos desafios enfrentados. Afinal, a pandemia acentuou dificuldades que já existiam e trouxe a necessidade de atualizar práticas e metodologias de ensino, renovando, também o debate sobre a valorização do professor.
Mais do que um bom salário, condições adequadas de trabalho e plano de carreira, a pandemia trouxe novas exigências e pressões aos educadores, agregando novos sentidos ao que se costuma chamar de valorização docente.
“Nesse momento de pandemia, a valorização ocorre quando os alunos fazem as atividades e os pais reconhecem os esforços e o trabalho do professor”, comenta Paulo Magalhães, que dá aulas de geografia na rede municipal de São Paulo.
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Além de trabalhar mais do que no ensino presencial, Magalhães considera que o ensino remoto exigiu que os professores buscassem aplicativos, plataformas e outras ferramentas para manter os alunos engajados. Então, para ele, quando o aluno participa da aula, realiza as tarefas e os pais acompanham o processo é uma forma de valorização.
Para Lia Glaz, coordenadora de projetos do Instituto Península, o fato de a escola ter ido para dentro da casa das pessoas fez com que as famílias percebessem a complexidade envolvida no ofício de professor. “Os pais enxergaram que ser professor não é para qualquer um e se deram conta da importância da escola na vida e do desafio que é sustentar o engajamento da criança com a aprendizagem”, analisa.
Nesse sentido, ela lembra que na terceira onda da pesquisa “Sentimento e percepção dos professores nos diferentes estágios do coronavírus”, divulgada em agosto, mais de 70% dos docentes entrevistados afirmaram que se sentiam mais valorizados pela sociedade.
Essa percepção, porém, não altera um cenário estrutural de desvalorização do professor, alerta Lia. “No Brasil, existe a perspectiva de que qualquer um que conheça um assunto pode ser professor. Não é bem assim. Precisamos começar a enxergar este ofício como uma profissão e não como um dom, um sacerdócio”.
A valorização, nesta perspectiva, envolve políticas públicas implementadas de maneira integrada, abarcando formação inicial e continuada, atratividade da carreira, entre outros aspectos. E a formação, continua Lia, não pode se limitar às dimensões profissionais – como o conhecimento da área do conhecimento em que atua e práticas de sala de aula.
“É preciso olhar para o indivíduo, o sujeito de modo que ele esteja preparado para os desafios do dia a dia da profissão”, defende. “Não é só a dimensão do trabalho. A pandemia, por exemplo, trouxe uma carga, com a qual muitos não estavam preparados para lidar”, aprofunda a gerente de projetos.
Por isso, complementa, dimensões como o cuidado físico, emocional e mental devem ser incorporadas à formação – inclusive a inicial.
Nova relação com a tecnologia
Uma das novidades da pandemia foi a incorporação das plataformas digitais no coração do ensino e da aprendizagem. Na opinião de Helena Freitas, conselheira da Anfope (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação), essa situação, além de exigir que os docentes passem a dominar aplicativos e ferramentas digitais, modifica a relação entre professor e aluno: esta passa a ser mediada por padrões e procedimentos ditados pelas plataformas, que não funcionam segundo a lógica da educação.
“As plataformas retiram a centralidade do trabalho do professor de ensinar e educar. É um cenário que está se desenhando no pós-pandemia”, antevê Helena. “Essa crítica não significa que ser contra ao uso da tecnologia na educação, e sim defender que o uso da tecnologia deve se dar sob a direção pedagógica do professor”, aprofunda a representante da Anfope.
Assim, dentro do contexto de ensino remoto e ensino híbrido que deve perdurar em 2021 e 2022 na opinião de Helena, é essencial assegurar a autonomia do professor no que diz respeito à definição dos conceitos fundamentais para a continuidade dos estudos dos alunos e avaliações. “Uma educação de qualidade só acontece quando o professor ocupa essa posição de centralidade”, reitera Helena.
A professora de ensino fundamental Elaine Higino, de Belo Horizonte (MG), se alinha com essa perspectiva. Para ela, a valorização do professor acontece quando ele é escutado. “É mais do que ouvir o professor. A valorização ocorre quando lhe é dada autonomia, quando ele é reconhecido e valorizado pela comunidade escolar em seu esforço de implementar práticas inovadoras em suas aulas”, define.
A escuta do professor, afirma Paulo Magalhães, está associada a outra dimensão associada a ela: respeito profissional. “O professor também precisa de liberdade e autonomia para trabalhar e expressar suas ideias”, acrescenta.
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