Direitos precisam ser garantidos em uma EJA cada vez mais jovem - PORVIR
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Inovações em Educação

Direitos precisam ser garantidos em uma EJA cada vez mais jovem

Seminário "Educação de Jovens e Adultos em Debate", no Rio de Janeiro (RJ), reflete sobre desafios, oportunidades e estratégias de inclusão do público jovem na EJA

Parceria com Programa Jovens Construtores - CEDAPS e YouthBuild Internacional

por Marina Lopes ilustração relógio 21 de novembro de 2022

Gabriel Henrique da Rocha, de 24 anos, quer concluir a educação básica para entrar na universidade. Aluno do Ceja Maré, escola da rede municipal do Rio de Janeiro que oferece a EJA (Educação de Jovens e Adultos) para o ensino fundamental, hoje ele vê na sala de aula a chance de garantir um futuro melhor para a sua família. “A gente tem que ter estudo, porque se não criar sabedoria, vai, infelizmente, continuar só nessa: trabalho de mão pesada e pouco custo.” 

📊 Acesse infográfico: Como estimular o protagonismo das juventudes que estão na EJA

Ainda jovem, Gabriel deixou a escola para ajudar a garantir a sobrevivência da sua família. “A gente que é morador de comunidade tem muita dificuldade em terminar os estudos porque precisa começar a trabalhar cedo”, conta o estudante, que viu a mesma história se repetir com os seus cinco irmãos. “Minha mãe fazia de tudo pra deixar a gente na escola, mas conforme a gente via que passava necessidade, a gente caia pra dentro do trabalho.”

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A trajetória dele é também um retrato de outros jovens de 14 a 29 anos que, movidos pelas circunstâncias socioeconômicas, tiveram que abandonar os estudos para trabalhar. No Brasil, 20,2% da população dessa faixa etária nunca chegou a frequentar o ensino médio ou deixou a etapa antes mesmo da sua conclusão. Anos mais tarde, alguns retornam ao ensino formal na EJA, que conta com um público cada vez mais jovem: 53% dos matriculados têm 29 anos ou menos. Os dados são da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e do Censo Escolar 2021, respectivamente. 

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Para refletir sobre o contexto da EJA no Brasil e as consequências do ingresso de pessoas cada vez mais jovens, entre 15 e 17 anos, na modalidade, no dia 9 de novembro, na região central do Rio de Janeiro (RJ), foi realizado o seminário “Educação de Jovens e Adultos em Debate: Reflexões e Debates frente à Juvenilização”, realizado pelo CEDAPS (Centro de Promoção da Saúde), em parceria técnica com YouthBuild Internacional.

Com a participação de jovens, do poder público, de conselhos de direito, de agências de cooperação internacional, da sociedade civil organizada e da iniciativa privada, o encontro mobilizou conversas e trocas de experiências para gerar oportunidades e inclusão social das juventudes da EJA. “A gente precisa trabalhar para alcançar cada jovem que está no seu processo, intercalado por uma série de intercorrências, junto da nossa injustiça social e fruto das desigualdades. Temos que ter velocidade, a velocidade é necessária, sob pena da gente perder grandes gerações”, ressalta Kátia Edmundo, Fundadora do CEDAPS.

Nas diferentes realidades e territórios do país, as intercorrências podem ser muitas: trabalho, falta de inclusão, afazeres domésticos ou cuidado de terceiros, problemas de saúde, desmotivação com a escola ou gravidez, como foi o caso da mãe de Thalyta Cunha. “Como metade da população brasileira periférica, eu fui criada por uma mãe solteira. Ela sempre me contou a história dela, que foi obrigada abandonar a escola cedo. Por causa da história dela, me incentivou a ir para o colégio, nunca permitiu que eu abandonasse”, lembra a jovem, que concluiu o ensino médio regular, mas ainda vê entraves para dar sequência a sua jornada acadêmica.

“O meu sonho é fazer uma faculdade, o que eu ainda não consegui porque o sistema educacional do Brasil é muito raso. A impressão que eu tenho é que ele não prepara a gente para competir igualmente com as outras pessoas, né? Isso que eu estou falando do ensino médio regular, imagina na EJA que tem que ver vários anos em um”, reflete Thalyta.

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Eu acredito no poder da juventude como ferramenta de transformação social. Não dá para a gente pensar em políticas públicas sem antes articular, conversar e ouvir as juventudes

Atualmente, apenas 18,1% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados no ensino superior e 17,4% das pessoas de 25 anos ou mais concluíram um curso, segundo dados da 11ª edição do Mapa do Ensino Superior no Brasil, divulgados pelo Instituto Seme. Inconformada com essa situação, a jovem Juliana Carmo iniciou um movimento de ocupação estudantil no Colégio Estadual Amaro Cavalcante, em 2016, e conseguiu apoio para criar um pré-vestibular social, que no primeiro ano ajudou 68% dos estudantes a conseguirem uma vaga em uma universidade pública. “Eu acredito no poder da juventude como ferramenta de transformação social. Não dá para a gente pensar em políticas públicas sem antes articular, conversar e ouvir as juventudes”, defende a jovem, que assim como Thalyta e Gabriel, foi participante do Programa Jovens Construtores, realizado pelo CEDAPS, com a parceria técnica com o YouthBuild Internacional. 

Participação e inclusão das juventudes

A construção de novas oportunidades ao público jovem da EJA passa pela escuta, protagonismo e acolhimento dos estudantes. “Precisamos organizar esforços para garantir oportunidades de aprendizagem para todos na idade certa, na escola de ensino médio regular”, indica Caio Callegari, coordenador de inovação em políticas do Instituto Unibanco. Segundo ele, a escola precisa engajar os jovens a partir da escuta, e não reforçar nesse ambiente padrões de exclusão social que, por vezes, se repetem na vida desses jovens. “Temos um padrão muito nítido demográfico de exclusões e vulnerabilidades, que muitas vezes vêm desde a infância.”

Não dá para falar em autonomia e emancipação de juventude preta, pobre e periférica sem falar de proteção para garantir que essa juventude continue viva

Para Thais Ferreira, vereadora pelo PSOL no Rio de Janeiro, esse lugar de participação e protagonismo dos jovens só será possível com uma reparação histórica e com o fortalecimento de políticas afirmativas. “Não dá para falar em autonomia e emancipação de juventude preta, pobre e periférica sem falar de proteção para garantir que essa juventude continue viva”, alerta. 

Afeto e acolhimento

Durante o seminário, o afeto e o acolhimento também foram apontados como fatores fundamentais para garantir a permanência dos jovens na escola. “Tomar de afeto o seu fazer em educação é uma condição básica essencial para a gente conseguir desenvolver qualquer uma das nossas entregas [na gestão pública]”, afirma Geisi dos Santos Nicolau, gerente da GEJA (Gerência de Educação de Jovens e Adultos), na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. 

De acordo com ela, é preciso trazer o afeto para as relações na EJA e, em hipótese alguma, imaginar que ela vai deixar de existir ou diminuir. “O que a gente precisa fazer é discutir a educação como um todo, envolvendo a EJA em igualdade de direitos e perspectivas. “Isso porque, muitas vezes, a chegada à Educação de Jovens e Adultos se dá por uma escolha não escolha: “Ela é o último ônibus da escolarização formal que esse sujeito encontra, no ensino fundamental ou no ensino médio.”

Articulação intersetorial 

Seja na fala dos especialistas ou até mesmo dos jovens presentes no seminário, também ficou evidente a necessidade de políticas de articulação intersetorial para lidar com os desafios presentes e futuros. “Cadê a intersetorialidade? Temos vários espaços importantes que devem pensar esse adolescente ou esse jovem”, questiona Joana Fontoura, oficial de Desenvolvimento e Participação de Adolescentes do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). 

A partir de um entendimento de trabalho compartilhado, ela reforça o papel conjunto da educação, da assistência social, da saúde e de tantas outras áreas. “Não pode ser o direito à educação sozinho, porque a solução não vai ser miraculosamente trazida somente pela área de educação”, destaca, ao afirmar que esse é um ponto fundamental para pensar na solução. 

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eja, equidade, juventudes

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