A pobreza e a defasagem no aprendizado de bebês
Pesquisa mostra que crianças de 2 anos vindas de famílias pobres têm atraso de 6 meses no desenvolvimento da língua
por Redação 30 de setembro de 2013
Há décadas pesquisas mostram que, ao entrar na escola, crianças vindas de famílias em condições de pobreza ou de pais menos educados normalmente têm menos habilidades linguísticas que colegas oriundos de condições sociais mais favoráveis. Pesquisadores de Stanford, porém, descobriram que essa diferença já verificada aos 6 anos aparece muito antes na vida das crianças. Com apenas um ano e meio de idade, bebês de famílias vulneráveis já estão meses atrasados no desenvolvimento da linguagem em relação a seus pares que vivem em situações menos adversas.
O estudo “Socioeconomic status differences in language processing skill and vocabulary are evident at 18 months” (Diferenças no nível socioeconômico em habilidades de processamento de linguagem e vocabulário são evidentes aos 18 meses de idade, em livre tradução), publicado na revista Developmental Science, é o primeiro a identificar essa lacuna tão cedo. O próximo passo da pesquisa é construir estratégias que possam ajudar as crianças a diminuírem essa discrepância.
Para chegar a essa conclusão, professora de psicologia de Stanford Anne Fernald investigou o vocabulário de 20 crianças de um ano e meio de idade e sua velocidade na aquisição da linguagem. Esse primeiro grupo era composto por bebês que viviam perto do campus da universidade, numa região em que as pessoas têm boa qualidade de vida. O experimento testou a rapidez e a precisão com que as crianças identificavam objetos a partir de dicas verbais muito simples. Seis meses depois, quando as crianças estavam com dois anos, a psicóloga repetiu os testes para avaliar o quanto elas haviam se desenvolvido.
Para avaliar as respostas de crianças em condições econômicas menos favoráveis, Fernald fez uma réplica de seu laboratório em uma caminhonete e ganhou a estrada rumo a uma região próxima em que as famílias vivem em condições sociais menos favoráveis. Lá, a pesquisadora e sua equipe recrutaram mais 28 crianças de um ano e meio e fez com elas o mesmo experimento, voltando seis meses depois para avaliar o progresso dos pequenos.
O início da discrepância linguística
No teste elaborado por Fernald, as crianças, sentadas nos colos de suas mães, eram apresentadas duas imagens – por exemplo, um cachorro e uma bola. Uma gravação então instrui a criança a “olhar para a bola”, enquanto uma câmera de vídeo de alta definição registra sua reação. Especialistas treinados reveem o vídeo frame a frame para registrar o exato momento em que o olhar da criança começa a se deslocar em direção ao seu alvo.
Com um ano e meio, crianças vindas de grupos de níveis socioeconômicos mais altos conseguiram identificar o objeto correto em 746 milésimos de segundo, em média. Enquanto isso, as crianças oriundas de grupos mais pobres demoravam 2 centésimos de segundo a mais para encontrar o objeto. “Uma diferença de dois centésimos com um ano e meio pode não parecer muito, mas é. Principalmente em termos de velocidade de processo mental”, diz Fernald.
A segunda etapa do teste, feito seis meses depois da primeira avaliação, mostrou que os dois grupos de crianças passaram a identificar os objetos com mias velocidade. Mas, aos dois anos, as crianças de nível socioeconômico mais baixo mal equiparavam seus resultados aos obtidos por seus pares mais privilegiados na primeira etapa.
Além da velocidade do processamento da língua, os pesquisadores também procuraram avaliar o vocabulário dos pequenos. Entre um ano e meio e dois anos, as crianças de ambientes mais desenvolvidos adicionaram 260 novas palavras ao seu repertório, enquanto seus colegas que vinham de condições piores aprenderam 30% menos palavras.
“Aos dois anos de idade, essas disparidades são equivalentes a uma lacuna de seis meses entre crianças de famílias ricas e pobres tanto em habilidades linguísticas quanto em aquisição de vocabulário”, diz Fernald. “O que estamos vendo é o início de um problema que se dá em cascata, uma discrepância crescente que trará enormes implicações para o sucesso escolar e oportunidades de carreira”, diz ela.
Crianças aprendem pelo contexto
Fernald sugere que o processo mais lento de aquisição de habilidades linguísticas é parcialmente responsável pelo aumento menor de vocabulário na primeira infância. Crianças de 1 a 3 anos aumentam seu vocabulário pelo contexto em que vivem. Se uma criança consegue processar as palavras que conhece com rapidez, também será mais capaz de compreender as próximas palavras que se seguem em uma frase, afirma a especialista.
“Se você diz ‘o cachorro está no sofá’ e um bebê de um ano e meio é lento para processar a palavra ‘cachorro’, ele não estará pronto quando a palavra ‘sofá’ aparecer”, diz ela. “Já se ele entende rápido a palavra ‘cachorro’ e compreende que o cachorro está em algum lugar, mas não sabe o nome da coisa onde ele está sentado, ele estará mais apto a correlacionar a palavra sofá com o contexto que ele está vendo”, conclui.
Próximos passos
E de onde essas diferenças entre crianças vêm? Entrevistas com as famílias envolvidas na pesquisa mostram que existe menos comunicação direta com crianças (palavras ditas diretamente para elas) em casas de menor nível socioeconômico, o que diminui as oportunidades que as crianças têm de aumentar seu repertório linguístico. Um próximo estudo da equipe de Fernald vai determinar a importância de conversas diretas com crianças em grupos de diferentes níveis socioeconômicos. Ela também espera desenvolver estratégias para medir a habilidade de processamento de linguagem de crianças mais novas que um ano e meio.
Apesar de mostrar que crianças de dois anos podem já estar seis meses atrasadas, nem tudo é má notícia. Outra pesquisa mostrou que crianças em idade escolar que já se mostraram atrasadas no desenvolvimento linguístico podem recuperar essa lacuna se forem expostos a mais linguagens. Fernald espera que futuros trabalhos mostrem que isso também ocorre com crianças entre 1 e 3 anos. “Dizer que a lacuna aparece não significa que ela essa situação não possa ser mudada”, diz Fernald. “Há muitos espaços de engajamento para que crianças e pais façam a diferença juntos. Existe espaço para intervenção. Existe espaço para esperança.”
Com informações do Stanford News