Nos EUA, pais cobram privacidade para dado escolar
Especialista americano Scott McLeod fala ao Porvir sobre o impacto de softwares agregadores de dados e de soluções para conectividade
por Vinícius de Oliveira 26 de fevereiro de 2015
Conectividade, formação de professores e novas maneiras de ensinar apoiadas em dados são temas de discussões acaloradas na educação. Nos Estados Unidos, mesmo com investimento pesado tanto do poder público como de grandes empresas de tecnologia, problemas similares aos do Brasil também acontecem dentro e fora da sala de aula.
Para discutir experiências americanas e apontar caminhos para educadores e líderes, o Porvir conversou com Scott McLeod, um dos maiores especialistas em tecnologia para educação básica nos EUA, que estará no Brasil no início de março para participar do evento Innovate 2015 – Re-imagining School. McLeod é diretor-fundador do Centro de Estudos Avançados de Liderança Tecnológica na Educação, da Universidade do Kentucky, e autor do livro “What school leaders need to know about digital technologies and social media” (“O que líderes escolares precisam saber a respeito de tecnologias digitais e mídias sociais”).
Na entrevista, McLeod, defende a formação e a troca de experiência entre professores para que consigam proporcionar uma aula mais consistente (e não baseada só em datas e fórmulas) a seus alunos com apoio da tecnologia. O educador comenta ainda iniciativas de cidades que oferecem acesso gratuito à internet e que têm entrado em choque com grandes empresas de telecomunicações. Por fim, analisa o impacto da avalanche de dados e a preocupação de pais com ameaça à privacidade trazida por sistemas que guardam toda a vida escolar de seus filhos. Big Brother até na escola? Leia mais:
Porvir: Como você analisa a relação de professores com a tecnologia?
Scott McLeod: A maioria não sabe como usar a tecnologia da maneira correta porque não teve o apoio suficiente para mostrar onde se pode chegar. Meu trabalho se concentra em explicar a diretores e gestores como criar um ambiente favorável e retirar as barreiras para professores trabalharem com tecnologia na sala de aula. Quando falo com professores, tento conectá-los com colegas ao redor do mundo que ensinam o mesmo conteúdo para troca de ideias, planos de aula e recursos.
Porvir: Qual a melhor solução para um uso eficiente da tecnologia: um computador por aluno ou um computador por professor?
McLeod: Os Estados Unidos têm percebido que é muito difícil participar de um ambiente digital se você não possui um dispositivo. Em alguns estados, como o Iowa, grandes investimentos têm sido feitos em programas “1 para 1” para garantir que cada aluno tenha acesso a um dispositivo mais robusto que um smartphone.
Porvir: Em uma apresentação no seu site, você diz que 80% das aulas de ensino médio envolvem atividades que exigem pouca reflexão. Por que isso acontece?McLeod: Na maior parte do tempo, os estudantes são estimulados a lembrar fatos e datas, seguindo um procedimento padrão. A aula de matemática cobra a aplicação correta de uma fórmula, enquanto, em história, pede-se citação de datas e lugares. Depois disso, sobra apenas 20% do tempo para um trabalho em que as crianças estão pensando de forma mais abrangente sobre como resolver problemas, agir de modo colaborativo ou em projetos.
Porvir: No Brasil, o processo de compra de ferramentas digitais é muito lento e é difícil acompanhar os últimos lançamentos. De maneira geral, como professores têm acesso a aplicativos nos EUA?
McLeod: Não diria que é uma vantagem, mas temos os chamados Distritos Escolares, que não precisam pedir autorização nem ao estado e nem ao Departamento Nacional de Educação (equivalente americano ao MEC). Alguns distritos tem uma equipe própria para compras, enquanto outros, que disponibilizam iPads para a comunidade, dão ao professor um cartão com US$ 50 de crédito para que ele possa comprar os aplicativos que quiser durante o ano letivo.
Porvir: Um outro desafio que tanto o Brasil como os EUA enfrentam é a questão da conectividade. Quais medidas tem sido tomadas para melhorar a qualidade das conexões?
McLeod: Nós temos dois tipos de população com dificuldade de acesso à internet. Uma é a rural, que vive em meio a montanhas ou em grandes fazendas, e não desperta interesse de companhias telefônicas para que um cabo seja esticado até elas. Por isso, agora existe uma pressão para que a internet chegue com a ajuda das torres de telefonia móvel. O segundo grupo é formado por famílias de baixa renda em grandes cidades que não podem pagar pelo serviço. Para ajudá-los, prefeituras estão construindo quiosques, oferecendo internet gratuita no transporte escolar e estacionando os ônibus para espalhar o sinal de internet. Algumas cidades chegam a oferecer Wi-Fi gratuito com 20 a 30 pontos de acesso, como acontece na cidade em que eu moro.
Porvir: E como as empresas de Telecom reagem a isso?
McLeod: As empresas estão reclamando e dizem que medidas para tornar o serviço público e gratuito impedem que elas lucrem. Nos EUA, isso é uma questão séria. Na Filadélfia, por exemplo, o serviço foi tirado do ar por conta de uma ação na Justiça.
A educação produz cada vez mais dados. Qual a melhor maneira de administrá-los e tirar conclusões aplicáveis em sala de aula?
McLeod: Nos EUA, assim como acontece em outros países, temos o problema que dados de diferentes dispositivos não conversam entre si. Aqui, há um outro problema que acontece quando você tenta combinar muitos dados: os pais ficam com medo de invasão de privacidade e de segurança. Isso causou o fechamento de uma grande plataforma chamada Inbloom, que havia recebido investimento de dezenas de milhões de dólares de nomes como a Fundação Bill e Melinda Gates. Os pais sempre dizem: “Ei, você tem muita coisa sobre meu filho em um só lugar e isso nos deixa nervosos e com medo”, “Não acreditamos que consiga manter os dados seguros”. Isso acontece porque em algum momento as pessoas ficaram com medo da vigilância do governo no estilo Big Brother e não querem que alguém comece a reunir muita informação a seu respeito.
Por fim, que tendências você na educação para 2015 e um futuro próximo?
McLeod: Cada vez mais, as discussões são voltadas para como se livrar de um modelo de educação de massa para um mais personalizado, que aceite diferentes ritmos. Outra tendência é o ensino migrando para o mobile, segundo um entendimento que o aprendizado pode acontecer a qualquer lugar e em qualquer horário com um dispositivo que você carrega no bolso. Uma terceira inovação, que também impacta escolas, é a ideia de que você pode aprender e obter certificação em outros lugares que não têm nada a ver com a escola ou a universidade, e que ainda assim podem atestar que você possui uma determinada habilidade.
Porvir: Mas como compará-los com os diplomas tradicionais?
McLeod: Em setores como o de tecnologia da informação, é possível fazer um exame que avalia o que uma pessoa domina uma linguagem de programação. Essa prova não leva em consideração onde você estudou, seja na universidade, em curso online, individualmente… não interessa. Isso está começando na área de tecnologia, mas, aos poucos, vai migrar para outras áreas.