Busca ativa, acolhimento e melhoria do clima escolar ajudam contra evasão
Das estratégias simples, como distribuir guarda-chuvas e chocolate quente aos alunos, aos programas estruturados de busca ativa, iniciativas colaboram para a manutenção dos estudantes na escola
por Luciana Alvarez 22 de julho de 2022
Oferecer chocolate quente nos dias frios na porta da escola, fazer desafios semanais de adivinhação na biblioteca, distribuir guarda-chuvas aos alunos: essas e outras estratégias estão usadas por gestores escolares da rede pública do Paraná para conquistar os estudantes de volta para as aulas presenciais, depois do longo afastamento por causa da pandemia de coronavírus.
O conjunto de ações vem apresentando bons resultados. Segundo dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), em 2021 a taxa de abandono na rede estadual paranaense para o ensino médio foi de 1,3%, o menor índice das redes estaduais do Brasil, ao lado de Goiás e Distrito Federal. No país, a média de abandono na etapa foi de 5%. Nos anos finais do ensino fundamental, a rede teve um abandono de 0,6%, atrás apenas de Goiás, com 0,5%, Mato Grosso do Sul, com 0,4%, e do Distrito Federal, com 0,2%. No total do país, o abandono para a etapa foi de 1,2%,
Para alcançar tais objetivos, os educadores e a comunidade escolar devem levar em conta a realidade dos estudantes e pensar em formas de demonstrar acolhimento. Nenhuma dessas estratégias surte efeito sozinha, mas todas podem ser usadas em combinação com outras ações, defende a diretora Cristiane Smyk, do Colégio Estadual Senhorinha de Moraes Sarmento, em Curitiba (PR). “Fazemos uma combinação de estratégias. Temos que encontrar formas para mostrar que o aluno é muito importante para a escola”, diz.
No retorno ao presencial, a equipe da escola logo percebeu que muitos estudantes apresentavam crises de ansiedade. “A gente trabalhou para fazer com que eles conversassem sobre o assunto, contassem suas experiências na pandemia. Muitos perderam alguém… A gente deixou eles desabafarem”, relata Cristiane. Em casos mais difíceis, a escola conseguiu encaminhá-los para acompanhamento psicológico.
Além de abrir espaço de escuta, a escola também vem apostando em formas divertidas de manter o estudante frequentando as aulas. Uma iniciativa foi fazer um “presenciômetro”, com uma disputa por turmas. “Depois tem prêmio para a turma que mais tiver presença. Nada de valor, mas coisas como conhecer o corpo de bombeiros”, cita a diretora. A unidade tem ainda desafios semanais na biblioteca.
Liberdade para propor
Para Orivaldo Junius Alexandre, coordenador de frequência e aprovação da secretaria estadual de educação do Paraná, cada gestor deve ter a liberdade de decidir ações que façam sentido para sua realidade, mas que possam ser apoiadas pela secretaria. “Em certas regiões do estado, percebemos que, durante o período de chuvas, há uma queda na frequência. Teve um diretor que comprou guarda-chuvas para distribuir aos estudantes”, conta ele sobre uma das experiências do estado.
Os gestores também se esforçam para se aproximar da comunidade, para que pessoas de fora do âmbito escolar deem o recado sobre a importância da presença nas aulas. Mobilizaram desde caminhões que vendem pamonha, a padres e esportistas, que estimulam as famílias e os próprios alunos a ir para a escola. O lateral-direito do Coritiba, Natanael Moreira Milouski, foi um dos que gravou um recado aos estudantes. A mensagem viralizou nas redes sociais.
Orivaldo defende que os estudantes sempre sejam ouvidos. “No ensino médio, a maior evasão é por causa do trabalho. Tentamos conversar com o comércio local, com os empregadores, para que deixem os horários dos jovens de forma que possam frequentar as aulas. Vimos, também, que 8% dizem que faltam por não acompanhar o ensino. Temos, então, um programa de reforço”, afirma.
A evasão tem razões múltiplas e complexas, e tanto o clima escolar quanto a capacidade de acompanhar as aulas podem fazer a diferença, explica Mirela Carvalho, gerente de desenvolvimento de soluções do Instituto Unibanco. “O Instituto Unibanco mantém no site Observatório de Educação um mapeamento de soluções apresentadas pelos próprios gestores escolares para diversos problemas. Na área com exemplos de ações para diminuir a evasão escolar, é ressaltada a importância de ouvir os estudantes, melhorar o clima escolar, aproximar a família da escola e envolver os próprios jovens nas ações para evitar que seus colegas desistam”, cita Mirela.
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Desde o início da pandemia, o problema da evasão foi agravado. Dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) mostraram que, em outubro de 2020, 3,8% das crianças e dos adolescentes de 6 a 17 anos (1,38 milhão) não frequentavam mais a escola no Brasil – remota ou presencial. O índice é superior à média nacional de 2019, que foi de 2%. Além disso, 11,2% dos estudantes que diziam estar frequentando a escola não haviam recebido nenhuma atividade escolar e não estavam em férias (4,12 milhões). “Assim, estima-se que mais de 5,5 milhões de crianças e adolescentes tiveram seu direito à educação negado em 2020”, diz Mirela.
Esses dados, contudo, ainda podem piorar. “A verdade é que só saberemos os efeitos da pandemia na evasão a partir das estatísticas que serão coletadas neste ano, quando a maioria das redes voltou ao atendimento presencial”, afirma.
Para além das estratégias imediatas, que são muito necessárias, será preciso pensar em propostas a longo prazo para a recuperação de aprendizagens, detalha a gerente. “Houve grande mobilização das redes estaduais e municipais por alunos evadidos. Mas, mesmo que esses alunos em maior risco efetivamente permaneçam nas escolas, será muito importante continuar com ações de busca ativa e com estratégias para recuperação de aprendizagens. Do contrário, corremos o risco de vermos a evasão crescer por causa do desestímulo de crianças e jovens que não estejam com a aprendizagem esperada para o ano em que estão cursando.”
E há sinais preocupantes de queda na aprendizagem. “Os indicadores ainda não são oficiais, pois os resultados do Saeb 2021 [Sistema de Avaliação da Educação Básica] ainda não foram divulgados. Mas pesquisas por amostras ou em estados indicam uma perda significativa da aprendizagem. Baixa aprendizagem está associada no Brasil à repetência, que, por sua vez, está altamente relacionada à evasão. Portanto, a estratégia de recuperação das aprendizagens agora será essencial para evitar que a evasão cresça no futuro, devido ao ocorrido durante a pandemia”, alerta a especialista do Instituto Unibanco.
Busca ativa
Quando todas as estratégias de atração, acolhimento e reforço falharem, e o estudante não se matricular, é preciso buscá-lo e trazê-lo de volta à escola. No Brasil, o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) tem estabelecido parcerias com algumas secretarias estaduais de educação para desenvolver programas de busca ativa. É o caso da Bahia. “O objetivo é trazer cada criança e adolescente fora da escola, tomando as medidas necessárias para a rematrícula e a aprendizagem. A iniciativa já conta com a adesão de 311 dos 417 municípios baianos e a meta, para 2022, é chegar a 100%”, informou a secretaria em nota para o Porvir.
Mais do que buscar por quem evadiu, o programa, intitulado Busca Ativa Escolar, visa capacitar os gestores para acompanhar os estudantes que estão em risco de abandonar os estudos. Essa criança ou adolescente deve ser atendido ainda pelos demais serviços públicos da rede de proteção. “A estratégia potencializa a intersetorialidade e o regime de colaboração, uma vez que é implementada em parceria entre as secretarias de educação, assistência social e saúde, dentre outras, bem como entre municípios e estados”, disse o governo baiano.
A Plataforma Busca Ativa, do Unicef, oferece gratuitamente metodologia, ferramenta digital e conteúdos formativos para estados e municípios. Ela foi desenvolvida em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Além da Bahia, outros 15 estados aderiram ao projeto. Mais de 100 mil crianças e adolescentes estão sendo acompanhados pela Busca Ativa Escolar, e desses, mais de 60 mil já foram rematriculados.
Embora seja um esforço intersetorial, o Unicef salienta que as secretarias de educação têm um importante papel de liderança, de articulação e de fomento à implementação da busca ativa. Também ressalta que, ao receber de volta os estudantes, o acolhimento se torna ainda mais importante que antes. “É necessário dirigir um olhar mais acurado para as crianças e os(as) adolescentes que foram inseridos(as) na escola por meio da Busca Ativa Escolar, uma vez que possuem um perfil de maior vulnerabilidade, que pode ter se intensificado durante a crise. São meninas e meninos que muitas vezes passaram um longo período fora da escola e/ou estão em situação de distorção idade-série. Portanto, voltar para a sala de aula foi um passo importante para eles(as)”, diz o documento orientador da entidade.
Confira, no vídeo abaixo, um dos exemplos de boas práticas contra a evasão escolar selecionado pelo programa do Unicef, na Escola Municipal Goiás, de Macapá (AP):