O Futuro se Equilibra #001 – O que é equidade na educação?
por Redação 17 de novembro de 2021
O que é equidade? Quais os marcadores sociais que impactam na educação dos brasileiros? Qual a relação desses conceitos com a qualidade na educação? Em O Futuro se Equilibra, o podcast do Porvir sobre equidade, essa temática será discutida por meio de histórias reais e conversas com especialistas.
Neste primeiro episódio, contamos com a participação de Nilma Lino Gomes, pesquisadora, professora e ex-ministra das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos e Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, que nos ajudaram a entender o conceito de equidade e como ele se aplica à educação.
Também ouvimos um trecho da história da Anna Paula Black, atriz carioca que compartilhou um pouco de sua trajetória na escola.
O Futuro se Equilibra é uma produção do Porvir com apoio do Instituto Unibanco.
Apresentação: Tatiana Klix
Produção: Gabriela Cunha e Larissa Werneck
Edição e captação de som: Gabriel Reis
Roteiro: Ruam Oliveira e Tatiana Klix
Concepção: Ruam Oliveira, Tatiana Klix e Vinícius de Oliveira
Apoio estratégico: Vinícius de Oliveira e José Jacinto Amaral
Música: pATCHES, Kevin Macleod, True Cuckoo e Cheel.
[introdução] [música de fundo]
[tatiana klix]
Reconhecimento das diferenças. Senso de justiça. Equilíbrio entre desiguais. Esforço para reverter situação de exclusão histórica. É isso que aparece nos primeiros resultados do google quando buscamos pelo conceito de equidade. E por que estamos falando disso? O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e, diante dessa realidade, a equidade é um caminho para a justiça social.
[música de fundo]
Para refletir sobre esse tema e entender melhor essas definições, lançamos o “O Futuro se Equilibra”, um podcast sobre equidade na educação. Em 20 episódios, vamos discutir de que formas as desigualdades impactam o direito à aprendizagem e como garantir equidade é fundamental para a qualidade da educação.
[música de fundo]
O Futuro se Equilibra é uma iniciativa do Porvir, a principal plataforma de conteúdos e mobilização sobre inovações educacionais do Brasil, e tem o apoio do Instituto Unibanco, que atua para a melhoria da educação pública no Brasil. O foco do Instituto é melhorar os resultados de aprendizagem dos estudantes de Ensino Médio da rede pública, assim como produzir conhecimento sobre essa etapa de ensino.
Eu sou Tatiana Klix, diretora do Porvir, e vou apresentar esse podcast. Mas não estarei sozinha na missão de apresentar os princípios da equidade e entender suas implicações.
Para isso, vamos conhecer histórias reais de pessoas espalhadas pelo Brasil que sentem ou sentiram na pele o impacto das desigualdades. Quem vai nos ajudar a contar essas histórias é um grupo de atores e atrizes, como a Anna Paula Black, de 40 anos, moradora do subúrbio do Rio de Janeiro. Em cada episódio, ela e outros 4 atores interpretarão narrativas de outras pessoas, mas hoje a Anna Paula vai nos contar um pouco da própria experiência na escola.
[Anna Paula Black]
Olá, meu nome é Ana Paula Black eu tenho quarenta anos Sou moradora da Pavuna no subúrbio do Rio de Janeiro.
[música de fundo]
Eu fiz o Enem aos trinta e três anos, em 2014 passei para uma universidade pública também uma universidade federal do Rio de Janeiro que é a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Passei comecei a estudar mas é preciso trancar minha matrícula por motivos pessoais por motivos de saúde da minha mãe por questões financeiras não consegui manter o meu estudo. Eu também precisei trabalhar então eu tive que abandonar.
E agora aos 40 anos retorno para a universidade onde estou muito feliz realizando um dos maiores sonhos da minha vida que é me formar. Pegar o meu diploma de administração em mãos construir a minha ONG que é o meu maior sonho que eu tenho de trazer as crianças aqui no meu bairro para o meu mundo para o mundo da arte, teatro, dança e música. Eu tenho certeza que eu vou realizar. O estudo é muito importante também.
[música de fundo]
Sou uma pessoa bastante estudiosa. Dos três, a última a fazer faculdade, mas eu fiz uma primeira, uma universidade federal. A minha irmã é formada através de uma universidade particular e o irmão também. Mas eu conquistei a minha vaga através do enem com os meus 950 pontos na redação. Eu dou graças a Deus de ter sido essa nota que me levou para lá para dentro da faculdade porque foi graças ao ensino público que eu consegui realizar esse meu desejo de estar numa universidade.
[Tatiana Klix]
A Anna Paula Black tinha uma boa relação com a escola. Foi lá onde ela conheceu os grandes amigos e se descobriu artista.
[Anna Paula Black]
Então estou falando de mim com todo amor do falando de mim todo com todas as lembranças maravilhosas que eu tenho de um momento que foi muito importante na minha vida. Eu acho que assim a educação é fundamental para todos. As pessoas precisam estudar
Eu posso dizer que eu fui muito feliz enquanto fui estudante do ensino público.
[música de fundo]
Os professores merecem respeito. Os diretores merecem respeito.
Eu acho que a gente precisa disseminar o amor e não o ódio como a gente tem visto acontecer em muitos lugares a agressão de alunos com professores não é isso que a gente que a gente quer amor saúde respeito e o ensino de alta qualidade
E estar aqui dando esse depoimento. Para mim é muito especial assim porque ele faz voltar há vinte e cinco anos atrás porque eu me formei há vinte cinco anos atrás do ensino médio. E hoje eu estou tendo a oportunidade de estar na universidade
[Tatiana Klix]
Esse é só um trechinho da história dela. No Porvir nós vamos publicar o relato na íntegra, e você vai poder conhecer um pouco mais sobre a relação que ela tinha com os professores, com o cheirinho da comida no refeitório e como ela conseguiu chegar ao ensino superior, mesmo que tardiamente.
Mas nem todo mundo consegue entrar na faculdade. Para entender por que só alguns conseguem e como a estrutura da sociedade influencia nas trajetórias, neste primeiro episódio vamos falar sobre sobre o conceito de equidade e como ele é diferente de igualdade.
[Ricardo Henriques]
Igualdade supõe que todas e todos são regidos pelas mesmas regras, pelos mesmos direitos e deveres. Mas não considera as diferenças que existem entre as pessoas. Diferenças relacionadas a trajetórias familiares, a contextos territoriais, contextos étnico raciais, socioeconômico, religiosos, para a características individuais, identidades de gênero, identidade de raça, identidade de orientação sexual, de identidade e as diferentes condições ambientais. A equidade, por outro lado, alia igualdade ao senso de justiça social, que é baseada na ideia de equilíbrio entre os os desiguais. Reconhece as características, as necessidades de cada pessoa e, com isso, a equidade.
[música de fundo]
[Tatiana Klix]
Esse que você ouviu é o Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco. Ele a Nilma Lino Gomes, que é pedagoga, pesquisadora e ex-ministra das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, vão nos ajudar a refletir sobre a importância da equidade para a educação. Para Nilma, não é possível discutir equidade sem entender as bases da desigualdade no Brasil.
[Nilma Lino Gomes]
Na realidade, a nossa sociedade é extremamente desigual. Então, quando nós falamos sobre o princípio da igualdade no Brasil, em outras sociedades, com esse histórico com essa realidade, é preciso sempre indagar até que ponto a igualdade formal que essa que muitas vezes se apela inclusive para não se mover no combate às desigualdades, mas chama se todas as pessoas são iguais, recebem os mesmos tratamentos iguais. Se a lei é igual para todos, porque é que alguns e algumas têm que ser tratadas de formas diferentes? Então eu acho que o princípio da igualdade ele tem que ser indagado à luz das desigualdades construídas nas relações de poder e principalmente em uma sociedade capitalista. Tem que observar que esse discurso ele guarda em si uma armadilha, porque a armadilha é se todos e todas têm as mesmas oportunidades de todos. E todas têm as garantias iguais na lei, nem todas acessam tudo isso, significa que há um problema com essas pessoas, ou com a busca incompleta dessas pessoas por sair de determinados lugares de desigualdade.
[Tatiana Klix]
A professora Nilma Lino Gomes foi a primeira mulher negra a ocupar o cargo de reitora de uma universidade pública federal. Num país com mais de 50% da população negra, ela nos lembra que não é possível falar sobre equidade sem olhar para a questão racial.
[música de fundo]
[Nilma Lino Gomes]
E aqui se a gente está falando de uma sociedade que teve suas bases calcadas na escravidão, principalmente para os descendentes de africanos escravizados, que não foram construídas as mesmas oportunidades iguais e mesmo com todas as nossas lutas contra as ditaduras, o estabelecimento de um Estado democrático, a concessão federal democrática de 1988 com todo esse processo histórico, onde nós temos uma igualdade formal garantida na lei.
[Ricardo Henriques]
De cada cem crianças brancas que entram no primeiro ano do ensino fundamental, setenta e cinco terminam o ensino médio, não é para ficar feliz para se vangloriar, deveriam ser perto de cem, se não sem mais. Quando olhamos para o recorte racial de cada cem crianças negras que entram na primeira série do ensino fundamental, só cinquenta e oito terminam o ensino médio. Isso quer dizer que quarenta e dois em cada cem crianças que se transformaram em jovens e que são negras desse país, não tem direito a isso, que é o mínimo para inserção da sociedade, do conhecimento, que é ter o ensino médio completo. Quando a gente olha para a questão racial e a questão de gênero em simultâneo, quando se tem um olhar da interseccionalidade, entre gênero e raça de cada cem meninas brancas que entram no ensino fundamental, oitenta concluem o ensino médio. De cada cem meninos negros que entram no ensino fundamental, somente cinquenta e três concluem o ensino médio, essa uma é uma expressão do fosso social no campo da educação, referenciado nas diferenças de raça e de gênero.
[Tatiana Klix]
Então o que seria equidade na educação?
[música de fundo]
[Nilma Lino Gomes]
A equidade, para mim, na educação, ela deveria ser um caminho para que nós alcancemos uma educação democrática no sentido pleno da palavra e que isso implica uma mudança que ela é institucional, ela no campo das políticas educacionais. No campo dos currículos, da relação professor aluno, da formação inicial, de formação continuada de professores. Essa mudança implica um repensar, um reinventar, junto com os sujeitos da educação, as formas de participação da comunidade, dos estudantes no interior da escola, dos docentes.
[Ricardo Henriques]
Na sociedade do Conhecimento hoje a gente precisa de políticas educacionais que tratam desigualmente os iguais, olhando o contexto de cada estudante e que, reconhecendo esse contexto de radicais diferenças, estabeleçam uma visão de sociedade buscando o desenvolvimento pleno de todas e todos os estudantes.
[Tatiana Klix]
Nós vamos fazer uma pausa para ouvir um recado do Ruam Oliveira, que também participou da produção deste podcast, e já voltamos.
[música de fundo]
[Ruam Oliveira]
Oi pessoal, eu sou Ruam Oliveira, repórter do Porvir, e estou passando para fazer uma indicação de conteúdo lá no site. Recentemente nós lançamos a coluna “O Futuro se Aprende” – é, a gente pensa muito no futuro por aqui. A cada quinze dias publicamos um artigo de um especialista que olha para as necessidades do presente e procura discutir tendências para educação. Para ler os textos é só acessar o www.porvir.org e procurar por O futuro se Aprende.. A gente se vê por aí!
[música de fundo]
[Tatiana Klix]
Antes da pausa falávamos sobre o que é equidade na educação. E estamos discutindo esse assunto, porque a necessidade de pensar sobre isso ficou ainda mais urgente depois que a pandemia ampliou as desigualdades no Brasil. Na educação, o acesso à internet se mostrou um problema grave e sério. Na última versão do estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil – um Alerta sobre os Impactos da Pandemia da Covid-19 na Educação, realizado pelo Unicef em parceria com o Cenpec, o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, vimos que 5,1 milhões de crianças e adolescentes estavam sem acesso à educação em 2020. A maior parte delas está nas regiões Norte e Nordeste e em áreas rurais. E um outro dado: 70% dos que não têm acesso à educação são pretos, pardos e indígenas.
[Ricardo Henriques]
Se nós considerarmos a pandemia e a forma heterogênea com que ela incidiu sobre a sociedade como um todo, pode esquecer coisas simples, como entre as famílias com mais de dez salários mínimos noventa e cinco tem conectividade, as famílias até um salário mínimo, menos da metade tem conectividade. Quando a gente pensa no acesso à educação à distância, a gente deve reconhecer que, além dessa distância enorme da conectividade, as famílias mais vulneráveis, o estudante precisa disputar a conectividade 3g em algum celular da família da mãe, da irmã mais velha. E, obviamente, no tempo que for possível, sabendo que um celular com baixa conectividade, por exemplo, estudar trigonometria está longe de ser trivial. E as distâncias entre as escolas públicas e privadas, entre as do interior das escolas públicas do próprio Estado demonstram, não só nesse período da pandemia, que a inclusão digital, a falta da inclusão digital é um sintoma do enorme desafio que a gente precisa trilhar para ter políticas públicas que são organizadas a partir de uma ideia de ação afirmativa e que são capazes de tratar desigualmente os desiguais.
[Tatiana Klix]
Aliado aos problemas sanitários, enfrentamos também uma crise política que também impacta a vida das pessoas.
[Nilma Lino Gomes]
E nós vivemos hoje no Brasil uma sociedade brasileira com uma democracia em risco. Uma democracia está sendo muito fragilizada pelos ataques que ela tem recebido. Essa sociedade nas suas mais diversas áreas: trabalho, saúde e cultura, previdência etc. Se ela não vai bem, se ela está em risco, a educação também tem isso e os nossos projetos e propostas de aperfeiçoamento da igualdade de construção de um caminho. E quando é para alcançar uma educação mais justa e mais democrática, também está em risco, então não dá para conversar, só equidade na educação.
[Tatiana Klix]
E qual é o caminho para enfrentar as desigualdades?
[Ricardo Henriques]
Como nós estamos em plena sociedade do conhecimento e a fronteira do conhecimento está avançando, podemos usar o momento da pós pandemia como uma oportunidade. Que a sociedade brasileira assuma definitivamente a educação como a prioridade, que nós desenhemos um sistema nacional de educação minimamente articulados e que a política educacional traga para si a responsabilidade de acelerar a velocidade de desenvolvimento pleno dos estudantes de forma a convergir para as fronteiras do conhecimento que estão em movimento no mundo como um todo.
[música de fundo]
Não me parece uma visão Poliana, me parece uma visão de sentido de oportunidade do momento político que evidentemente requer enfrentar o negacionismo, enfrentar a barbárie, enfrentar a sequência de rompantes antidemocrático para, em simultâneo, consolidar instituições, viabilizar uma transição democrática densa e profunda e organizar a política social como um todo com a perspectiva de equidade e, em particular, a política educacional, não só referenciada na equidade, mas também na excelência que está em torno da sociedade do conhecimento contemporâneo.
Temos uma oportunidade. É uma oportunidade que se forma como uma fresta, não como uma porta gigante, portanto, requer um acordo de sociedade, requer um acordo entre os democratas.
[música de fundo]
[Tatiana Klix]
Um acordo entre as pessoas. E todas elas têm seu papel no caminho para a equidade. Por isso, perguntei ao Ricardo Henriques qual era o dele, enquanto homem branco.
[Ricardo Henriques]
É evidente que eu falo de um lugar de privilégio, no lugar de um homem branco, numa sociedade que ao longo do tempo construiu uma definição do branco, com um ser superior a partir da inferioridade do outro, mas que cerca de vinte anos atrás, Cida Bento construiu o conceito do Pacto Narcísico da Branquitude, que é um acordo não verbal em que brancos em cargo de poder asseguram entre si, entre brancos, posições de privilégios. Então é fundamental no debate sobre o racismo e no debate sobre equidade que eu e todos os homens brancos reconheçam o seu lugar de fala sempre se dá em situações e contextos de privilégios a questão. Então o racismo no Brasil se dá a partir dos brancos e a opção que se faz hoje no campo democrático é se e em que medida os brancos se colocam como parte da solução.
[som de fundo]
E aí me parece que, ao se colocar como parte da solução aos brancos, se colocarem como parte da solução, tem que se pensar numa agenda, numa frente, antirracista. Eu entendo que deve ser liderada pelos negros, em parceria com os brancos, que tem uma perspectiva plural, sobretudo desafiadora, de reconhecer a nossa história e enfrentar com o peito aberto o tamanho do desafio de construir uma sociedade que, ao reconhecer o seu racismo como fundamento da sua desigualdade, projeta aqui sim, um futuro projetam uma sociedade futura em que é possível ter um arranjo anti racista, É democrático. Por definição, estruturando o nosso acordo social.
[Tatiana Klix]
E quando uma mulher negra ocupa espaços de poder, qual é o impacto para as desigualdades? A Nilma Lino Gomes contou a sua experiência.
[Nilma Lino Gomes]
Costumo sempre chamar a atenção de que a minha trajetória, ela não é individual, ela é coletiva. E claro que não estou negando que a nenhuma fase que a Nilma constrói, mas estou entendendo que a Nilma pertença ao coletivo. Então, eu sou uma mulher negra que, por isso, eu pertenço a um coletivo na sociedade que cuja ancestralidade têm assento e um continente extremamente rico. E desde, sei lá quantos séculos, cobiçado o continente africano e eu sou pertencente ao Coletivo de africanas e africanos escravizados, trazidos à força para as Américas e para esse espaço que se constituiu o Brasil. Então, quando eu penso em mim, em tudo que eu já fiz, de tudo que eu já alcancei, eu penso em mim como ligada, sabe, a um fio condutor, com muitos coletivos e muitas mulheres, homens e mulheres. Mas aqui, ao todo, esta campanha especial mulheres negras que lutaram, que morreram, que resistiram para que existisse a que hoje.
[música de fundo]
Então eu acho que quando eu chego nesses lugares, eu chego sempre como, cheguei sempre com uma grande responsabilidade de que não era só a Nilma ali, nessa ideia da representatividade.
É muito, muito forte, principalmente em contextos tão desiguais como os nossos e situações históricas, como a minha, uma mulher negra na sociedade. Então acho que tem isso. Acho que é uma dimensão coletiva, é uma responsabilidade. Tem a ver com representatividade sim. E eu sou uma exceção à regra, ou seja, da situação de desigualdade que atinge negros e negras no Brasil, em especial as mulheres negras, acaba sendo uma exceção a essa regra que confirma a regra, ou seja, o fato de eu ter sido a primeira, a única que chega num espaço com cinquenta e seis por cento de pessoas negras que se autodeclaram negras, pretas e pardas como o Brasil, num espaço tempo como o Brasil, eu chegar como primeira a única etc. Eu sou uma exceção à regra que confirma a regra do racismo, confirma a regra do racismo imbricada com o patriarcado, imbricada com o capitalismo. Então eu penso que eu sou essa complexidade que me envolve para que a regra seja quebrada, entendeu?
[música de fundo]
[Tatiana Klix]
No próximo episódio de O Futuro se Equilibra: o podcast do Porvir sobre Equidade na Educação, vamos olhar mais de perto para os marcadores que servem de indicadores para a equidade. São eles raça, gênero, classe e diferenças. Vamos tratar da interseccionalidade – uma palavrinha difícil, mas que a gente vai tentar explicar.
Quem vai nos ajudar nessa tarefa é o Alexsandro Santos, educador, pesquisador e diretor presidente da Escola do Parlamento, e a Bruna Irineu, professora na Universidade Federal do Mato Grosso e pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações de Gênero da UFMT.
Este episódio contou com a participação de muita gente boa e comprometida com a educação.
Eu sou Tatiana Klix, diretora do Porvir.
O roteiro deste episódio é assinado por mim e pelo Ruam Oliveira, com músicas de pATCHES, Kevin Macleod, True Cuckoo e Cheel.
A edição e captação de som é do Gabriel Reis. A produção foi da Larissa Werneck e da Gabriela Cunha, da Podmix. O Vínícius de Oliveira, editor do Porvir, contribuiu com a criação e formato do programa.
O Futuro se Equilibra é realizado com o apoio do Instituto Unibanco.
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Obrigado pela escuta!
[fim do roteiro]
Leia a história de Anna Paula Black
* alguns trechos da história foram editados para manter a fluência narrativa. Nenhum sentido foi alterado.
Meu nome é Ana Paula Black, eu tenho 40 anos e sou moradora da Pavuna, no subúrbio do Rio de Janeiro.
A minha melhor memória da escola no ensino fundamental tem um pouquinho do ensino médio também. No ensino fundamental eu tive professores maravilhosos.
Antes de vir para casa – porque eu chegava em casa e almoçava – tinha que comer a comida da escola, sabe? Era uma das melhores sensações que a gente tinha..
No ensino médio foi onde descobri muita coisa. Foi onde conquistei os amigos que tenho até hoje, onde formei meu primeiro grupo de teatro.
Dos meus quatro aos seis anos estudei em colégio particular, mas depois disso a minha mãe não teve mais condições de pagar por conta de problemas financeiros, e nós – eu e meus irmãos – entramos no colégio público. Sou a caçula de três irmãos e nós entramos num colégio público que fica perto da minha casa, que na época era uma escola maravilhosa, com um nível de ensino incrível!
Tenho belas lembranças dessa escola porque a direção à época fazia de tudo para que o aluno se mantivesse dentro da sala de aula. Não existia abuso com professores, não existia abuso entre alunos.
Existia amor e respeito. O ensino público me ensinou muita coisa – além também de ter aquelas comidas maravilhosas que as merendeiras da escola faziam! Muitas crianças têm essa necessidade. Às vezes não têm comida em casa e eles precisam comer na escola, então a refeição para a gente também fazia parte do nosso dia a dia.
A gente tinha nosso café da manhã, o nosso almoço…
O segundo grau [ensino médio] eu fiz numa escola pública chamada Juscelino Kubitschek, que também faz parte do subúrbio do Rio de Janeiro. Foi o ensino médio onde eu fiz formação técnica em administração de empresas. Lá também foi um divisor de águas na minha vida porque foi de lá que eu retirei essa vontade de ser artista, foi onde tudo começou e onde me tornei atriz.
Eu fiz o Enem aos 33 anos. Em 2014, passei para uma universidade pública que é a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Por motivos pessoais, precisei trancar a matrícula. E agora, aos 40 anos, eu retorno para a universidade onde estou muito feliz realizando um dos maiores sonhos da minha vida, que é o de me formar, pegar o meu diploma de administração em mãos e construir a minha ONG.
O meu maior sonho é trazer as crianças do meu bairro para o meu mundo, para o mundo da arte, do teatro, da dança, da música. Eu tenho certeza que eu vou realizar.
Estou falando de mim com todo amor, com todas as lembranças maravilhosas que eu tenho de um momento que foi muito importante na minha vida. Eu acho que a educação é fundamental para todos.
Eu posso dizer que eu fui muito feliz enquanto estudante do ensino público.