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Direitos humanos nas ruas da periferia de Salvador

Jovem cria Desabafo Social, rede que conecta crianças para debater temas como segurança na internet e exploração sexual

por Vagner de Alencar ilustração relógio 3 de junho de 2013

Nas costas de uma jovem soteropolitana, a mochila transporta uma mesinha dobrável que divide espaço com revistas e outras publicações. É fim de tarde. O horário é estratégico porque nesse período há mais meninas e meninos brincando na rua. Ela pesquisa um lugar e arma a mesa onde são dispostas as revistas. Muitos se aproximam, formando aquilo que a andarilha ansiava: uma roda de curiosos. A cena se repete a cada sábado pelos bairros da periferia de Salvador. Quem sobe e desce as ladeiras é Monique Evelle, 18, que reserva seu fim de semana para realizar, com crianças e adolescentes, oficinas e debates sobre direitos humanos, segurança na internet e exploração sexual. “Na rua não há limite. Até fica melhor para não centralizar”, ressalta a jovem criadora da iniciativa chamada Desabafo Social.

O projeto, realizado mais frequentemente há um ano e sem qualquer ajuda financeira, extrapolou as ruelas dos comunidades da periferia da capital baiana. A iniciativa criada por Monique, inclusive, vem sendo replicada por jovens líderes voluntários de cinco outros estados: São Paulo, Pará, Maranhão, Rio Grande do Norte e Ceará. “Falar sobre direitos humanos é mostrar às crianças que as coisas acontecem se pensamos em conjunto, no coletivo. Você não é nada sozinho”, reforça Monique que é 21a personagem do Imagina na Copa, plataforma que está mapeando iniciativas de jovens transformadores até 2014.

crédito Bank-Bank / Fotolia

 

A articulação entre as regiões acontece sempre on-line onde são debatidos temas mais amplos, como recentemente a redução da maioridade penal ou até mesmo a exploração sexual e o combate ao trabalho infantil, até abordagens mais particulares de cada localidade. “A líder do Rio Grande do Norte sinalizou ao grupo o alto índice de gravidez na adolescência em um dos bairros de lá”, afirma Monique. Juntos pensaram como poderiam ajudar a reverter esses dados. Criaram então o Cine Debate, onde, durante duas semanas, os jovens que estão à frente do Desabafo Social, se reuniram, em rodas de conversas com as adolescentes grávidas. Para reforçar a abordagem sobre o tema também foram exibidos por mais uma semana vídeos curtos sobre a importância da prevenção da gravidez. Em outros estados, os temas podem ir do hip-hop, em São Paulo, a abordagens ligadas ao MST, no Pará.

No caso dos encontros presenciais, que são organizados pelos líderes em seus respectivos estados, cada tema normalmente é trabalhado durante duas semanas. Por exemplo, quando o assunto é ética na internet, como estratégia crianças e jovens visitam as lan houses locais para fazer alertas sobre o uso seguro. Quando se fala em preservação do meio ambiente, são produzidas oficinas de reciclagem e outras atividades.

Mensalmente, apenas nas ruas de Salvador, Monique estima que ao menos 30 meninos e meninas participem das atividades. Segundo ela, a ideia é mostrar, de forma lúdica, às crianças e aos jovens, os seus direitos por meio de atividades práticas. “Não posso falar sobre o estatuto mostrando o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)”, afirma ela que começou a dar vida à iniciativa por meio de um grêmio ainda quando cursava o 3o ano do ensino médio, em 2011.

“Se demoro mais de 15 dias para passar em um determinado bairro os pais me ligam para saber por que não fui”

Ao contrário daquela época, hoje em seu itinerário sobe-desce ladeira, Monique, que estuda Humanidades na UFBA (Universidade Federal da Bahia), desenvolve duas metodologias para levar os direitos humanos às crianças e aos jovens: a sensibilização e a produção. A primeira delas acontece durante o momento de discussão dos temas: como, por que acontecem, quais são os riscos, como é possível mudar. Já a segunda é por meio da produção e exploração do território, que significa a construção de algo em comum, isto é, a materialização, a prática, onde são produzidos fanzines, colagens e textos. O Desabafo Social também produz bimestralmente uma revista virtual. A publicação é feita por designers voluntários e os textos e imagens são enviados pelas crianças e jovens. A revista já está em sua quinta edição.

crédito Divulgação

 

Outro movimento realizado pelo Desabafo Social, foi pensado sobretudo por conta dos megaeventos internacionais, como a Copa do Mundo e Olimpíadas, período onde, segundo Monique, aumentam os casos violação dos direitos. O Desabafo na Ponta dos Dedos funciona como uma seção do site criada para ensinar crianças e jovens a se cuidar, sobretudo em relação a temas como exploração sexual. O espaço oferece dicas de como prevenir, para onde ligar e a quem pedir ajuda. Além disso, também realiza campanhas nas redes sociais. De acordo com dados do Ministério da Saúde, de 2011, a violência sexual contra crianças e jovens, é o segundo maior tipo de violência do país, ficando atrás da negligência e abandono.

No futuro, Monique pretende montar uma agência de comunicação, “não exatamente uma ONG”, ainda não sabe, mas com um viés social, estimulando a juventude a atuar em causas sociais, das suas realidades. Enquanto isso não acontece, a jovem soteropolitana vai colhendo os frutos do trabalho. “Se demoro mais de 15 dias para passar em um determinado bairro, os pais me ligam para saber por que não fui”, conta. “No início de abril, as crianças de um dos bairros que realizamos as oficinas, organizaram um campeonato de futebol – com prêmio e tudo – que fizeram com materiais recicláveis que aprenderam uma das oficinas, como garrafa PET e caixa de remédio”, finaliza.

Veja vídeo feito pelo Imagina na Copa sobre o Desabafo Social:


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