Diálogo entre escola e mercado é desafio para ensino técnico
Seminário News Skills at Work discute a importância da educação para aumentar a produtividade nas empresas brasileiras
por Marina Lopes 1 de abril de 2016
Há um descompasso entre as habilidades desenvolvidas pelos estudantes durante o ensino técnico e o que as empresas estão procurando. Para Rafael Lucchesi, diretor do SENAI, isso está relacionado a um problema histórico de organização da sociedade brasileira. “Nós criamos um sistema educacional excessivamente academicista e muito distante da lógica do mundo do trabalho”, afirma.
Nesta quinta-feira (31), Lucchesi participou do seminário “News Skills at Work: Educação para o Trabalho como Motor para o Desenvolvimento e Inclusão”, realizado em São Paulo. Com o intuito de debater sobre o desenvolvimento de competências que atendem demandas do mercado de trabalho brasileiro, o evento reuniu acadêmicos, empresários, economistas e outros especialistas da área, que destacaram a importância do aumento da produtividade para estimular o crescimento do país.
“Mais de 80% dos jovens não vão para universidade. E o que eles fazem? Eles vão para o mercado de trabalho com uma educação de má qualidade e sem nenhuma educação profissional. Como um jovem desse se insere no mundo do trabalho?”, questiona o diretor do SENAI. De acordo com ele, o país ainda vive uma grande contradição no que se refere ao ensino técnico: ao mesmo tempo em que sabe fazer uma educação profissional de qualidade, evidenciada pela conquista do primeiro lugar na competição internacional WorldSkills, ainda conta com uma abrangência muito pequena de acesso.
De acordo com dados do censo da educação básica, cerca 1,4 milhão de estudantes brasileiros estão matriculados no ensino técnico. Conforme a apresentação do professor Andre Portela, da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, esse número ainda é pequeno, quando comparado aos 7 milhões de estudantes no ensino médio regular.
Ao mencionar a trajetória de crescimento da produtividade do trabalho no país, o professor traz alguns algumas constatações, que define como uma “combinação perversa”. Ele diz que além de um crescimento de produtividade estagnado, o Brasil ainda passa por uma rápida mudança demográfica. “Com produtividade estagnada e população adulta diminuindo, essa população precisa ser extremamente produtiva. Aí entra o papel da educação profissional”, explica.
Segundo Portela, em termos de crescimento de produtividade do trabalho, o Brasil fica atrás de vários países da América Latina e também da média geral dos países africanos. “Será que o modelo que temos aqui está satisfazendo e criando habilidades e requerimentos necessários para aqueles setores da economia que irão puxar o crescimento futuro?”, questiona, ao comentar sobre um estudo que será desenvolvido pela FGV e a J.P. Morgan para verificar se a oferta de educação profissional está alinhada às demandas dos setores que mais irão crescer no estado de São Paulo nos próximos anos.
Para o economista Claudio Moura Castro, temos um ensino técnico tradicional junto com secundário que tende a ser bastante descasado. No caso dos cursos públicos, ele menciona que o problema parece ser ainda mais crônico, já que as instituições privadas acabam sendo mais pressionadas pelas demandas do mercado e respondem mais rápido. No entanto, o coordenador do ensino médio e técnico do Centro Paula Souza, Almério Melquíades de Araújo, contrapõe essa visão. “A ideia de que na escola pública é complicado acompanhar as demandas [do mercado] tem um ‘Q’ de verdade, mas não é fatalístico. Como também não é tão simples achar que a escola privada tem um casamento automático com as demandas de todas as áreas.”
Como estratégia para diminuir o descolamento entre o que as empresas esperam e o que as escolas técnicas oferecem, o coordenador do Centro Paula Souza, instituição que administra 219 escolas técnicas estaduais (Etecs) e 66 faculdades de tecnologia (Fatecs) no estado de São Paulo, afirma que é preciso existir uma aproximação e cobrança dos setores produtivos.
“Hoje o Brasil vê a educação profissional como um direito de todo cidadão, e não como um instrumento de desenvolvimento econômico e social”, destaca Walter Vicioni, diretor regional do SENAI São Paulo, ao mencionar a necessidade de existir um planejamento que articula a política industrial, educacional e tecnológica.
E no fim, quem deve pagar essa conta de investimento no ensino técnico? Na opinião da economista Cassiana Fernadez, da J.P. Morgan, a iniciativa privada tem um papel predominante. “O que define se o investimento tem que ser público ou privado depende muito do retorno, se ele será público ou privado.”