‘O importante é esperançar numa prática antirracista’ - PORVIR

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‘O importante é esperançar numa prática antirracista’

Em conversa com o Porvir, o filósofo e escritor Renato Noguera reforçou que o verbo esperançar envolve, necessariamente, que todos se comprometam com uma política pública antirracista

Parceria com Árvore

por Ruam Oliveira ilustração relógio 26 de junho de 2023

Entre o amor e o luto – ou misturado a esses dois sentimentos – está o esperançar. Esse verbo apresenta muito mais do que uma esperança passiva: comunica-se diretamente com uma espera que olha para o futuro, que mantém o engajamento e o sonho. 

Onde encaixar o amor no currículo escolar? Com reflexões sobre dois dos sentimentos mais comentados pela humanidade, o filósofo e professor Renato Noguera dedica parte de seus escritos a desvendar nuances e novas formas de encarar as dimensões do amor e do luto, que às vezes ocupam o mesmo espaço.

Em conversa com o Porvir, ele falou sobre estratégias para discutir esses temas na escola, como lidar com discursos de ódio e o que pensa do verbo esperançar – tão presente no vocabulário de educadores e educadoras Brasil e mundo afora. O termo, inclusive, está muito ligado ao legado de Paulo Freire (1921-1997): o esperançar freiriano aparece, entre outros livros, em “Pedagogia do Oprimido” e “Pedagogia da Esperança”. 

Confira abaixo os principais destaques da conversa com o Porvir: 

Porvir – Como o amor pode ser expresso na educação contemporânea?

Renato Noguera – Existem muitas formas. Uma delas, talvez, seja a escuta, a disponibilidade para que a escola crie algum mecanismo ou dispositivo para escutar as demandas das crianças e dos adolescentes. Escutar as crianças, adolescentes, jovens e adultos nas escolas é uma forma de expressar o amor.

Porvir – Os discursos de ódio se proliferaram muito e têm chegado nas escolas. Como ensinar o amor quando o ódio é aprendido tão rapidamente? 

Renato Noguera – Volto para a questão da escuta. Veja, o discurso e ódio tem um problema: ele começa com uma frustração, com a raiva e o problema é quando esse discurso se atualiza. E por isso escutar as insatisfações das pessoas é um primeiro passo. Porque o ódio está muito ligado a um vínculo que as pessoas estabelecem com a frustração, com a dificuldade… Uma frustração pode virar um ato de violência. Tem que ter um mecanismo de avaliação e de escuta para saber o que está acontecendo, quais são as postagens que o pessoal está curtindo e também ter disciplinas em que isso apareça.

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Porvir – Como isso pode entrar no currículo?

Renato Noguera – Essa abordagem deve aparecer como o projeto político-pedagógico, que precisa estar engajado em fazer uma discussão de combater as formas de discriminação e de opressão. A questão do ódio está muito ligada à opressão e manutenção do status quo (expressão em latim que significa “estado atual”). Ele não vem desvinculado de um identitarismo – geralmente supremacista branco masculino.

Porvir – Você também discute o luto, outro tema bastante presente nas escolas nos últimos anos. Além de criar espaços de escuta e compartilhamento, que outras estratégias podem ser feitas para que o tema constitua um espaço importante de discussão nas escolas?

Renato Noguera – Uma forma de trabalhar o luto é sermos capazes de falar dessas dificuldades. É um manejo difícil falar sobre luto. A estratégia pode ser por meio de algum workshop (oficina), seminário ou leitura. Eu tenho um livro chamado “O que é o luto: Como os mitos e as filosofias entendem a morte e a dor da perda” que tem gente usando no ensino médio. Acredito que é uma estratégia que pode estar no ensino médio, no final do fundamental 2, oitavo, nono ano… Isso pode estar numa disciplina ou em um programa de leitura da escola. Existem livros para crianças menores que também falam sobre luto. Acho que a estratégia é ter um material paradidático para falar de luto. 

Porvir – O que as escolas brasileiras podem aprender com outras culturas sobre a maneira de lidar com questões complexas – como o amor e o luto, por exemplo?

Renato Noguera – Eu acho que tem uma coisa importante quando a gente fala de tradições culturais diferentes: ter mais repertório. Trazer cultura africana, repertório de povos originários e outros mais ampliados que possuem mais ferramentas para lidar [com essas questões]. Há uma diversidade imensa de lidar com o mesmo fenômeno e essa diversidade acaba enriquecendo o processo para crianças e jovens.

Porvir – Essa ampliação deve ser apenas para os estudantes ou para os professores também?

Renato Noguera – Boa pergunta. Acho que o corpo docente tem que estar preparado para isso. A formação continuada é algo inevitável para a gente que está na sala de aula. Tem que fortalecer as professoras e professores antes de tudo, sem dúvida nenhuma. Então, a formação continuada com diversidade de repertório é fundamental.

Porvir – Qual o lugar do verbo esperançar na educação antirracista? 

Renato Noguera – Esse é um verbo que entra em confronto com o medo, com a ansiedade, com as projeções apocalípticas, identitárias, supremacistas brancas… O lugar do verbo esperançar é o lugar de um compromisso político que envolve todos os agentes. 

Porvir – Poderia detalhá-lo?

Renato Noguera – É, por exemplo, compreender que falar de racismo não é coisa de pessoas negras, mas todo mundo; não só falar de racismo a partir da sua perspectiva de privilégios ou sendo alvo do racismo, mas também [do ponto de vista de quem] se beneficia diretamente do racismo no Brasil. Então, o importante é esperançar numa prática antirracista, é convocar as pessoas para que elas assumam responsabilidade e protagonismo para discutir o racismo. Esperançar envolve que todo mundo se comprometa com uma política pública antirracista.

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