Por educadores mais perguntadores e ouvidores do que respondedores

Nossa prosa pode começar resgatando um documento importante, relevante e pouco praticado ainda. Sim! Estou falando da “Declaração Mundial sobre a Educação para todos”, documento elaborado na Conferência Internacional sobre Educação, que foi patrocinado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), na cidade tailandesa Jomtien, em 1990.

Estamos falando de praticamente 24 anos de existência de um documento que possui um valor único e imprescindível para a educação. Este documento é para mim um grande orientador, uma bússola e uma das melhores tentativas de colocar a educação no século 21.

O político e economista francês Jacques Delors coordenou o relatório que se tornou uma publicação que merece ser relida “Educação: um tesouro a Descobrir”. Um material que se propõe a revisitar a sala de aula com lupa e fundamenta-se em grandes objetivos e estratégias para ressignificar a função da educação, fazendo uma revisão crítica às políticas educacionais. 

A proposta era buscar novos sentidos para a docência, para a aprendizagem e, prioritariamente, para o estudante. O educador não seria mais responsável apenas por transmitir informações, mas tornar-se-ia um provocador de questionamentos, estimulando a reflexão sobre os “porquês”.

E sendo assim, aqui entra Tião Rocha, um mestre que escolheu não perder mais nenhum menino e se tornou um educador popular. Um professor que decidiu se tornar educador, como ele gosta de falar. E já que falamos em porquês, não conheço alguém que atue mais pela permanência dos porquês dentro da escola do que Tião!

O educador não seria mais responsável apenas por transmitir informações, mas tornar-se-ia um provocador de questionamentos

Como bom mineiro, ele é um excelente ouvidor, gosta de um causo e coleciona belas histórias de quem conseguiu enxergar para além do óbvio, do rótulo e das crenças. Tião humaniza tudo que toca, convoca para o fazer com sentido e, em suas andanças, cria muitas pedagogias. Sim! Pedagogias, porque ele escuta, cutuca, se silencia, pergunta e a mágica acontece. Nos ajuda a criar o senso de time, de saltimbancos (porque juntos somos mais fortes e compassivos).

Assim, juntamos aqui nesta prosa: Delors que coordena um documento escrito a muitas mãos, e Tião, o educador freiriano que também junta muitas mãos para criar suas pedagogias transbordadoras. 

E são essas provocações que me mobilizam como gestora, que me arrancam do lugar comum, da rotina e da paralização diante de uma educação bancaria só repaginada. Porque os documentos e os pesquisadores não falam do TER, focam no SER! Escola é lugar de experienciar o SER, questionar o TER e focar no NÓS! 

Desta forma, entendo que toda vez que um educador ouve genuinamente seus estudantes e não simplesmente suas respostas, nas entrelinhas de seu discurso, ele ganha ferramentas para tocar almas. Eu também fui treinada para responder; era vista como boa professora, aquela que tinha tudo na ponta da língua, que tempos!

Então, como podemos mudar essa forma tão arraigada de ensinar? Nós, aqui na escola, entendemos que um caminho era estudar com regularidade, intencionalidade e tornar a sala de aula um espaço de pesquisação. Quando assumimos o lugar de aprendizes, tudo fica mais fácil, mais leve, porque só podemos criar um ambiente seguro de aprendizagem quando criamos esse ambiente primeiramente para nós.

Delors nos apresenta inicialmente quatro pilares – que posteriormente fecham em cinco – após uma importante revisão.

• Aprender a conhecer
• Aprender a fazer 
• Aprender a conviver
• Aprender a ser
• Aprender a transformar-se e transformar a sociedade 

Tião também sempre fala com muita convicção que educação só acontece no plural e propõe a tríplice:

• Saberes
• Fazeres
• Quereres

Assim, a convocação é para se inquietar, e criar um espaço, momentos regulares de estudo e reflexão são primordiais para vivenciar novas realidades.

Quando assumimos o lugar de aprendizes, tudo fica mais fácil, mais leve

Construir esse novo modelo não é tarefa fácil, mas cabe a nós gestores sermos os condutores deste movimento.

Como se pode fazer? Antes…

• Temos encontros semanais remunerados para estudo:

Os professores precisam ter foco em aprofundamento. Para isso, recomendamos aos coordenadores que priorizem recados e temas de logística por email para que o estudo seja garantido.

• Os temas são previamente acordados e depois organizados:

Não existe uma pessoa que conduz. É primordial que o grupo de educadores possa se reveza como condutor dos encontros.

Nosso foco mestre é sempre buscar incansavelmente a função social da aprendizagem, o objetivo primário da escola. Alguém distorceu esse sentido, precisamos reavivá-la, como diria o mestre Tião Rocha! 

• Organizamos os documentos gerados e as referências, garantindo a sistematização para que novos membros da equipe tenham acesso: 

Fazemos uma boa curadoria sobre o tema de estudo, construída por toda a equipe. Isso ajuda muito a engajar a todos e dá evidências do nível de participação.

Também incentivamos os educadores a levarem para suas aulas os recursos estudados. Ressaltamos que não há o melhor momento, mas que todo momento é o melhor, sempre!

Como se pode fazer? Durante…

• Criamos momentos para que os educadores assistam à aula de outro educador com um bom roteiro de observação para que depois possam ter uma conversa mediada: 

Combinamos com os educadores o acompanhamento de suas aulas para que possamos dar uma devolutiva cuidadosa, descritiva e sem juízo de valor que ajudará com que cada um se arrisque mais. Queremos assim que ele sinta que está em um ambiente seguro de aprendizagem, assim como os seus estudantes.

Entendemos que o corpo fala, por isso pedimos atenção ao estado de PRESENÇA, porque muitas das questões disciplinares e atencionais, estão correlacionadas à “não” presença da autoridade docente. A aprendizagem sempre será favorecida em um ambiente que não promova status, mas que seja mais equitativo. Assim, um recurso precioso é o uso de CNV (Comunicação Não Violenta).

Modelamos diferentes formas de acessar os estudantes, compartilhamos estratégias, recursos e materiais.

Como se pode fazer? Pós…

Sempre provocamos uma reflexão importante para nós: “O que você está propondo é possível de ser feito por um professor em condições mais adversas? Com um número maior de alunos em classe? O material que você escolheu para a atividade/proposta é de fácil acesso e baixo custo ou sem custo? 

Como Freire sempre colocou: reflexão, ação, reflexão. Assim, documentamos os processos, o que deu certo, o que não deu tão certo. Expectativa e realidade são pautas para as rodas reflexivas… rodas dos porquês para que juntos possamos buscar outras alternativas, ajustes, ou mesmo recomeçar, porque saber recomeçar também é uma valiosa aprendizagem

E o que mais desafia o grupo de educadores é sempre o transbordamento das práticas. Afinal, o que nos une para além do ensinar e do aprender é o transbordar, porque também sabemos que nossa reputação será forjada por aquilo que nos propomos a espalhar e não pelo que procuramos simplesmente juntar. 

Assim…

Assumir o lugar de aprendiz é bastante desafiador para mim e para muitos educadores de nossa equipe, porque não é tarefa fácil, ainda mais nos dias atuais com inteligência artificial, com os efeitos da pandemia ainda não totalmente compreendidos, com a concorrênca das redes sociais e a luta contra os algoritmos. Por fim, sabemos que precisamos estar mais preparados para qualificar nossos questionamentos, valorizar uma escuta atenta e acolhedora, porque ela pode literalmente salvar um estudante. Há o desafio diário de criar um ambiente singular e ao mesmo tempo plural. 

Sabemos que nossa reputação será forjada por aquilo que nos propomos a espalhar e não pelo que procuramos simplesmente juntar. 

Escolho sempre criar ambientes que apoiem os mais perguntadores e os ouvidores do que os respondedores! Isso é inovar na educação! Porque juntos temos o desafio de criar um ambiente que escolherá sempre transbordar e garantirá que os estudantes experimentem genuinamente a função social da aprendizagem.

“Estar” gestora é um desafio diário e um presente enorme. Que posso materializar com o símbolo do infinito, com o swing das músicas dos Gilsons e com sensação de uma criança brincando na chuva. 

Por escolas encharcadas por muitas e boas perguntas! 

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