Professor transforma aula de matemática em ‘filial do IBGE’ para trabalhar estatística
Alunos do 9º ano se inspiram no censo nacional, coletam dados com a comunidade escolar e aprendem a interpretar dados de maneira mais crítica e aprofundada
por Felipe Manoel Cabral 22 de agosto de 2023
Quando o assunto é matemática, por vezes nós, professores, costumamos enfrentar o problema de falta de motivação e interesse dos alunos. Para estimular a criatividade da turma do 9º ano do Instituto de Educação Paulo de Tarso, em Nova Iguaçu (RJ), apliquei uma prática a fim de desenvolver suas habilidades de reflexão e pensamento crítico, por meio de debates sobre temas relevantes para eles.
Como sabemos o número de habitantes do Brasil? E como essas pessoas declaram seus dados? Como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) organiza esse levantamento? Essas inquietações fizeram parte do projeto “Minicenso Escolar: Estatística e Sociedade”, que contou com cinco etapas distintas.
Começamos com uma roda de conversa para estimular a reflexão sobre o uso da estatística no cotidiano e sua importância para as decisões sociais. Esse momento permitiu uma abordagem mais aberta e interativa, promovendo a participação ativa dos estudantes, incentivando-os a compartilhar suas experiências pessoais relacionadas a diferentes categorias. Os temas escolhidos por eles foram: Religião, Cor/Raça, Pessoas por Domicílio, IMC (Índice de Massa Corporal), Idade e Área do Conhecimento.
Na etapa seguinte, os alunos foram divididos em grupos para realizar pesquisas sobre os dados coletados pelo IBGE. Essa abordagem proporcionou uma experiência mais investigativa, levando-os a buscar informações confiáveis e relevantes para embasar seus argumentos. Eles mesmos decidiram a divisão, levando em consideração as preferências e interesses em relação aos temas que seriam pesquisados. Cada grupo teve a liberdade de escolher um tema de interesse, a partir do debate que criamos em sala sobre o que seria de maior impacto social.
Cada grupo elaborou o plano de ação e como os dados seriam coletados. Nesse ponto, surgiram ideias de usarmos o Google Forms, mas optamos pelo método tradicional, pois assim eles usariam o Excel e teriam a experiência de analisar e detalhar as estatísticas, além de usar a ferramenta gráfica. O formulário com as opções foi sendo modificados grupo a grupo, apenas coloquei em um modelo para impressão, orientando-os e fazendo os ajustes necessários.
A estruturação da coleta de dados foi uma etapa crucial para garantir que os alunos tivessem um plano claro e eficiente para obter informações. Cada grupo elaborou seu plano de ação, definindo os temas de interesse e os métodos de pesquisa. Isso estimulou a organização e a autonomia dos estudantes, incentivando-os a pensar estrategicamente em como coletar dados relevantes de maneira ética e precisa. Eles foram encorajados a elaborar perguntas para o formulário de coleta de dados, o que permitiu que suas próprias curiosidades e interesses fossem considerados na atividade.
Com o planejamento definido, os alunos partiram para a coleta de dados propriamente dita. Eles aplicaram o formulário com suas turmas, com outros estudantes e integrantes da comunidade escolar. Essa experiência de coletar informações diretamente dos colegas e da comunidade tornou o aprendizado mais significativo e aproximou os estudantes da realidade social em que estão inseridos.
Ao todo, foram 115 entrevistados. Após a coleta de dados, os grupos trabalharam na tabulação das informações e na construção de gráficos para visualização dos resultados. Essa etapa permitiu que os alunos aplicassem os conceitos estatísticos aprendidos e os colocassem em prática de forma concreta. Além disso, a análise crítica dos resultados os levou a identificar padrões e tendências, desenvolvendo a habilidade de interpretar informações de forma mais aprofundada e crítica.
Interdisciplinaridade e protagonismo na aula de matemática
Importante dizer que o projeto aconteceu de forma interdisciplinar, envolvendo diferentes áreas do conhecimento, como geografia, ciências e história. Quando propus a ideia do minicenso, dei algumas sugestões de tema, que são analisadas no Censo do IBGE e fui fazendo link com as outras disciplinas. Veio dos alunos, de maneira natural, a ideia de usar o conhecimento das demais matérias.
Por exemplo: quando sugeriram analisar o tema “idade”, eles trouxeram a ideia de comparar com a pirâmide etária. Os meninos do grupo do IMC também colocaram em prática a questão de verificar os níveis de “magreza/obesidade” e apontar sobre hábitos alimentares mais saudáveis, que aprenderam nas aulas de ciências.
As alunas do grupo de religião foram surpreendentes: ao falar de cor e raça, conseguimos abrir um ambiente para o debate sobre intolerância religiosa e racismo. Elas deram a aula, explicando os motivos de termos grande parte da população católica ou evangélica, trazendo os aspectos históricos da colonização e mostrando como isso afeta até hoje a sociedade.
Para além da interdisciplinaridade, abordar os temas de cor/raça e religião foi o ponto alto do trabalho
Acredito que, para além da interdisciplinaridade, abordar os temas de cor/raça e religião foi o ponto alto do trabalho, porque tocamos em situações que já atravessaram os nossos alunos que fazem parte dos grupos que eles identificaram como minoritários.
Uma curiosidade: quando pesquisamos sobre qual área do conhecimento os alunos mais gostam, eles ficaram impressionados com o fato de a disciplina educação física estar no rol de “linguagens e suas tecnologias” e, a partir disso, quiseram comparar o gráfico com o desempenho de alunos no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e com outros trabalhos que pesquisaram sobre matéria preferida em escolas públicas.
O que foi alcançado?
Os objetivos do “Minicenso Escolar: Estatística e Sociedade” incluem compreender conceitos estatísticos, interpretar gráficos, usar tecnologias e refletir sobre temas sociais. Alinhado à BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e nas orientações curriculares, a prática contextualiza o conhecimento estatístico e favorece a autonomia dos alunos, formando cidadãos conscientes e engajados.
A inovação dessa prática reside no engajamento ativo dos alunos em todas as etapas do processo, incentivando a autonomia, a pesquisa e a reflexão crítica
A inovação dessa prática reside no engajamento ativo dos alunos em todas as etapas do processo, incentivando a autonomia, a pesquisa e a reflexão crítica. A abordagem interdisciplinar também enriqueceu a experiência, permitindo que os alunos explorassem temas sociais relevantes e sua relação com a estatística. Essa conexão com a realidade dos estudantes tornou o aprendizado mais significativo e relevante, proporcionando uma visão mais ampla e contextualizada da disciplina.
Apesar de enfrentar algumas dificuldades na organização dos grupos e na obtenção de dados confiáveis, creio que meio apoio foi fundamental para superar esses obstáculos. A comunidade escolar recebeu bem a prática, percebendo o entusiasmo e o envolvimento dos alunos em aprender matemática de forma mais prática e relevante para suas vidas. Os resultados positivos e a participação ativa dos estudantes tornaram a experiência pedagógica satisfatória tanto para os educadores quanto para os educandos, consolidando o potencial dessa prática para promover uma aprendizagem significativa e interdisciplinar. Foi um trabalho muito rico, tanto para eles, quanto para mim, enquanto professor. Aprendi muito!
Felipe Manoel Cabral
Graduado em matemática, com licenciatura pela UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Possui pós-graduação em ensino de matemática (Universidade Anhanguera). Atualmente leciona no ensino fundamental e médio na rede particular de ensino. Possui experiência em elaboração de projetos pedagógicos, ensino de matemática e coordenação pedagógica.