Estados apostam em gestão, currículo e avaliação para recompor aprendizagens - PORVIR
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Inovações em Educação

Estados apostam em gestão, currículo e avaliação para recompor aprendizagens

Ceará, Piauí, Goiás e Espírito Santo compartilharam suas propostas de recomposição de aprendizagens em seminário internacional do Instituto Unibanco

por Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 1 de setembro de 2025

Recomposição de aprendizagens é o conjunto de ações pedagógicas voltadas a garantir aprendizagens essenciais que os estudantes não consolidaram em etapas anteriores da escolarização. A pandemia de Covid-19 ampliou esse problema histórico, mas especialistas lembram que ele já existia antes, sobretudo entre os alunos mais vulneráveis. 

Mesmo passados três anos do período de distanciamento social, o tema segue em debate porque as lacunas de aprendizagem não se resolveram automaticamente com a reabertura das salas de aula. Pelo contrário: elas se somaram às desigualdades educacionais já conhecidas, mostrando que a recomposição não pode ser tratada apenas como resposta emergencial, mas como política estruturante e permanente.

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Esse foi o eixo central da mesa “Implementação das políticas: aprendizados e aprimoramentos vindos da prática” do “5º Seminário Internacional de Gestão Educacional – Recomposição e Avanço das Aprendizagens”, promovido pelo Instituto Unibanco nesta quinta-feira (28), em São Paulo.

O encontro reuniu Jucineide Fernandes (secretária-executiva de educação do Ceará), Viviane Faria (superintendente de ensino do Piauí), Alessandra Almeida (superintendente de ensino médio de Goiás) e Andrea Guzzo (subsecretária de educação básica do Espírito Santo), que compartilharam como suas redes vêm estruturando políticas para enfrentar as defasagens, reduzir desigualdades e adequar a escola às necessidades reais dos estudantes.

Assista a íntegra do seminário promovido pelo Instituto Unibanco

Ceará: foco na aprendizagem

Jucineide Fernandes, historiadora e secretária-executiva da Educação do Ceará, já foi professora da rede estadual e destacou que a recomposição não nasceu com a pandemia. Ela lembrou que os indicadores de aprendizagem do Brasil já apontavam para grandes lacunas antes mesmo do fechamento das escolas.

“Apenas 56% das crianças estão alfabetizadas na idade certa e apenas 5 em cada 100 jovens concluem a educação básica com aprendizagem adequada em matemática”, afirmou, em referência ao 1º Relatório de Resultados do Indicador Criança Alfabetizada e ao Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Para Jucineide, esses números mostram que a recomposição precisa ser entendida como parte de um problema estrutural e não apenas como resposta a uma crise pontual.

“A escola que nós temos foi pensada considerando que todos os estudantes aprendem da mesma forma e no mesmo ritmo, mas isso não é verdade.” Ao lembrar que a origem desse modelo remonta ao século 16, pensado para uma elite branca e burguesa, Jucineide defendeu mudanças profundas. “Se não quisermos estar daqui a 50 anos falando novamente de recomposição, precisamos avançar na concepção de escola.”

No Ceará, a política Foco na Aprendizagem começou em 2019, com destaque para a formação e fortalecimento da liderança escolar. Programas como o Face (Fortalecimento da Atuação dos Coordenadores Escolares) garantem apoio pedagógico e institucional, preparando gestores que, em sua maioria, vêm da docência. “Investir na gestão escolar é essencial para garantir uma recomposição efetiva”, ressaltou.

Ela também destacou o papel humano da docência, lembrando que o vínculo e a confiança são determinantes para a aprendizagem. “O professor tem que gostar de gente. Aquele aluno que ninguém quer, ele tem que querer, tem que apostar nesse estudante”, disse. Para Jucineide, a escola sozinha não consegue enfrentar todas as desigualdades. É preciso articular-se com outras áreas, como saúde, assistência social e segurança, para dar respostas às vulnerabilidades que afetam diretamente a trajetória escolar dos alunos.

Instituto Unibanco

Piauí: política transversal 

A superintendente de ensino do Piauí, Viviane Faria, concorda ser ilusório imaginar que a recomposição de aprendizagens significa apenas “mais aulas”. 

Em seu estado, todas as escolas de ensino médio são de tempo integral e profissionalizante, o que vem permitindo a incorporação da recomposição diretamente ao currículo da formação geral básica. A política, que começou a ser implementada em 2023, é transversal, articulando setores como tecnologia, inovação e laboratório de dados.

Um dos diferenciais da educação no Piauí, segundo Viviane, é a formação entre pares, na qual os próprios professores regentes também atuam como formadores. “Quem é o formador é também o professor regente de sala de aula”, explicou. Essas formações acontecem semanalmente e são orientadas pelos resultados de avaliações mensais e testes aplicados aos estudantes.

A agilidade também é um ponto-chave: os resultados chegam às mãos dos docentes em até quatro dias, o que possibilita intervenções rápidas em sala de aula. Essa prática é fortalecida pelo SAEPI (Sistema de Avaliação Educacional do Piauí), que monitora a aprendizagem em diferentes etapas da educação básica e gera indicadores que orientam formações, planejamento pedagógico e políticas públicas. “A avaliação só faz sentido se o professor consegue olhar para aquele dado e entender o que o estudante precisa para avançar”, completou.

O Piauí também inovou ao ampliar as ações de recomposição para além de Língua Portuguesa e Matemática. O estado incluiu Física já no 1º ano do ensino médio e reorganizou a matriz curricular do 9º ano para antecipar o contato dos estudantes com Química, Física e Biologia. Além disso, consolidou-se como o primeiro do Brasil a implementar integralmente um currículo de inteligência artificial em sua rede pública de ensino. “O importante é encarar as fragilidades de frente. Só assim conseguimos transformar os resultados em aprendizagem efetiva”, concluiu.

Goiás: recomposição como cultura permanente

Alessandra Almeida, a superintendente de ensino médio de Goiás, também defendeu que a recomposição deve ser incorporada de forma definitiva à rotina das escolas, não apenas como resposta emergencial. “Hoje podemos dizer que em Goiás a recomposição é organizada e permanente. Trabalhamos para fortalecer essa cultura.”

A política está inserida na Matriz de Habilidades Essenciais, revisada a cada ano letivo. Esse modelo permite personalização em múltiplos níveis, alinhando o planejamento às necessidades da sala de aula. “A matriz do primeiro bimestre já será diferente da do segundo, porque devolvemos para as escolas aquilo que elas nos mostram na prática”, exemplificou.

Outro ponto de destaque da rede, de acordo com Alessandra, é o painel de notas e frequência, ferramenta digital que permite às famílias acompanhar o desempenho e a frequência do estudante desde o 6º ano. “Não se trata de envolver o responsável apenas na recomposição, mas na vida do estudante, no seu percurso escolar.”

Goiás também investe em formação em pares e em tutoria educacional em serviço, aproximando coordenadores e gestores do processo pedagógico e fortalecendo a rede de apoio às escolas. Para Alessandra, a conexão com o jovem é central: “Durante a pandemia lutamos para não perder contato com os alunos. Agora, no presencial, precisamos reinventar essa conexão para que a escola volte a fazer sentido, para que os estudantes aprendam e sonhem.”

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Espírito Santo: integração de políticas

Desde 2023 a recomposição é tratada como objetivo estratégico do estado, destacou a subsecretária de educação básica do Espírito Santo, Andreia Guzzo. A política estadual está alinhada aos quatro eixos estruturantes do Instituto Reúna: currículo, formação, avaliação e monitoramento.

“O importante não é fazer mais, é fazer melhor. A recomposição é uma reorganização do processo pedagógico”, afirmou.

Ela ressaltou o papel central do coordenador pedagógico, responsável por garantir que a formação docente se traduza em práticas efetivas. Também destacou a necessidade de integrar programas existentes, como a busca ativa (em parceria com Unicef) e correção de distorção idade-série, para acelerar os resultados.

Andreia defendeu que os resultados das avaliações precisam ir além da análise técnica. Ela lembrou que, no Espírito Santo, dificuldades históricas em leitura de gêneros textuais só começaram a ser superadas quando a secretaria conectou o problema a questões curriculares mais amplas. “Não basta olhar para o descritor. É preciso perguntar por que esse aprendizado é essencial para a formação do estudante e como ele contribui para a vida em sociedade”, explicou.

Atuação nacional

Apesar das diferentes realidades, as quatro gestoras destacaram pontos de convergência. Para elas, a recomposição das aprendizagens deve se consolidar como uma política nacional, integrada ao currículo, sustentada por formação docente consistente, avaliação frequente e pelo fortalecimento da gestão escolar. Todas também reforçaram que a escola não pode atuar de forma isolada: é fundamental envolver a saúde, a assistência social e as famílias nesse processo.


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gestão escolar, recomposição de aprendizagens

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