Site cruza indicadores e revela desigualdade na primeira infância em SP
Rede Nossa São Paulo lança plataforma que permite comparar as oportunidades de desenvolvimento para crianças de zero a seis anos em todos os 96 distritos da cidade
por Vinícius de Oliveira 5 de dezembro de 2017
Em uma mesma São Paulo, o destino de uma criança até os seis anos de idade está ligado às oportunidades oferecidas pelo local em que ela reside. Em 2016, dependendo do distrito, ela poderia ter que esperar entre 25 e 441 dias por uma vaga em creche. Se ficasse doente, uma consulta poderia ser feita em dois ou 41 dias. Quanto mais distante estivesse do centro, também seriam maiores as chances de conviver em um ambiente de alta vulnerabilidade social, baixo nível de saneamento básico e ter de disputar a atenção com até 35 outras crianças em uma sala de pré-escola.
– Compare os 96 distritos da cidade de São Paulo
Entender a dimensão do abismo entre os 96 distritos de São Paulo é uma tarefa que a partir dessa terça-feira ficou mais fácil com o lançamento do Observatório da Primeira Infância. A plataforma online criada pela Rede Nossa São Paulo com o apoio da Fundação Bernard van Leer permite o cruzamento de 130 indicadores. “Hoje nós temos dados e isso não é pouca coisa. Com o Mapa da Desigualdade da Primeira Infância, temos a expectativa de gerar programas, políticas públicas e mobilizações em toda a sociedade que possam trazer maior qualidade de vida para as crianças”, disse Jorge Abrahão, coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo.
De acordo com os dados da plataforma, na cidade de São Paulo 10% das cerca de 1,1 milhão de crianças entre zero e seis anos vivem em situação de vulnerabilidade social. “É um dado alarmante que nos leva a pensar como devemos agir durante a fase crucial para o desenvolvimento social, cognitivo e psicológico da criança”, afirma Silvia Gomara Daffre, psicóloga integrante do grupo de trabalho criança e adolescente da Rede Nossa São Paulo. “Todos os estudos mostram que investir no desenvolvimento da criança na primeira infância é mais eficiente no combate à desigualdade social do que as políticas de distribuição de renda e gera menos custos do que tentar minimizar efeitos desses problemas”, lembra.
Além de dados sobre educação, saúde e acesso a serviços públicos o Observatório da Primeira Infância chama a atenção para a necessidade de que gestores públicos olhem para crianças acolhidas em abrigo, ou que integram famílias temporárias, de imigrantes e refugiados. Todas essas informações estão reunidas na seção Crianças Invisíveis.
Para atender esses todos esses desafios e diminuir a distância entre crianças de São Paulo, a plataforma também apresenta um Banco de Boas Práticas nacionais e internacionais, que podem ser filtradas por Objetivo de Desenvolvimento Sustentável propostos pela ONU (Organizações das Nações Unidas), eixo do Programa Cidades Sustentáveis ou pelo Urban95 (programa da Bernard van Leer que estimula o desenho de cidades para o desenvolvimento saudável das crianças).
A análise da situação da primeira infância também incluiu a opinião das próprias crianças paulistanas. A seção Olhar das Crianças usa a metodologia de voz pela fotografia para contar de uma forma lúdica o que as crianças gostam ou acham ruim na cidade. “Por conta da altura, abaixo da linha de cintura de um adulto, elas reparam coisas que não conseguimos perceber. Elas identificam plantas que não notamos e o lixo acaba incomodando mais porque está próximo delas”, conta Marisa Villi, diretora da Rede Conhecimento Social, instituição que apoia o projeto.
O trabalho para a criação do Observatório da Primeira Infância também deu origem ao Mapa da Desigualdade da Cidade de São Paulo, que por meio de “desigualtômetro” ressalta a distância entre o melhor e o pior distrito em cada um dos 28 indicadores que dizem respeito a questões da primeira infância.
“Temos mais ou menos 1 milhão de crianças dentro dessa faixa etária (da primeira infância) e pelo menos metade delas está nos 26 piores distritos. Essas desigualdades não são naturais, elas foram construídas por políticas que de alguma forma privilegiaram outros espaços em detrimento desses”, disse Jorge Abrahão, da Rede Nossa São Paulo.
Diante desse mapa de injustiças, as instituições envolvidas no projeto recomendam um trabalho conjunto de executivo, legislativo e judiciário, além da sociedade civil e de empresários, cada um com papéis específicos:
Executivo
– Implementar o Plano Municipal pela Primeira Infância, com destaque à promoção de políticas intersetoriais, definição de metas, princípios e diretrizes e ampliação da participação popular;
– Ampliar o uso dos dados desagregados para a elaboração e implementação de políticas públicas;
– Fortalecer o diálogo entre as políticas públicas de estado e o terceiro setor;
– Aperfeiçoar os sistemas de transparência e acesso à informação;
Legislativo
– Garantir a prioridade à primeira infância no orçamento municipal, investindo nas áreas mais vulneráveis e separar o investimento por faixa etária 0 a 3 anos e 4 a 6 anos;
– Fiscalizar o desempenho e o cumprimento de metas pela Prefeitura.
Judiciário
– Acompanhar a implementação das políticas voltadas à primeira infância;
– Garantir o acesso à justiça da população que tiver seu direito violado.
Sociedade Civil
– Desenvolver mecanismos eficientes de transparência e participação popular;
– Fortalecer os espaços e dispositivos de Controle Social como os Fóruns e Conselhos;
– Acompanhar e participar dos espaços de debate, formulação e avaliação das políticas públicas voltadas à primeira infância.
Setor Empresarial
– Desenvolver e ampliar políticas garantidoras do direito à licença maternidade e paternidade e aleitamento materno;
– Promover iniciativas inovadoras de apoio à educação integral dos(as) filhos(as) de funcionários(as);
– Realizar programas de incentivo à convivência familiar;
– Desenvolver campanhas de combate à violência doméstica e sexual contra mulheres e crianças;
– Mobilizar consumidores, colaboradores e rede de fornecedores para valorização do tema primeira infância.
Toda a metodologia usada pela Rede Nossa São Paulo para construir o Observatório está disponível em um guia aberto e gratuito.