Inclusão demanda avaliação cada vez mais personalizada
Testes adaptativos e acompanhamento individualizado também fazem a diferença para construir um ambiente educacional inclusivo
por Marina Lopes 27 de dezembro de 2017
Em um modelo educacional que valoriza o percurso pedagógico do estudante, as avaliações padronizadas passam a fazer cada vez menos sentido, principalmente quando o educador precisa identificar quais são as habilidades e dificuldades individuais. No lugar das provas, ganham espaço os testes adaptativos e os instrumentos de acompanhamento que permitem apontar com maior exatidão o estágio de desenvolvimento de cada criança ou adolescente.
Depois de apresentar como algumas das principais tendências educacionais, como a personalização, o uso de tecnologia e a educação mão na massa, ajudam na construção de ambientes que acolhem a diversidade e respeitam as múltiplas formas de aprender de cada aluno, a última reportagem da série Educação Inclusiva apresenta casos de instituições que investem em novas formas de avaliação.
Para personalizar atividades no ciclo de alfabetização, o negócio social Coruja Educação desenvolveu uma avaliação adaptativa que monitora as habilidades e dificuldades dos estudantes nos conteúdos de português e de matemática, além de acompanhar aspectos da aprendizagem relacionados ao processamento de informação, cognição social, linguagem e memória.
Realizado em computador, o teste se reconfigura em tempo real conforme os erros e acertos de cada criança. Dessa forma, o sistema consegue fazer uma avaliação personalizada de todos os estudantes, identificando os seus níveis em diferentes eixos de aprendizagem, como escuta e oralidade, leitura e compreensão de texto ou operações e pensamento algébrico. “Como a avaliação da Coruja é adaptativa, ela consegue identificar o ponto de desenvolvimento das crianças para que os educadores possam começar um trabalho intervenção a partir daí, principalmente para crianças com deficiência intelectual, crianças com Down ou outras síndromes”, explica Mônica Weinstein, diretora técnica da Coruja Educação.
Ela ainda destaca que pelo fato da avaliação ser adaptativa, todos os alunos da classe podem ser alcançados. “Independente do nível em que a criança esteja, todas conseguem fazer a avaliação. Mesmo que ela tenha muita dificuldade, ela consegue terminar, e nós conseguimos ver em que ponto ela está”, diz.
Após concluir a avaliação, o sistema gera relatórios para os educadores, que podem analisar o desempenho de cada criança em diferentes eixos ou monitorar a distribuição da sua turma em níveis de aprendizagem: acima da expectativa, dentro da expectativa, pouco abaixo da expectativa e muito abaixo da expectativa. “A parte da classe acima ou dentro da expectativa costuma ser mais autônoma, então o professor consegue fazer uma mediação melhor para os alunos que precisam de atenção”, sugere Mônica, ao mencionar que os educadores também usam o material de apoio da Coruja Educação para que cada estudante possa seguir com as atividades no seu ritmo.
“Quando falamos de um ensino padronizado, esperamos que todo mundo cumpra a mesma rota, como se fossem iguais no seus perfis de aprendizagem, interesses e expectativas em relação a vida. Como eu posso achar que todas as crianças vão se encaixar no mesmo padrão de avaliação?”, questiona a pedagoga Christiane D’Angelo.
Integrante da equipe técnica da Coruja Educação, Christiane acompanha o programa de personalização para o ciclo de alfabetização em escolas de tempo integral apoiadas pela organização Parceiros da Educação, que atua na rede pública de São Paulo. “Tudo o que é utilizado para crianças com alguma necessidade educacional especial pode ser utilizado com todos da classe. Estamos falando de desenvolvimento infantil. Quando o professor consegue ter esse olhar, sem dúvida ele consegue conhecer mais o seu aluno e pode buscar estratégia que vão ajudá-lo individualmente. O coletivo também passa a funcionar melhor.”
Plano de Desenvolvimento Individual
Apesar da tecnologia potencializar o acompanhamento individual, a experiência da Escola Estadual Professora Elza de Oliveira Lage, em Ipatinga (MG), também mostra que as instituições podem trabalhar com um olhar voltado para o desenvolvimento de cada aluno, mesmo sem dispor de muitos recursos ou de apoio externo. Por lá, o PDI (Plano de Desenvolvimento Individual), previsto no capítulo de adaptações curriculares dos Parâmetros Curriculares Nacionais, deixou de ser visto apenas como um documento legal para servir como um verdadeiro instrumento de acompanhamento contínuo dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
“O aluno que é avaliado por PDI precisa de uma intervenção pedagógica diferenciada. Na verdade, dentro da perspectiva da educação inclusiva, consideramos o PDI um dos documentos mais importantes da escola. Nele vamos fazer observações efetivas de todo o processo educacional da criança”, destaca Izilda Rodrigues Viana, que já foi coordenadora da educação especial da rede municipal e hoje atua na educação especial da Escola Estadual Professora Elza de Oliveira Lage.
A partir de um diagnóstico cognitivo, sensorial, comportamental, físico, motor e escolar de cada estudante, os professores traçam um plano de intervenção pedagógica individualizado, que considera suas limitações, dificuldades e, ao mesmo tempo, valoriza as suas capacidades e potencialidades.
Mesmo o documento sendo uma orientação nacional, ela avalia que o diferencia o trabalho da escola é a forma como ele é elaborado e revisto ao longo do ano letivo. “Eu vejo que nós fazemos acontecer o que está escrito. Isso é um trabalho de parceria entre o professor regente, o apoio e o profissional da educação especial”, afirma Izilda.
Conforme a professora, todo início de ano a escola promove um encontro de formação dos professores para a elaboração do PDI. “Nós trabalhamos com o documento não só na perspectiva do aluno com laudo, mas também dos que apresentam alguma dificuldade. A partir daí buscamos um atendimento multidisciplinar para essa criança.” Ela ainda explica que na primeira avaliação, o professor tenta conhecer o que o aluno sabe, quais são os seus conhecimentos e habilidades. “A partir dessa descrição, planejamos uma intervenção por metas, incluindo os conteúdos relacionados ao ano e série, mas sempre de acordo com a possibilidade da criança.”
Como uma forma de trabalhar consciência fonológica com um estudante com transtorno do espectro autista, por exemplo, as professoras regente, de apoio e do Atendimento Educacional Especializado se uniram para traçar metas pedagógicas em conjunto. Ao notar que ele se interessava por música, elas escolheram canções da sua preferência para trabalhar a percepção dos sons, estimular o desenvolvimento da fala e avançar no processo de alfabetização.
A construção do PDI também trouxe significativos para avanços para um aluno com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade). Por meio de atividades ludopedagógicas, com destaque para os campeonatos de xadrez, foi possível obter melhora acentuada na concentração, focando nas potencialidades do estudante.
Para apoiar o desenvolvimento de todos os estudantes, a escola também investe na produção de materiais pedagógicos adaptados no desenho universal da aprendizagem. Eles são elaborados a partir das necessidades e interesses de cada criança, trabalhando com materiais recicláveis e diversos recursos sensoriais.
“A educação inclusiva favorece a diversidade à medida em que considera que quaisquer um de nós pode ter necessidades especiais em algum momento de nossa vida. Há, entretanto, necessidades que interferem de maneira significativa no processo de aprendizagem e exigem uma atitude educativa específica da escola, como a utilização de recursos e apoio especializados para garantir a aprendizagem de todos os alunos”, defende Izilda.