Em Petrópolis (RJ), escola se torna refúgio para superação de desastres ambientais - PORVIR
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Inovações em Educação

Em Petrópolis (RJ), escola se torna refúgio para superação de desastres ambientais

Após a catástrofe climática de 2022, que deixou mais de 200 mortos, a Escola Dr. Rubens de Castro Bomtempo vem implementando ações de resiliência, desde o ensino sobre mudanças do clima local ao apoio emocional em meio à dor coletiva

por Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 11 de dezembro de 2024

Escola Municipal Dr. Rubens de Castro Bomtempo
Petrópolis (RJ)
Alunos: 360
Funcionários: 51
Etapas atendidas: ensino fundamental 1 e 2 (do primeiro ao nono ano)

Uma escola resiliente baseia-se em três pilares principais: aspectos socioemocionais, curriculares e de infraestrutura, todos voltados para enfrentar as mudanças climáticas e a crise ambiental. Embora nem todas as instituições consigam abordar essas dimensões ao mesmo tempo, investir em pelo menos uma delas já é um avanço significativo nesse contexto.

Localizada em uma região montanhosa, com um histórico de chuvas torrenciais recorrentes, o município de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, registrou em 2022 a maior tempestade de sua história. Os deslizamentos culminaram na morte de 242 pessoas, entre elas sete alunos e a merendeira da Escola Municipal Dr. Rubens de Castro Bomtempo. Nesta reportagem, investigamos como foi a recuperação da escola e suas estratégias de apoio socioemocional oferecidas até hoje aos estudantes e à comunidade escolar. Também detalhamos como funciona o Programa Escola Resiliente, pioneiro no país, voltado para ações de prevenção nas 79 escolas da cidade.


Naquela segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022, a Escola Municipal Dr. Rubens de Castro Bomtempo reabria seus três andares. Era o primeiro reencontro entre os 51 funcionários e os mais de 400 alunos após quase dois anos de distanciamento causado pela pandemia da Covid-19.

Catiane Costalonga Melo estava ansiosa. Não só pela saudade do pátio barulhento e cheio de vida, mas também porque começava uma nova etapa: o primeiro dia como diretora-geral do espaço que conheceu quando era aluna. Ali também trilhou boa parte de sua carreira profissional como estagiária, professora de línguas portuguesa e inglesa e diretora adjunta da orientação pedagógica. Como seria o retorno à rotina escolar após tanto tempo longe das atividades presenciais?

Esta também foi a pergunta feita pela professora de português Marcela Santos ao retomar a sala de aula, na manhã do dia 15 de fevereiro. Nem o tempo fechado, que costumeiramente causa mais faltas, desanimou a turma falante da sala cheia do sexto ano. 

Antes de qualquer aviso ou tarefa, Marcela entendeu que uma boa conversa era o melhor caminho para recepcionar os estudantes. O bate-papo culminou em uma produção de texto para que pudessem colocar no papel um pouco mais do que estavam sentindo. “Depois da pandemia, quais são os nossos planos para o futuro?” foi o tema central da redação.

Bernardo Gomes, de 11 anos, olhou bem para o papel antes de começar a escrever. Ao tocar o sinal, jogou o caderno dentro da mochila e saiu correndo para não tomar a chuva que ameaçava cair. Contudo, o mais trágico dos cenários não permitiu que o garoto terminasse a tarefa.

No final da tarde, uma tempestade assolou a cidade. Bernardo já estava em casa, localizada no morro da Vila Felipe, e fazia companhia para a avó. O volume esperado para todo o mês caiu sobre a cidade em apenas três horas, provocando 775 deslizamentos de terra e 242 mortes. A pequena casa do garoto desabou. Bernardo e a avó morreram soterrados.

“Naquele dia, eu estava ilhada, longe de casa, mas acompanhava as notícias pelo celular. Até hoje não sei explicar a aflição, uma mistura de impotência e desespero. Vi o status da mãe do Bernardo, que também não estava em casa, pedindo notícias do filho. Meu coração se partiu quando, em outro grupo, soube da fatalidade. Ninguém tinha coragem de contar a ela o que aconteceu. Foi devastador”, relembra Marcela, atualmente orientadora pedagógica da escola.

Até hoje, Katiana, mãe de Bernardo, compartilha a imagem da redação incompleta que encontrou no meio dos escombros.

Regador verde derramando água sobre uma planta com folhas verdes, com mãos desfocadas e parte de uma calça azul ao fundo. Cena iluminada pela luz do sol.
Bel Junqueira / Porvir Alunos de Petrópolis regam roseira plantada na escola em homenagem aos colegas mortos por consequência do desastre climático de 2022

50 dias de abrigo

Naquela mesma madrugada, a Defesa Civil transformou 37 escolas em pontos de apoio para os desalojados. A localização estratégica da Rubens de Castro, bem no alto de uma montanha da cidade, permitia a visão trágica dos bairros ao redor. Tudo era lama e destruição.

Catiane nem voltou para casa naquela noite. Tampouco os colegas. Todos organizaram o ambiente, retirando carteiras e cadeiras, separando mantimentos e deixando os espaços das salas de aula prontos para receber os vizinhos. “Em dois dias, passei de diretora escolar a diretora de abrigo. Todos nós estávamos muito abalados e ficamos assim por muito, muito tempo”, recorda-se.

Um mês depois do desastre, o nível da água diminuiu e o governo determinou a retomada das aulas. Cerca de 800 desabrigados da Rubens de Castro seriam transferidos para outros espaços da cidade. Contudo, uma nova tempestade provocou mais deslizamentos, mais mortes e a interdição de mais de duas mil casas. 

Coube às 79 escolas da rede municipal de Petrópolis permanecerem como refúgio da população até meados de maio. Não havia outro assunto a não ser o luto, afinal, todos conheciam ao menos uma das vítimas fatais. Estavam na lista sete estudantes da Rubens de Castro: além de Bernardo Gomes, citado no início deste texto, outros seis alunos (Ana Carolyne Soares, os irmãos Bernardo Maduro e Pedro Henrique Maduro, Nathaly Vitória Rosa, Davi Ezequiel da Silva e Susana de Sousa) e a merendeira tia Val (Valdecir da Silva Affonso).

A mãe de Bernardo e Pedro Henrique Maduro foi encontrada soterrada, abraçada aos dois filhos.

Desmoronar é o verbo escolhido por Catiane para descrever aqueles meses. “Tudo desmoronou, menos as escolas.”

Apoio socioemocional

Os reflexos da catástrofe são notórios. Crianças ainda choram ao ver o céu carregado, enquanto algumas mães correm para buscar os filhos ao menor sinal de chuva. Esse sentimento pode ser traduzido por ansiedade climática (ou eco-ansiedade), terminologias que têm sido cada vez mais utilizadas em pesquisas científicas e debates sobre o tema.

“Desde a época dos abrigos, meu trabalho está voltado a conscientizar a comunidade de que a escola é o lugar mais seguro durante uma chuva torrencial ou até mesmo chuva fraca. Acalmo os responsáveis e digo sempre: ‘Fiquem aqui, vamos esperar a chuva passar para voltar com segurança’”.

Sua formação em psicologia foi essencial para lidar com o abalo emocional generalizado que tomou conta da comunidade escolar, especialmente na retomada das aulas pós-tragédia. Os alunos pareciam perdidos — quietos, tristes, cabisbaixos. Recebê-los na escola era um desafio duplo, pois, além do trauma das chuvas, carregavam o peso do isolamento da pandemia.

“Nós, adultos, também nos sentíamos assim, mas tínhamos de demonstrar segurança. Era o momento de observar a escola, de conversar e ouvir. Os professores intercalavam o básico do currículo com conversas e atividade de expressão. Por meio da arte, pinturas, desenhos e redações, aquela dor era trazida à tona”, conta.

Ainda assim, muitos alunos não conseguiam sequer falar. “Vi um número grande de meninos e meninas escondendo os braços marcados por cortes de gilete. Eles se mutilavam e não sabiam dizer o motivo, não sabiam explicar o tamanho da dor e o medo de morrer.”

Pedagogia da emergência

Diante desse cenário, Catiane e sua equipe optaram por priorizar o acolhimento e a reconstrução emocional, sem abrir mão do currículo escolar.

“Ser psicóloga me proporcionou ferramentas valiosas para lidar com as complexidades das emoções humanas. Eu sabia que teria de promover, de alguma forma, um ambiente escolar mais acolhedor”, conta a diretora. 

Nos primeiros meses, era comum ver os alunos batendo na porta da sala da direção, assustados. Catiane os recebia com um copo d’água e um abraço, ouvindo suas necessidades antes de encaminhá-los às equipes de psicologia da Secretaria de Educação para a escuta especializada. À época, muitos voluntários ofereceram terapias gratuitas para estudantes e professores.

“A psicologia tem um papel fundamental nas escolas. Cada instituição deveria contar com um psicólogo. Após a tragédia, ficou notório o aumento de pessoas mais ansiosas e depressivas. O apoio psicológico é essencial para ajudar os alunos, e também toda a comunidade, a lidar com os desafios emocionais e para promover o bem-estar mental dentro da escola”, reforça a gestora.

Contudo, quem cuida de quem cuida? Catiane, como diretora e psicóloga, tinha de recuperar a escola e apoiar sua equipe. Ela também sentia um profundo abalo emocional e, por isso, reconhece a importância do programa Pedagogia da Emergência, que promoveu sessões de terapia naquela fase tão delicada.

“Foi algo fundamental para nós que trabalhamos na escola. Tínhamos sessões presenciais e online. Eram grandes sessões de terapia em grupo, na qual aprendemos até técnicas de respiração e concentração. Precisávamos receber apoio e dar apoio a quem ficou, mas não foi fácil”, relembra.

Fortalecimento emocional

Baseado na pedagogia Waldorf, que integra o desenvolvimento físico, intelectual e artístico dos estudantes, especialmente em contextos de trauma crônico, o grupo Pedagogia da Emergência atua em diversos países e áreas que atravessam crise extrema. Um exemplo é a Faixa de Gaza – palco de conflitos recorrentes entre Israel e grupos palestinos, como o Hamas, devido a disputas territoriais, políticas e religiosas, marcadas por ciclos de violência.

A metodologia propõe o uso de recursos artísticos e da expressão corporal como formas de ajudar a enfrentar situações traumáticas, em busca da recuperação emocional e do fortalecimento da resiliência.

Em Petrópolis, a conexão com o grupo foi estabelecida por meio de uma ex-aluna da cidade que entrou em contato com a equipe brasileira da Pedagogia da Emergência. “Petrópolis foi uma experiência de catástrofe, não uma tragédia pontual. A cidade foi afetada em sua totalidade”, relembra William Boudakian de Oliveira, à época presidente da associação.

A equipe propôs transformar algumas escolas de educação infantil em espaços exclusivos para acolher crianças e adolescentes. “Quando estamos com crianças vítimas de uma catástrofe, a função é acolher, escutar e gerar a possibilidade de expressão do sofrimento”, afirma. 

Entre as estratégias usadas, estão música e movimentos corporais para ajudar as crianças a liberarem o trauma físico e emocional. “Ao iniciar um atendimento, a primeira coisa que fazemos é organizar e estruturar o ambiente, criando um lugar seguro para as crianças. A ideia é que, mesmo que tudo ao redor esteja desorganizado, exista um ponto de equilíbrio estruturado, o que é fundamental para ativar o sistema metabólico motor. Para isso, começamos com uma grande roda, onde as crianças participam de uma atividade que traz calor e movimento, ajudando o corpo a se aquecer e a liberar tensões.”

A música tem um papel essencial nesse processo, contribuindo para que as crianças possam se sentir mais calmas, diminuindo a respiração curta e acelerada típica de situações traumáticas. “É importante que as atividades não sejam apenas recreativas, mas que funcionem como uma forma de diluição do trauma e de expressão emocional, criando um espaço acolhedor para cada criança se reconectar com seu corpo e com seus sentimentos”, ressalta William.

As crianças costumam se envolver mais nas atividades ao perceberem que o ambiente foi preparado especialmente para acolhê-las. “É claro que algumas crianças resistem, mas, uma vez engajadas, elas se entregam ao processo, começando a se expressar e lidar com os sentimentos de forma mais saudável. Em situações de emergência, é essencial criar um ambiente acolhedor, onde meninos e meninas possam vivenciar essas experiências de cura e expressão emocional”, complementa o especialista.

Geografia suscetível à crise do clima

Fundada por Dom Pedro II em 1843, Petrópolis é conhecida pela beleza natural e pelo clima da Serra dos Órgãos, de relevo acidentado e altitude elevada, com temperaturas amenas, nebulosidade e chuvas frequentes. Contudo, sua geografia montanhosa e a proximidade com áreas de risco nos morros, onde a população vulnerável reside, tornam a cidade ainda mais suscetível aos impactos climáticos.

Reportagem da revista National Geographic explica que os morros de Petrópolis são compostos por gnaisses, rochas metamórficas derivadas do granito ou de rochas quartzo-argilosas.

Nas partes altas, essas rochas se fragmentam devido à ação da chuva, do vento e de processos químicos, formando pedaços grandes, porém pesados. Esses fragmentos, embora grandes e pesados, repousam sobre uma camada fina de solo. Quando saturado por chuvas fortes, o solo perde atrito, provocando deslizamentos.

Em entrevista ao Jornal da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Isabelle Alves, à época aluna de pós-graduação em Geografia, explicou que, durante o período colonial, a população se estabeleceu às margens dos rios, mas que agora ocupa as encostas. “Desde a década de 1950 até 2010 a população triplicou. Eles não estão ali porque querem, mas por não terem para onde ir”.

A cidade enfrentou diversas calamidades naturais ao longo de sua história. A catástrofe provocada pelo temporal de 15 de fevereiro é considerada a maior já registrada no município. Com 235 mortes, o desastre superou os números de 1988, quando 134 pessoas morreram devido a intensos deslizamentos provocados por fortes chuvas.

O impacto da tragédia de 2022 foi sensorial, com a cidade marcada pela destruição e uma atmosfera carregada de desespero e dor, algo de que William não se esquece. “No contato com os professores, explicamos o que é o trauma, suas consequências e características, numa perspectiva de psicoeducação”, explica William. 

A secretária de Educação de Petrópolis, Adriana de Paula, destaca que, além da prevenção, é essencial trabalhar as competências socioemocionais dos alunos na própria escola.

Após o desastre de 2022, o currículo foi adaptado para incluir debates sobre riscos climáticos e a importância da comunidade escolar em ações de resiliência. “O cuidado com as questões emocionais deve ser olhado tanto em crises climáticas quanto em situações cotidianas”, comenta.

Ferramentas como pluviômetros feitos com materiais recicláveis foram instalados em todas as escolas para monitorar a quantidade de chuva. “Dessa forma, a escola busca capacitar os alunos e a comunidade a tomar medidas práticas para reduzir os riscos e aumentar a segurança.”

Além disso, o currículo da escola enfatiza o ensino da geografia local, incentivando os estudantes a identificar áreas de risco e mapear as próprias casas para entender onde é possível implementar melhorias, como a instalação de calhas para o escoamento da água da chuva.

Desde 2022, Petrópolis adota medidas preventivas mais amplas, como a suspensão de aulas em períodos de risco, alarmes e alertas via SMS para os moradores. A cidade também implementou sinalizações em áreas sujeitas a alagamentos, bem como barreiras em ruas vulneráveis, bloqueando o acesso em situações de perigo, com apoio da Defesa Civil.

“Não basta a escola ser resiliente. A equipe deve ser resiliente. Quem está dentro da escola tem de querer fazer a diferença”, enfatiza a diretora Catiane. “Nossa geografia, infelizmente, mostra que os desastres vão acontecer novamente. Por isso, agora é importante conscientizar os alunos sobre os riscos que podem existir em suas próprias comunidades.”

Essa consciência é fundamental não apenas para mitigar os efeitos da crise climática, mas também para encontrar formas de adaptação. Avaliar os riscos locais e adotar medidas de segurança e proteção antecipadas são passos essenciais para garantir a resiliência das comunidades frente a futuros desastres.

Programa Escola Resiliente

Dentro desse contexto, o Programa Escola Resiliente foi implementado na Escola Rubens de Castro Bomtempo justamente para conscientizar os alunos sobre os riscos climáticos, treinando-os para agir com segurança. O projeto é de autoria de Rodrigo D’Almeida (saiba mais aqui) e os simulados, que recebem o nome de “Fortalecendo a Resiliência”, são conduzidos pelos Comitês de Segurança Escolar com o apoio da Defesa Civil.

Sob a liderança do professor de matemática João Gabriel Pereira da Rocha, os alunos participam ativamente de simulações de evacuação. “Geralmente, abrimos nossas reuniões com a Defesa Civil tratando da ansiedade climática, ressaltando aos alunos que o modus operandi para se recuperar desta condição passa por todo esse procedimento realizado nas escolas”, conta.

Nessas atividades, cada grupo desempenha funções específicas para garantir uma saída eficiente e segura até a quadra da escola, com a meta de concluir o trajeto em cada vez menos tempo. O tempo atual dos treinamentos é de dois minutos e meio. Confira, neste link, o “Roteiro intuitivo para simulado de evacuação escolar em situações de emergência”.

O treinamento é estruturado em três equipes, conhecidas como “bandeiras”, com responsabilidades distintas:

  • Bandeira amarela: monitora a chuva com um pluviômetro, coordena a evacuação e dá o comando em situações de emergência.
  • Bandeira verde: mapeia rotas de evacuação e sugere alternativas.
  • Bandeira vermelha: cuida do resgate e da manutenção da infraestrutura, garantindo que todos cheguem à zona de acolhimento com segurança.

“Essa estrutura prepara os alunos para situações de emergência, promovendo também uma cultura de colaboração, responsabilidade e liderança entre eles”, explica João Gabriel.

O professor também reforça que o projeto da escola resiliente auxilia os participantes nas questões socioemocionais ao desenvolver a habilidade de lidar com problemas e adversidades.

“Para o funcionamento de todo o processo, é fundamental a criação de um procedimento padrão, o que faz com que todos se sintam mais seguros, afinal a situação foi planejada em cada detalhe. Além disso, ao criar o protocolo, é necessário antecipar possíveis problemas que possam surgir durante a execução das atividades, pois elas não eximem os participantes de buscar novas soluções”, acrescenta.

Para João Gabriel, a atividade trabalha tanto a habilidade de resolução de problemas quanto a colaboração em equipe, uma vez que muitas dessas ações exigem trabalho conjunto. “É uma maneira de promover consciência coletiva.”

A voz dos alunos

O impacto do programa vai além da preparação para emergências. Júlia Pereira Ferreira, aluna do 7º ano, é um exemplo de como o trabalho focado no viés socioemocional tem beneficiado a comunidade escolar.

Júlia perdeu a avó, Helena, no deslizamento de terra na enchente de 2022. “Ela estava com medo da chuva e saiu para rezar na casa dos vizinhos, que desabou. Eles eram parte da minha família.” Foram nove mortes, incluindo outras três crianças e um bebê de 15 dias – sua melhor amiga, Rafaela, foi uma das vítimas. 

Poucos dias antes da tragédia, Júlia havia recebido uma carta de Rafaela, que guarda até hoje. “Foi um gesto muito especial. Ela disse que não era minha amiga por causa do celular ou do tablet, e sim porque eu era uma pessoa incrível. Essa carta até hoje me ajuda a lidar com a ausência dela, da minha avó e dos meus vizinhos.”

Júlia é a mais nova integrante do grupo Desafio Escola Resiliente, que simula a evacuação na Escola Rubens de Castro. Ela lidera a equipe bandeira amarela. Em menos de um mês, sente que a atividade promove uma relação mais colaborativa entre professores e alunos e será importante caso as chuvas voltem. “Sei que temos um plano e posso contribuir para a segurança de todos”, conta a estudante, que pensa em ser médica, mas talvez mude de planos. “Meus professores me dizem que eu seria uma ótima advogada. Vou pensar nisso.”

Reconstrução emocional

A dor causada pela tragédia foi profunda, mas a escola encontrou formas de apoiar a comunidade. A homenagem às vítimas da escola ocorreu somente um ano depois, em respeito aos sentimentos de toda a equipe. Além do mural com fotos, uma roseira branca foi plantada no jardim da escola em um gesto carregado de simbolismo. 

“Os alunos estavam em prantos, revivendo a dor de perder amigos e relembrando cenas de pânico, como o trabalho dos bombeiros tentando reanimar colegas. Esse momento foi difícil, pois eles começaram a perceber, com mais clareza, o que realmente havia acontecido”, conta Catiane.

Fachada da "Escola Municipal Dr. Rubens de Castro Bomtempo" em prédio vermelho desbotado com detalhes verdes e grade de ventilação. Céu azul ao fundo.
Bel Junqueira / Porvir A Escola Dr. Rubens de Castro Bomtempo, localizada em Petrópolis (RJ), funciona como ponto de apoio para acolher desabrigados em emergências causadas pelas enxurradas

Contudo, a ideia era justamente compartilhar a dor. “Mesmo profundamente abalada, nossa equipe se reuniu para dar suporte aos estudantes. Essa união foi, e tem sido, vital para a recuperação emocional de todos. Desde então, sentimos que a escola se tornou um ponto de acolhimento e de reconstrução.”

Esse processo de transformação, reflete Catiane, foi possibilitado pelo fortalecimento socioemocional coletivo. Aos poucos, essas ações criaram um ambiente de aprendizagem mais positivo e um clima escolar mais acolhedor. Todos vêm buscando transformar a dor em força. “A homenagem foi um passo importante nesse processo, pois permitiu que os alunos e a comunidade escolar se reconectassem com a memória das vítimas e com a necessidade de seguirem mais unidos do que nunca.”

A escola, que antes era um local de aprendizado, tornou-se, de fato, um símbolo de resiliência.

Edição: Marina Lopes

*A pauta desta reportagem foi selecionada pelo 6º Edital de Jornalismo de Educação, da Jeduca e da Fundação Itaú


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crise climática, educação ambiental, educação climática, Série Escolas Resilientes, socioemocionais

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