Educação financeira desenvolve senso crítico para o consumo consciente
Em tempos de influenciadores e propagandas que estimulam o pelo consumo exagerado, a educação financeira é essencial para promover práticas de consumo consciente
por Redação 20 de janeiro de 2025
Falta de conhecimento e preguiça são as principais alegações dos jovens da chamada Geração Z (nascidos a partir de 1995) para justificar suas dívidas financeiras. Quase metade (47%), com idades entre 18 e 24 anos, diz não controlar as finanças pessoais, de acordo com um levantamento do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), em parceria com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas.
Mas os jovens também reconhecem que esse descuido pode ser reflexo da falta de educação financeira nas escolas. Os alunos da Etec (Escola Técnica Estadual) Benedito Storani, instituição de ensino médio pertencente ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, em Jundiaí (interior de São Paulo), passaram por uma pesquisa sobre o que pensam sobre o assunto. A pergunta que tiveram de responder foi: “Quais disciplinas deveriam ser incorporadas à grade curricular de escolas públicas?”
Foram 29% os que apontaram controle de gastos, dois pontos percentuais a mais do que pediram aulas sobre finanças pessoais.
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“Os dados revelam uma necessidade urgente de incorporar a educação financeira como disciplina obrigatória nas escolas. Os alarmantes índices de inadimplência entre jovens realçam a necessidade de equipar os estudantes com as ferramentas necessárias para tomar decisões financeiras responsáveis”, conclui o estudo “A importância da educação financeira do ensino médio”, desenvolvido pelas pesquisadoras Ekaterini Kotsis Milani, Evely Gabriela Alves, Rhayane Gonçalves Vieira do Couto e Samira Alessandra Ribeiro.
Do olhar crítico para o consumo consciente
Dentro desse escopo, está também o consumo estimulado por propagandas e pelas redes sociais. “É necessário que nós, professores, possamos desenvolver uma visão crítica com os alunos nesse tema, para que eles reflitam a influência dos criadores de conteúdo e se questionem sobre as intenções por trás das postagens”, diz o professor Felipe Manoel Cabral, do Instituto de Educação Paulo de Tarso, de Nova Iguaçu (RJ). “É importante que eles entendam que muitos influenciadores são pagos para promover produtos e que nem sempre as recomendações são autênticas”, afirma.
Vencedor da primeira edição do Prêmio Professor Porvir, em 2023, nas categorias metodologias ativas e votação popular por transformar uma aula de matemática em ‘filial do IBGE’ para trabalhar estatística, Felipe também desenvolveu o projeto “Além dos números: educação financeira com impacto social”, no qual abordou o consumo por meio de atividades práticas entre estudantes de ensino médio.
Os alunos visitaram mercados para coletar preços de itens da cesta básica, que depois foram organizados e os dados, analisados. Montaram estandes na escola com produtos representando a média dos preços. Na sala de aula, o professor promoveu debates sobre temas econômicos do dia a dia, como inflação, taxa de juros e política monetária.
“Assim como compararam preços e discutiram a importância do consumo consciente no projeto, eles podem aplicar esses princípios ao refletir sobre a real necessidade dos produtos promovidos por influenciadores”, explica.
O que o Felipe quis desenvolver em seus alunos é a mesma preocupação de outros especialistas: como fazê-los ter senso crítico em relação ao dinheiro? Pensar por eles mesmos sem se deixarem levar por publicidades disfarçadas de testemunhos de influenciadores digitais, propagandas em redes sociais e marketing agressivo.
Outra professora também desenvolveu uma maneira diferente para ensinar consumo consciente de maneira lúdica. Chang Kuo Rodrigues, do programa de pós-graduação em Matemática da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), criou o jogo “Quem é você no jogo financeiro”, oriundo de sua pesquisa de mestrado.
“O objetivo foi provocar reflexões de cunho financeiro nos jovens. Nesse sentido, os efeitos foram satisfatórios, pois puderam ser validados quando aplicados e testados por um grupo de alunos do curso de Ciências Contábeis e professores de matemática do ensino médio”, conta Chang.
“Questões matemáticas dizem respeito ao desenvolvimento de pensamento e raciocínio matemático, incluindo a utilização das técnicas matemáticas. O lúdico estimula a aprendizagem até mesmo porque fica aquém da aula convencional”, completa.
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Influenciadores x consumo consciente
Existe também o temor quanto às mensagens permitidas dentro das escolas a crianças. O Instituto Alana conseguiu proibir ações na rede pública de ensino de São Paulo em que o personagem Ronald McDonald, da rede de fast food, visita salas de aula. Mesmo que não falasse sobre a comida vendida na lanchonete, os especialistas acreditavam que se tratava de um estímulo ao consumo e em idade que o público-alvo é muito influenciável.
Isso acontece mais ainda nas redes sociais, onde é comum influenciadores mirins fazerem propagandas de diferentes produtos.
“A publicidade das redes sociais tem a característica de ser muito mais mascarada do que algo que aparece na televisão. Na TV, há o intervalo comercial. Hoje, as crianças são expostas a uma série de mensagens comerciais sem saber que estão diante de marketing”, analisa João Francisco Coelho, advogado do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana. “Se a gente pensar em influenciadores mirins, estão falando de um produto enquanto brincam e não parece se tratar de uma questão publicitária”, diz.
O programa Criança e Consumo tem como objetivos debater ideias sobre questões relacionadas à publicidade dirigida às crianças.
Ações políticas e governamentais tentam tratar do tema sob o aspecto da educação financeira. O projeto de lei 2.747/24, apresentado pelo deputado Marcos Tavares (PDT-RJ), quer tornar a educação financeira disciplina obrigatória nas escolas públicas e particulares. O texto ainda não foi votado no Congresso Nacional.
Pela definição divulgada da ENEF (Estratégia Nacional de Educação Financeira), criada pelo governo federal, a educação financeira se define como “processo no qual os indivíduos aprimoram sua compreensão sobre dinheiro e produtos financeiros por meio de informações, treinamento e orientação.” A educação financeira está entre os temas da atualidade sugeridos para compor a BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
Para especialistas, é necessário calibrar o discurso. No mundo atual, não adianta passar a mensagem de não consumir. Não vai dar certo. “Em um sistema de produção no qual se impera o consumo, é impossível não consumir. Daí vem mais um desafio para nós, professoras e professores, educar para um consumo consciente com base em argumentos críticos”, define Chang Kuo Rodrigues.
“Isso precisa ser discutido nas escolas. É pensar na questão objetiva de olhar para essa realidade toda e analisar os impactos financeiros, as promessas que são feitas neste marketing digital. Olhar tudo isso de maneira crítica. É o papel da escola tratar dessas questões”, concorda João Francisco Coelho.
Planejamento e orçamento pessoal
Na visão dos especialistas, isso passa pela escola, levando para a sala de aula tarefas financeiras que estejam dentro da vida cotidiana dos estudantes. Um exemplo é debater o que é realmente essencial e o que é supérfluo. Também estimular a curiosidade dos alunos quanto a orçamento e investimentos. Confira algumas recomendações:
- Reflexão crítica sobre publicidade e redes sociais
Professores veem com bons olhos a restrição das redes sociais nas escolas. Isso facilita o debate sobre propagandas e consumo excessivo. A visão é que a escola deve ser um lugar livre, não disseminador de publicidade.
- Uso da tecnologia para a consciência financeira
Não adianta rejeitar a tecnologia. no Microsoft Excel ou Google Sheets facilita o controle de gastos, receitas e orçamento.
- Apoio do lúdico para estimular o debate
Jogos que estimulem a visão da educação financeira, como “Banco Imobiliário” e “Jogo da Vida”, podem ilustrar conceitos financeiros.
- Valorização de momentos gratuitos
A escola pode valorizar momentos sem consumo, promovendo convivência com amigos e familiares, além de atividades fora da sala de aula, como passeios ao ar livre e visitas a museus.