Crianças recorrem à cultura indígena para conhecer ciclo de vida das abelhas - PORVIR
Zilda Alves

Diário de Inovações

Crianças recorrem à cultura indígena para conhecer ciclo de vida das abelhas

Professora em Blumenau (SC) aproxima turma do CEI à comunidade indígena Xokleng, despertando encantamento pelos saberes ancestrais

por Zilda Alves ilustração relógio 27 de agosto de 2024

Tudo começou quando a minha turma de crianças do CEI (Centro de Educação Infantil Professora Teresa Sabel de Araújo), em Blumenau (SC), encontrou muitas abelhas mortas na quadra da escola. O que teria acontecido? Não vamos ter mais mel? Alguém colocou veneno?

Quando as crianças levantam hipóteses, temos de investigá-las. Ao começar a pesquisa sobre as abelhas, tivemos uma surpresa: entre as espécies, conhecemos as abelhas sem ferrão, nativas do Brasil, também chamadas de abelhas originárias ou abelhas indígenas.

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“Olha só, professora! Será que elas são parentes dos povos originários?”, perguntaram, curiosas, as crianças. Em busca da resposta, a pesquisa ganhou um novo rumo e foi batizada de “Costurando cultura, bordando identidade”.

O passo seguinte foi uma volta às minhas origens: tenho descendência indígena, nasci e cresci na reserva Xokleng. Era um vilarejo simples, mas de uma beleza única – uma beleza requintada, como diria o poeta pantaneiro Manoel de Barros (1916-2014). O povo Xokleng me ensinou que nós somos a natureza e temos o dever de respeitá-la. Mesmo morando na cidade de asfalto, a natureza nunca saiu de mim, e busco levá-la para as crianças em diversas atividades.

Decidi visitar a aldeia Bugio, em José Boiteux, para investigar e entender se aquelas abelhas tinham, de fato, relação com os povos indígenas. Pela distância (94 km de Blumenau), não pude levar as crianças, mas trouxe a elas tudo o que aprendi. Graças à tecnologia, fizemos videochamadas conectando a escola com a comunidade indígena, permitindo que a turma conversasse e tirasse suas dúvidas com os Xokleng.

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Saberes ancestrais em diálogo com a escola

Com o apoio de Kayle, cacique e professor da comunidade, tivemos verdadeiras aulas. Descobrimos, por exemplo, que as abelhas indígenas são responsáveis por manter viva uma parte da cultura de seu povo. Com o mel, eles fazem o Mõg, uma bebida servida nos rituais de casamento, batizados e outras cerimônias, que leva de seis a 15 dias para ficar pronta. 

Contudo, essa espécie de abelha está sumindo da Mata Atlântica por conta do plantio de pinus-americano, uma espécie de pinheiro, no lugar de espécies nativas. Kayle nos explicou que a folha do pinus libera uma resina que a abelha leva para sua colmeia e infecta todas as outras. Essa resina também é venenosa para os humanos.

Kayle nos contou que, em sua infância, seu pai mantinha uma colmeia no quintal, de onde colhia o mel para preparar o Mõg. Hoje, para encontrá-la, é necessário ir mata adentro. Quando não é possível, opta-se por um tipo diferente de mel, de outras espécies, o que altera o sabor e a qualidade da bebida.

Os pequenos adoraram as conversas. Tanto que, ao compartilharem com suas famílias, os pais e responsáveis pediram uma nova videochamada, tamanho foi o interesse gerado pelos saberes indígenas.

Para estreitar ainda mais nossa relação com a natureza, passamos a realizar trilhas em áreas da Mata Atlântica próximas à escola, explorando cachoeiras, colmeias e outros elementos naturais. Nessas caminhadas, identificamos plantações de palmito-juçara e embaúba, plantas nativas e usadas também pelos povos indígenas muito antes de nós.

Clique na imagem para conferir a galeria de fotos:

Plantio, colheita e protagonismo infantil

Não ficamos nas atividades externas: além da promoção da diversidade cultural, o projeto trouxe novas dimensões para o brincar das crianças. Partiu delas mesmas o pedido de criação de um jardim biodiverso na escola, a fim de atrair as abelhas e outros polinizadores, como joaninhas e borboletas.

O aluno Caio foi o primeiro a participar, trazendo um chuchu para o plantio. Aprendemos que as flores do chuchuzeiro, pequenas e brancas, são ótimas fontes de pólen. “Professora, vamos plantar! Vai chamar bastante abelha, os povos originários precisam de mel!”, disse o menino. Sua colega Isabella completou: “Quando as abelhas produzirem mel, vamos levar para eles!”

Hoje cultivamos morangos, jabuticabas, acerolas e diversas flores que agradam às abelhas. E não preciso pedir que cuidem do jardim: as crianças assumiram essa responsabilidade, guiadas pelo respeito e admiração que desenvolveram pela cultura indígena.

Um projeto para todos aprenderem

O projeto fundamenta-se nos dois eixos norteadores da Educação Infantil: interações e brincadeiras. Brincar é a forma pela qual a criança se comunica, compreende o mundo e constrói cultura, aprendendo de maneira significativa. Além disso, essa prática natural respeita e promove os direitos de aprendizagem articulados aos campos de experiências.

Mas o projeto proporcionou ainda mais. Ele me faz recordar uma frase do pesquisador da infância João Luiz Silva: precisamos estar encantados para encantar as crianças. E elas, de fato, se encantaram com a sabedoria do povo Xokleng, aprendendo a reconhecer e respeitar diferentes formas de vida e de conhecimento.

A criança aprende a cuidar e valorizar aquilo que admira. E foi isso que aconteceu quando elas perceberam sua conexão com a natureza e reconheceram a singularidade do mundo indígena. O envolvimento foi tão profundo que a turma passou a se autodenominar “Guardiões da Natureza”.

Como relatou Kayle, o conhecimento indígena é transmitido de geração em geração, por meio de lideranças, anciãos, pajés, caciques, contadores de histórias e parteiras. São saberes ancestrais valiosos que precisam ser respeitados.

Compromisso da escola com a diversidade

Assim, também aprendemos. Levar a cultura indígena para a educação infantil é uma oportunidade de ampliar horizontes e apresentar outras formas de saber. Além disso, é necessário mostrar a realidade: muitas comunidades indígenas enfrentam ameaças à permanência em seus territórios, discriminação, dificuldades no acesso a serviços básicos e os impactos das mudanças climáticas.

A escola tem papel essencial na formação de cidadãos críticos e conscientes, fortalecendo vínculos com diferentes culturas. Tal como os povos originários, precisamos aprender a respeitar, colaborar e viver em comunidade. Sozinhos podemos ser bons, mas juntos somos invencíveis.


Zilda Alves

Pedagoga com especialização em psicopedagogia, efetiva na rede municipal de Blumenau. Trabalha na educação infantil com turmas de 4 a 6 anos.

TAGS

educação ambiental, educação infantil, Prêmio Professor Porvir 2024

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Irio Fritzke
Maravilhoso o seu projeto ,tudo bem retratado e de fácil compreensão 
Caroline Sant anna

Muito bom o projeto, de uma riqueza cultural indescritível.

Jessica

Maravilhoso como tudo que faz!

Deuzanilce Batista

Tive o prazer do aprendizado pedagógico em participar do projeto da professora Zilda. Excelente pesquisa e excelente ações foram desenvolvidas com os pequenos. Parabéns, querida Zilda.

Marilene

Parabéns professora Zilda!
Acompanhamos seu projeto e sua dedicação.
Você é uma excelente profissional.

Editado pela última vez 9 meses atrás por Marilene
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