Proximidade com família e rede de práticas geram bons índices de leitura - PORVIR
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Proximidade com família e rede de práticas geram bons índices de leitura

Monitoramento e compartilhamento de práticas fazem redes avançar em leitura

por Ruam Oliveira ilustração relógio 10 de maio de 2021

Pedro* é uma criança de 7 anos que vive em Quixeramobim, município cearense com cerca de 81 mil habitantes. Matriculado no segundo ano do ensino fundamental 1 da EEF Heloisa Maria Maia Pinto Dinelly, ele vive o período que é um dos mais importantes de sua trajetória escolar, a alfabetização. Algo imprevisto na vida de muitos brasileiros, a pandemia da covid-19 fez com que crianças e adolescentes precisassem ficar em casa e, por consequência, deixassem de ir fisicamente à escola.

Em casa, Pedro* não tinha acesso à internet ou telefone celular para conferir os exercícios enviados pelos professores e, como muitos outros brasileiros que moram em regiões de alta vulnerabilidade social, vive com pais não alfabetizados. Dentre todas as muitas dificuldades que encontrou neste contexto de pandemia, conseguiu ser alfabetizado e se tornar o primeiro de sua casa a conseguir ler e escrever.

Quem conta, orgulhosa, essa história é a professora Aurilene Tomaz do Carmo, diretora de Ensino, Planejamento e Acompanhamento Educacional na Secretaria de Educação de Quixeramobim.

Muito mais do que ser um exemplo de superação, a história de Pedro é também reflexo de um quadro maior que envolve altos índices de aprendizagem no município. De acordo com dados do Saeb (Sistema de Avaliação de Educação Básica) de 2019, coletados pelo Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) a pedido do Porvir, Quixeramobim apresenta alunos do 5º ano do Ensino Fundamental com porcentagem de aprendizado adequada em língua portuguesa superiores a 80%. Isso em um contexto onde o INSE (Indicador de Nível Socioeconômico das Escolas de Educação Básica) para este município fica em torno de 13,69, também segundo pesquisa do Iede.

O papel da coordenação pedagógica e direção é essencial porque são eles que fazem o acompanhamento e trazem a coesão. Ela dá subsídios e apoia a ação docente

Ao lado de Quixeramobim, o levantamento apresentou outras três redes de ensino que igualmente se destacam nos níveis de aproveitamento, tanto nos anos iniciais quanto nos finais, com porcentagens superiores a 90% – Ararendá (CE), Jijoca de Jericoaquara (CE) e Coruripe (AL). Os níveis nacionais de aprendizagem adequada em Língua Portuguesa ficam em torno de 57%.

No caso de Coruripe, em Alagoas, o município apresenta 94,3% de aprendizado adequado em Português em alunos de 5º ano. Fabyana Silva, gerente administrativa e pedagógica Secretaria Municipal de Educação local, destaca que um dos pontos positivos para que o município atinja índices tão positivos está no monitoramento. “O município trabalha com uma estratégia de aprendizagem do aluno desde o ensino infantil até o ensino fundamental 2. Avaliamos como o aluno está em relação àquele estágio e o que precisa ser aperfeiçoado ou não”, diz.

Fabyana também reforça que o compartilhamento de boas práticas é outro aspecto positivo da gestão, e a própria secretaria observa o que está dando certo em determinadas escolas e que podem ser aplicados em outras.

Questão de Gestão

Assim como em outras políticas públicas, os bons resultados vistos na alfabetização também podem ser atribuídos à gestão – e não ao acaso. “O papel da coordenação pedagógica e direção é essencial porque são eles que fazem o acompanhamento e trazem a coesão. Ela dá subsídios e apoia a ação docente”, aponta Vinícius de Moraes, coordenador de pesquisas no Iede. Ele destaca que ao invés de a coordenação trazer mais responsabilidades para o professor, o ideal é que ela traga apoio. Em suas visitas a diferentes redes de ensino, o pesquisador aponta que reconhece na maioria destes casos de sucesso a figura do coordenador pedagógico como um formador dentro da escola.

Um outro ponto diz respeito ao acompanhamento que a coordenação pode fazer, baseada no que ele chama de ação-reflexão-ação, que não significa um modelo de gestão fiscalizador, mas que esteja apto a avaliar de forma a fazer “intervenções pedagógicas precisas para que o professor saiba onde pode melhorar e verificar onde o estudantes estão tendo mais dificuldades. É uma coparticipação no processo de ensino aprendizagem”, diz.

Um desempenho bom é resultado, como rede, de uma política pública

Aurilene, diretora de ensino em Quixeramobim, conta que a postura de trabalhar em rede é um processo já estabelecido no município.”A secretaria realiza encontros bimestrais de formação com gestores. Nessas ocasiões, são analisados resultados de aprendizagem e os direcionamentos curriculares são feitos a partir disso”, diz. “Uma das maiores contribuições relacionadas a esse trabalho é a gestão compartilhada, que envolve a comunidade, a participação do professor e dos pais. Todos com um propósito e único objetivo”. Entre 2007 e 2017, Quixeramobim viu seus resultados no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) saírem de 3,5 para 7,4.

O que essas redes também demonstram em comum é a relação que estabelecem com a comunidade escolar. No caso de Pedro*, o que possibilitou que ele seguisse com os estudos foi uma ação direta de professores e coordenação pedagógica por meio de visitas e contato com vizinhos.

“Muitos pais e mães eram analfabetos, mas isso não os eximia do acompanhamento das atividades dos estudantes. A proximidade que a escola tinha com essas famílias faz dela um centro comunitário. Os pais entendiam que o papel deles não seria guiar o estudante nas aulas, mas apoiar o que eles fazem”, relembra Vinícius em relação às redes que visitou com mesmo perfil socioeconômico daquelas encontradas no levantamento.

O Ceará é um bom exemplo de redes de ensino capazes de conseguir elevados índices de aprendizagem. Três das quatro mais bem avaliadas redes do levantamento pertencem ao estado. Um dos fatores que podem ser uma pista para justificar os índices está no PAIC (Programa de Alfabetização na Idade Certa) política pública prioritária do estado desde 2007 que prevê a garantia de alfabetização de alunos cearenses do 2º ano do ensino fundamental. A política também se desdobra em iniciativas para formação continuada de professores e apoio à gestão escolar.

“Um desempenho bom é resultado, como rede, de uma política pública”, afirma Sonia Madi, consultora para projetos de alfabetização, leitura e produção de texto, voluntária do Programa Letra Móvel – Alfabetização e letramento no ensino remoto, do CENPEC (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária). Os bons índices, para a professora, devem ser vistos a partir de diferentes dimensões, passando por todo o clima escolar, desde os prédios até o corpo docente.

“A estrutura física e a prática pedagógica, focada na aprendizagem, com propósito de acolher e promover entendimento de que o conhecimento é importante não para a prova ou resultados para escola, mas como bem para o indivíduo”, destaca. “Desde não perder de vista o aluno até a formação dos professores, tudo é importante para obter bons resultados”.

A especialista destaca que outro ponto central é ter professores que reconhecem o valor central daquilo que fazem, que gostam do trabalho e entendem sua importância. Em relação à gestão, a Sonia aponta que é importante saber o que quer, ter um princípio e um projeto, mas também estar aberto a ouvir pais e comunidade discordarem e encontrarem outras formas de trabalhar, caso a comunidade não esteja de acordo com determinada gestão.

Ler é o melhor remédio

A cultura de leitura está muito presente nestas redes. Visitando o município de Pedra Branca (CE), Vinícius encontrou a prática de leitura diária em uma escola da rede pública. Nela, todos os dias a primeira atividade das turmas era a leitura coletiva de algum texto, que poderia ser usado posteriormente pelo professor para avaliar os níveis de proficiência em leitura dos estudantes.

Coruripe segue essa cartilha de incentivos e já promoveu a elaboração de um livro produzido pelos próprios estudantes. A ideia era trabalhar a questão da leitura e também colocar o aluno como protagonista. O primeiro material foi feito em 2018, com direito a noite de autógrafos. “Inclusive nós utilizamos a produção dos alunos para elaborar questões de avaliação interna do município. Estávamos tentando sempre homenagear e valorizar os alunos, e de repente, fazê-los pensar que eles podem ser escritores”, destaca. Tudo foi feito de maneira interna, e ela própria foi a responsável pela diagramação do projeto.

Durante a pandemia, motivados pela gerente administrativa e pedagógica, a secretaria de educação do município alagoano resolveu repetir a dose promovendo a criação do livro digital “Aprendizagens da Quarentena”, com relatos de estudantes do , e 8º ano. Memórias, poemas e diferentes textos foram aceitos para esse projeto e a rede realizou também diversos saraus online.

“Esses altos índices indicam que entregamos um sujeito com autonomia para o mundo, com competências para o mundo. A partir do momento que desenvolvemos habilidades leitoras nesse indivíduo, ele consegue desenvolver outras habilidades ou componente curricular para seu projeto de vida. A leitura abre outras possibilidades em relação a suas escolhas. Para além de bons resultados, estamos indo para um desenvolvimento humano”, destaca Moraes.

Neste lugar de leitura e de escrita, outro aspecto relevante para a obtenção de bons resultados está no entendimento da escrita como função um processo em que o educador também se preocupa em mostrar ao aluno o significado da escrita e para quê ela serve. Esse trabalho todo nasce das práticas sociais, ou seja, práticas de letramento inseridas no cotidiano, no dia a dia.

Existem os ônibus, as igrejas onde se leem folhetos, músicas, etc. São experiências de letramento que antecedem a experiência de alfabetização

Para ela, a origem de diversos problemas relacionados à alfabetização está na baixa circulação do letramento. Em todos os exemplos mencionados neste texto é isso que acontece

“É importante que as famílias considerem esse objeto escrita como um direito”, aponta Sonia. Ao se tornarem protagonistas de seus próprios textos e histórias, as pessoas envolvidas podem ter acesso à imaginação e à possibilidade de criação de outras possibilidades. O caso das produções de texto pelas redes de Coruripe, é um exemplo.

 

* O nome do estudante foi alterado para preservar sua identidade.


TAGS

avaliação nacional da alfabetização, coronavírus, ensino fundamental, ideb

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