‘Brasil precisa investir no professor’, diz embaixadora da educação da Finlândia
Durante visita ao país, Marianne Huusko, recomenda maior treinamento e independência dos profissionais para aumentar a qualidade da educação básica
por Fernanda Nogueira 17 de outubro de 2017
Investimento no professor é a primeira recomendação feita pela embaixadora da educação da Finlândia, Marianne Huusko, para que o Brasil supere a falta de formação dos profissionais, um de seus principais gargalos, e faça melhorias na qualidade do ensino e da aprendizagem, principalmente no nível básico. Designada há cerca de um ano para divulgar a educação mundialmente reconhecida de seu país, Marianne veio ao Brasil no final de setembro, junto com um grupo de representantes de universidades finlandesas.
Ela sugere que os educadores daqui recebam mais treinamento, tenham todos formação acadêmica, como em seu país, e ganhem mais independência para escolher métodos e materiais de ensino. “Dar independência aumenta a motivação”, afirma.
Na Finlândia, a profissão é bastante respeitada pela população e pela classe política, entre as que pagam melhor seus profissionais, além de ser uma das mais concorridas e de ter um processo seletivo rigoroso. Situação bem diferente do Brasil, onde os educadores têm uma formação teórica que não prepara para a atuação em sala de aula, menos ainda para inovar, e ainda enfrentam desvalorização financeira e moral.
As ótimas notas dos estudantes finlandeses em avaliações internacionais nos últimos anos levaram a um interesse mundial pelo sistema de ensino do país, que, desde o ano passado, promove uma transformação do currículo. Foi por este motivo que o governo decidiu criar o cargo de embaixador da educação. “É uma forma de responder a este interesse”, explica Marianne.
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Com isso, o país procura fazer mais acordos de cooperação com outras nações e quer criar oportunidades de negócios para instituições de ensino e para empresas finlandesas, como aquelas que atuam no setor de tecnologia digital, com produção de games educacionais e plataformas para aprendizagem online por exemplo. “Queremos ajudá-las a se internacionalizar”, diz Marianne.
No Brasil, ela disse ter percebido um grande interesse pelo desenvolvimento das competências para o século 21 nos estudantes, como comunicação, colaboração, criatividade e pensamento crítico, que vem sendo implementadas nas escolas da Finlândia, além dos temas capacitação de professores e inovações digitais.
Marianne diz que seu país pode ajudar o Brasil na área, mas isso não significa apenas transferir as práticas. “Não queremos exportar nosso modelo. Queremos compartilhar o que aprendemos nos últimos 50 anos, quando começamos a dar nosso grande impulso no sistema educacional. Há lições que podem ser aprendidas para que possam desenvolver seu próprio modelo”, afirma.
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Junto com Marianne, os representantes de instituições de ensino do país participaram de eventos em Curitiba, Brasília e em São Paulo, que foi sede do 19° Fórum Nacional do Ensino Superior Particular (FNESP). Durante a visita, deram palestras, firmaram e divulgaram acordos de cooperação com instituições públicas e privadas.
Chave para o sucesso
A Universidade de Ciências Aplicadas de Tampere (Tamk) foi uma das representadas. Voltada para a formação de profissionais para o mercado de trabalho, a instituição é uma das participantes desde 2014 de uma parceria com o Ministério da Educação do Brasil no programa chamado Professores para o Futuro, que resultou na capacitação de cerca de cem professores de institutos federais brasileiros na Finlândia.
Eles passam de três a cinco meses no país, recebendo treinamento e fazendo pesquisas. “No retorno, damos a eles uma tarefa de desenvolvimento, para mudar algo, para aplicarem o conhecimento que tiveram conosco. Eles têm tutoria online com nossos professores. Toda semana conversam sobre como procederam e nós damos mentoria a eles. No final, depois de dez meses, no total, temos um seminário final, em que eles têm que apresentar as mudanças que fizeram. A ideia central é ter impacto, não apenas treinar ou fazer turismo educacional, para ver o que a Finlândia está fazendo. Queremos impacto, que é o que mais importa”, diz a diretora de negócios da Tamk, Carita Prokki.
A orientadora de negócios da universidade, Virpi Heinonen, explica por que a capacitação profissional dos educadores é tão importante. “Nosso foco está nos professores porque sabemos que eles, no final, são quem pode espalhar o conhecimento”, afirma.
O feedback dos educadores mostrou, segundo Virpi, que os diretores escolares brasileiros também precisam passar por treinamento. “Eles têm que se abrir para novas ideias e deixar os educadores fazerem mudanças. Se o professor tem novas ferramentas para usar e o diretor não dá suporte, como as transformações podem acontecer?”, questiona Virpi, que elogiou os professores brasileiros que estudaram na universidade. “Eles eram excelentes. Ficamos realmente muito felizes de trabalhar com eles. Aprendemos muito juntos. O professor precisa ter confiança no que faz. Eles sabiam o que era melhor, mas não tinham coragem de experimentar com os alunos deles.”
A universidade desenvolve cursos online totalmente em português. “Isso é o que estamos fazendo aqui e queremos fazer mais. A profissão de ensinar é a mais importante no mundo. Pode mudar qualquer coisa. Esta foi a chave para o sucesso na Finlândia. Os professores lá têm qualificação. Você não pode ensinar sem ter qualificação”, afirma Carita.
A universidade ministrou ainda um curso de uma semana sobre aprendizagem ativa e tendências da educação no século 21 para 30 professores de escolas públicas de São Paulo. “Trouxemos nossos professores até aqui. Foi um presente por estarmos celebrando os cem anos da Finlândia”, diz Carita.
A Universidade da Finlândia foi outra instituição representada na visita ao Brasil. Voltada para a área acadêmica, a universidade forma educadores. Os alunos saem do curso de cinco anos com um diploma de mestrado. Cerca de um terço dos estudos pedagógicos, ao longo do curso, são prática de ensino, segundo Minna Makihonko, orientadora sênior da universidade. A formação é voltada para a atuação como mentores em sala de aula. “Os alunos e professores pesquisam a área de ensino em que atuam e têm a oportunidade de colocar as teorias e os métodos de ensino em prática nas escolas”, diz Minna.
Os professores da universidade costumam ter anos de prática nas escolas antes de atuarem como educadores do ensino superior. “Isso significa que eles têm muita experiência prática para ensinar, não apenas conhecimentos acadêmicos de teorias”, explica Minna. Teoria e prática seguem juntas, de acordo com Anna. “Os professores têm background teórico. Eles têm a justificativa para tudo que fazem na sala de aula”, afirma Anna.
A instituição acaba de fechar uma parceria no Brasil com o grupo educacional Ânima para capacitar professores. Um grupo de 40 educadores brasileiros participará de aulas presenciais e online com representantes da universidade finlandesa para aprender novas metodologias de ensino e gestão de sala de aula.
“Já temos algumas conexões aqui, viemos para continuar as negociações com eles e procurar por novos contatos. Ficamos felizes em ver todo o entusiasmo que existe para desenvolver a educação”, diz Anna. Segundo Minna, a Finlândia pode ajudar não só a escrever currículos, mas também a implementá-los. “Temos muita experiência nisso”, diz.