‘Saber mais é mudar relações de força’ - PORVIR

Inovações em Educação

‘Saber mais é mudar relações de força’

Philippe Perrenoud, em passagem pelo Brasil, apontou algumas das competências que faltam na escola para se viver no século 21

por Mariana Fonseca ilustração relógio 14 de junho de 2013

A escola pretende preparar as pessoas para a vida, mas acaba, muitas vezes, preparando os alunos para as avaliações. A linha que separa os saberes para a vida e dos saberes para os estudos é, para Philippe Perrenoud, o ponto de partida para se discutir o currículo do século 21. “A vida tem que estar no centro da discussão do currículo. O quanto a escola está nos preparando para viver nesse mundo?”, pergunta o sociólogo suíço que é especialista em currículo, práticas pedagógicas e formação de professores.

O pensador não promete soluções simples, principalmente por compreender o sistema de forças e o travamento do currículo atual na maioria dos países. “As disciplinas escolares estão organizadas em mundos e lobbies cuja preocupação é manter ou reforçar suas presenças no currículo. Isso acaba levando a uma lógica em que se entende que a única maneira de mudar o currículo é acrescentando conteúdo”, disse, para uma audiência de educadores aqui no Brasil, durante palestra na Educar Educador.

'Saber mais é mudar as relações de poder', diz Perrenoudcrédito Nailia Schwarz / Fotolia.com

 

Mas Perrenoud aponta alguns dos saberes que, para ele, deveriam fazer parte de uma escola que pretende preparar os alunos para a vida, mas que são praticamente ausentes nos currículos. Eles estão nas searas de direito, urbanismo, economia, ciências políticas e psicologia. “Sabemos transformar decímetro em centímetro, mas o que sabemos sobre autoestima, agressividade, angústia? O que vamos usar mais na vida?”

Sabemos transformar decímetro em centímetro, mas o que sabemos sobre autoestima, agressividade, angústia? O que vamos usar mais na vida?

Para ele, não há como não nos preparam para a vida no século 21 sem entender o mundo em que vivemos. Se a nossa sociedade exige que utilizemos dinheiro, bancos, precisamos entender a lógica por trás do sistema. Se habitamos cidades com trânsito, poluição e problemas de saneamento, é necessário compreender essa dinâmica. Se votamos, vivemos em democracias, precisamos compreender as forças envolvidas no sistema. “Saber e poder estão sempre ligados. Saber mais é mudar relações de força. Os saberes úteis permitem limitar o poder do homem sobre o homem”, diz. “Mas que fique claro: não estou dando soluções, estou apresentando problemas, ideias. É preciso pensarmos juntos esse currículo.”

Veja algumas das provocações do autor sobre a importância desses saberes:

1. Psicologia

A psicologia aparece no currículo, quando aparece, por meio da literatura e do teatro, as dores e os amores de personagens. “Mas quem aprendeu profundamente sobre o inconsciente? Sabemos transformar decímetro em centímetro, mas o que sabemos sobre autoestima, agressividade, angústia? O que vamos usar mais? Como uma coisa tão presente na vida está ausente na escola que pretende preparar para a vida?”, pergunta o suíço.

2. Direito

Quase ausente no currículo, este saber é indispensável porque vivemos em uma socidade regida pelo direito. “Não há necessidade de decorar a legislação ou o Código Civil. Mas precisamos saber consultar esses materiais, sermos capazes de dialogar com juristas, entender nossos deveres e obrigações, já que nossas sociedades estão construídas em torno deles.”

3. Ciências políticas

Perrenoud pergunta se a escola está preparada para ensinar sobre as relações de poder, sobre as influências políticas, econômicas ou étnicas que estão por trás das decisões parlamentares. “O quanto estamos preparados para entender que quando o [presidente dos EUA Barack] Obama está tentando mudar a lei para o porte de armas nos EUA e não consegue, isso está diretamente relacionado ao fato das campanhas dos deputados que votam serem financiadas pela indústria armamentícia?”, questiona.

4. Economia

O mundo vive uma crise econômica intensa no momento, talvez não muito forte no Brasil devido ao momento específico de crescimento econômico, mas que está impactando muitos países do globo. Quem compreende a crise? Quem compreende o problema que começou com a compra de produtos financeiros nos EUA, que eram vendidos a quem não podia pagar? “A economia está no nosso dia a dia. Claro que todos temos que entender um pouco dessa dinâmica no mundo que vivemos hoje, que não é mais baseado em plantar e colher para comer. Nós vamos ao supermercado e os supermercados envolvem relações de trabalho, distribuição, consumo etc. Temos uma grande carga horário de ciências sociais que não aprofundam nessas questões”, critica. “Isso para não falar da não compreensão do sistema de funcionamento bancário. Se entendermos melhor sobre a lógica do banco, quem perde?”

5. Urbanismo e arquitetura

Entre os grandes desafios do mundo hoje estão a poluição, o trânsito, o saneamento básico e a higiene urbana. “Não vivemos mais no campo. Somos uma maioria urbana. E a exploração urbana é muito mais um resultado do acaso, da especulação imobiliária do que algo pensando para atender as necessidades dos habitantes daquela cidade. O quanto a escola nos prepara para essa vida do século 21 e esses problemas?”


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Lúcia

Bom dia!
O texto proposto pela autora, que traz como fundamento Perrenoud, tem feito parte de minhas hipóteses acerca da forma como se estrutura e organiza os saberes e/ou componentes curriculares oferecidos pelos cursos de formação inicial de professores no ensino superior. São elencados saberes que mais tentam mostrar sua relevância e poder de forma isolada, do que na verdade se organizam em atendimento e oportunidades de (re) pensar de forma crítica o contexto ao qual fazem parte. O que na verdade possibilitaria que os futuros professores (que se encontram nas universidades) pudessem construir uma organização de saberes que permitissem a compreensão organizacional da sociedade de hoje e sua dinâmica inter-relacionada aos diversos segmentos que fazem parte da contemporaneidade. Temos no espaço da escola questões sociais presentes e que não podem ser ignoradas, mas, temos professores mal formados e que não compreendem as relações de poder que existem entre as áreas citadas pelo autor neste texto e portanto temos uma escola que mais provoca uma sensação de estranhamento do que de pertencimento para aqueles que a frequentam.

Sidney Menossi

A sabedoria popular diz que se nos empenharmos teremos sucesso, e se tivermos sucesso, então poderemos ser felizes. Se pudéssemos encontrar aquele emprego dos sonhos, ter mais uma promoção, perder aqueles dez quilos, a felicidade viria.
Mas descobertas recentes no campo da psicologia positiva têm demonstrado que essa formula funciona na verdade de maneira inversa: é a felicidade que impulsiona o sucesso, e não o contrario.

Nos primeiros anos de escola, penso que deveríamos aplicar a psicologia positiva para os pais e professores.
A neurociência hoje apresenta grandes soluções para o avanço : NEROAPRENDIZAGEM

Comungo com nosso brilhante sociólogo
Sidney Menossi

Angelina

isso foi ótimo

Sonia Ap Freitas

Achei muito interessante a maneira como foi colocado, dando importancia a disciplinas que muitos só irão conhecer na Universidade.
Sempre comento, que Direito deveria ser ensinado desde cedo nas escolas, porque muitos não sabem como resolver certos assuntos, deixando de lado ou talvez sendo enganado por alguem.
Acredito também que no Ensino Fundamental I, as disciplinas de Exatas e Humanas deveiam ser aplicadas por professores diferentes, elas poderiam ter mais conteúdo.
E um profissional de Psicologia,periodicamente trabalhando com a familia e com alunos que não conseguem se sociabilizar, por terem muitos problemas .

Rui Tiago Rodrigues Filipe

O alerta do autor deixa claro a necessidade de que o Currículo “nos ajude” a tornar cidadãos mais críticos e mais participativos na sociedade da qual fazemos parte… Contudo, “ajudar a formar” cidadãos que “pensam, sabem e querem fazer mais por si e pelo bem colectivo” implica que outros se tornem simultaneamente mais disponíveis para a mudança e partilha de poder… Entramos na esfera do “Currículo oculto”; e quão difícil é tornar “mais claro” aquilo que realmente é maior factor de mudança nos dias de hoje…

Rui Tiago Rodrigues Filipe

O alerta do autor deixa claro a necessidade de que o Currículo “nos ajude” a tornar cidadãos mais críticos e mais participativos na sociedade da qual fazemos parte… Contudo, “ajudar a formar” cidadãos que “pensam, sabem e querem fazer mais por si e pelo bem colectivo” implica que outros se tornem simultaneamente mais disponíveis para a mudança e partilha de poder… Entramos na esfera do “Currículo oculto”; e quão difícil é tornar “mais claro” aquilo que realmente é maior factor de mudança nos dias de hoje…

Sonia Ap Freitas

Achei muito interessante a maneira como foi colocado, dando importancia a disciplinas que muitos só irão conhecer na Universidade.
Sempre comento, que Direito deveria ser ensinado desde cedo nas escolas, porque muitos não sabem como resolver certos assuntos, deixando de lado ou talvez sendo enganado por alguem.
Acredito também que no Ensino Fundamental I, as disciplinas de Exatas e Humanas deveiam ser aplicadas por professores diferentes, elas poderiam ter mais conteúdo.
E um profissional de Psicologia,periodicamente trabalhando com a familia e com alunos que não conseguem se sociabilizar, por terem muitos problemas .

Angelina

isso foi ótimo

Sidney Menossi

A sabedoria popular diz que se nos empenharmos teremos sucesso, e se tivermos sucesso, então poderemos ser felizes. Se pudéssemos encontrar aquele emprego dos sonhos, ter mais uma promoção, perder aqueles dez quilos, a felicidade viria.
Mas descobertas recentes no campo da psicologia positiva têm demonstrado que essa formula funciona na verdade de maneira inversa: é a felicidade que impulsiona o sucesso, e não o contrario.

Nos primeiros anos de escola, penso que deveríamos aplicar a psicologia positiva para os pais e professores.
A neurociência hoje apresenta grandes soluções para o avanço : NEROAPRENDIZAGEM

Comungo com nosso brilhante sociólogo
Sidney Menossi

Lúcia

Bom dia!
O texto proposto pela autora, que traz como fundamento Perrenoud, tem feito parte de minhas hipóteses acerca da forma como se estrutura e organiza os saberes e/ou componentes curriculares oferecidos pelos cursos de formação inicial de professores no ensino superior. São elencados saberes que mais tentam mostrar sua relevância e poder de forma isolada, do que na verdade se organizam em atendimento e oportunidades de (re) pensar de forma crítica o contexto ao qual fazem parte. O que na verdade possibilitaria que os futuros professores (que se encontram nas universidades) pudessem construir uma organização de saberes que permitissem a compreensão organizacional da sociedade de hoje e sua dinâmica inter-relacionada aos diversos segmentos que fazem parte da contemporaneidade. Temos no espaço da escola questões sociais presentes e que não podem ser ignoradas, mas, temos professores mal formados e que não compreendem as relações de poder que existem entre as áreas citadas pelo autor neste texto e portanto temos uma escola que mais provoca uma sensação de estranhamento do que de pertencimento para aqueles que a frequentam.

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