Por uma agenda de promoção da equidade racial na educação
Em artigo, Daniel Bento Teixeira, diretor-executivo do CEERT, fala sobre a segunda edição do evento Diálogos Antirracistas, em São Paulo, e do lugar da população negra na construção da democracia e da educação no país
por Daniel Bento Teixeira 2 de outubro de 2023
Nunca foi tão importante refletir sobre educação, democracia e equidade a partir do antirracismo para políticas públicas educacionais. Um recente estudo do Insper, publicado pelo jornal Folha de S.Paulo e baseado nos dados do Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), aponta crescimento na desigualdade educacional entre negros e brancos. O levantamento considerou resultados das provas de português e matemática feitas por alunos ao fim dos anos iniciais (1º ao 5º ano) e dos anos finais (6º ao 9º) do ensino fundamental. Um dos dados mostra que em 2017, na disciplina de matemática, meninos brancos do 5º ano tinham uma vantagem de 13 pontos sobre as meninas negras, sendo que em 2007 a diferença era de 9,1 pontos.
A própria Lei 10.639, que completou 20 anos em 2023 alterando a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira, ainda não é aplicada em mais de 70% das escolas brasileiras: apenas 29% das secretarias municipais de educação têm ações consistentes e continuadas ligadas à legislação, como mostra pesquisa do Geledés Instituto da Mulher Negra com o Instituto Alana.
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É urgente incidir nos municípios brasileiros a partir de uma agenda de promoção da equidade racial na educação. Um exemplo disso é que o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), alterado em 2020, passou a contar com complementação de recursos da União a municípios a partir de condicionalidade específica concernente à redução das desigualdades raciais e socioeconômicas.
Agora há o reforço da legislação sobre financiamento da educação e as tratativas sobre o Plano Nacional de Educação, que trará diretrizes para os próximos dez anos quanto à efetivação do direito à educação no país.
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O momento é estratégico e demanda muito das pesquisadoras(es), gestoras(es) educacionais, educadoras(es) e ativistas negros e antirracistas a pensarem mecanismos, conteúdos e metodologias para o avanço dessa agenda no país.
Por outro lado, é importante realçar também que a nossa democracia ainda corre riscos. Os movimentos autoritários que marcaram nossa vida política nos últimos anos continuam à espreita em busca de oportunidades de entrar em ação novamente, lembrando que no ano que vem teremos eleições municipais.
É fundamental consolidar políticas públicas antirracistas, sobretudo por meio de leis que assegurem maior estabilidade e longevidade política devido à maior dificuldade de alteração.
Para além das leis, no entanto, é também é fundamental impactar as práticas sociais cotidianas que as consolidam, atribuindo efetividade a seus efeitos. É preciso que as práticas sociais sejam imbuídas do valor do antirracismo e da promoção da equidade racial. Só assim garantimos maior envolvimento das pessoas e instituições em seu dia a dia.
Apesar de todos os retrocessos e pressões de movimentos ultraconservadores nos últimos anos, conseguimos manter conquistas históricas como ações afirmativas em universidades e até mesmo ter novas conquistas como a complementação do Vaar (Valor Aluno/Ano por Resultado), considerando a equidade racial. O Vaar é um valor transferido pelo governo federal, junto ao Fundeb, para as redes educacionais que promoverem melhoria de gestão e alcançarem resultados de redução de desigualdades raciais e socioeconômicas.
A população negra foi essencial para que derrotássemos o autoritarismo nas urnas. Agora é preciso que todas as instituições e pessoas que assinaram pactos pela democracia contra o autoritarismo e fascismo se somem à agenda antirracista de forma sistêmica no Brasil, pois essa agenda é essencial para manutenção e aperfeiçoamento da democracia no país. O momento é de avançar sem medo.
Estes serão alguns dos temas debatidos na segunda edição do Diálogos Antirracistas, evento promovido pelo CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), que promove o encontro de pesquisadores, educadores, jovens, estudantes e sociedade civil para reflexões sobre educação, democracia e equidade. Com o tema ‘Lugar da população negra na construção da democracia’, a iniciativa ocorre nos dias 3, 4 e 5 de outubro, no Instituto Moreira Salles (abertura) e no Sesc Belenzinho, em São Paulo. Serão apresentados painéis, oficinas temáticas e intervenções artísticas simultâneas. Participe! As inscrições são gratuitas!
Daniel Bento Teixeira
Daniel é advogado, especializado em Direitos Difusos e Coletivos pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); foi “Visiting Scholar” da Faculdade de Direito da Universidade de Columbia, em Nova Iorque; e Fellow do Public Interest Law Institute – Budapeste. É conferencista no Brasil e internacionalmente, além de coordenar diversos projetos de promoção da equidade em instituições. Publicações: Diversidades nas Empresas & Equidade Racial, 1ª ed., São Paulo, CEERT, 2017 (Coautor); Discriminação Racial é Sinônimo de Maus-Tratos: A Importância do ECA para a Proteção Das Crianças Negras, 1ª ed. São Paulo, CEERT, 2016 (Co-organizador e coautor) e Ações Afirmativas: A Questão das Cotas – 2011 (Coautor).