Sua escola está de fato interessada em (re)conhecer os estudantes? - PORVIR
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Inovações em Educação

Sua escola está de fato interessada em (re)conhecer os estudantes?

Abrir espaço para o diálogo, oferecer assistência socioemocional e criar redes de apoio são caminhos sugeridos por especialistas em seminário internacional

por Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 12 de abril de 2022

Pesquisadora de desenvolvimento juvenil e questões de parentalidade, Nancy Hill está preocupada. E não escondeu o sentimento durante a mesa “Como famílias e escolas podem trabalhar juntas para apoiar adolescentes em um mundo pós-pandêmico?”, realizada no último dia do seminário online recém realizado pelo Instituto Singularidades. O evento, realizado em parceria com o escritório brasileiro do David Rockefeller Center for Latin American Studies da Universidade de Harvard (EUA), reuniu palestrantes por quatro dias para debater uma escola mais humana e enfrentar os problemas aprofundados pela pandemia.

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Professora na Faculdade de Educação da Universidade de Harvard e doutora em psicologia do desenvolvimento, Nancy ressalta como os jovens foram duramente afetados pelo distanciamento social causado pela pandemia da Covid-19. Em dois anos, muitos tiveram de trabalhar para apoiar a família nas despesas domésticas, exercendo o papel de adultos precocemente. Outros mal tinham conexão suficiente para acompanhar aulas remotas. Sem contar o sofrimento emocional com as perdas: da falta de convivência com os colegas ao luto, com a morte de parentes e pessoas queridas. Fatores que abalam a saúde mental, somados a alguns aspectos do envolvimento parental durante a crise sanitária. 

“Tudo se misturou durante a pandemia: os adolescentes não saiam, estudavam na mesa da cozinha, no quarto, na sala. Pais assistiam os filhos com as tarefas, mas ainda sendo pais. E esses papéis (educadores e responsáveis) se fundiram um pouco: em muitos casos, eles tiveram de assumir o papel de professores”, comenta. “No ensino fundamental, é importante que os pais deem apoio direto aos alunos, ajudando-os a se socializar. Já na adolescência, eles descobrem a autonomia. Como comunicar as expectativas (aos pais) para promover suas metas e aspirações? Queremos ajudá-los a traduzir o que aprendem na escola. Por isso, é importante orientar (os responsáveis) nesse sentido”, exemplifica Nancy. 

Nesse sentido, pais e responsáveis ajudam os jovens a navegar pela escola e pensar como conduzirão suas vidas para o futuro, além do ensino médio. “Queremos que os adolescentes recebam incentivo e se sintam pertencentes à escola. Quando isso acontece, são refletidos altos níveis de otimismo”, diz Nancy. Mas para que essa engrenagem funcione, algumas estratégias são fundamentais. 

Entre elas, é preciso existir uma comunicação proativa e de qualidade, tanto com a escola quanto dentro de casa. Com a crise sanitária, porém, foram grandes os desafios encontrados pelos pais para apoiar seus filhos, cumprir com suas responsabilidades e entender a nova rotina imposta pelo distanciamento. “Em um estudo com 50 mil famílias (aqui nos Estados Unidos), 40% dos jovens e seus pais não tiveram acesso aos professores durante a pandemia. Entre as famílias mais pobres, 49% não receberam tarefas de casa no período”, conta Nancy.

A desconexão com a escola foi, de fato, algo disruptivo para os estudantes. Nesse mesmo estudo, 91% dos alunos disseram que os problemas de saúde pioraram: ansiedade, depressão entre as doenças citadas. “Além disso, há um legado de discriminação para os grupos menos favorecidos, que não podiam participar das aulas via Zoom. Os pais recebiam o telefonema de um agente social. Esses alunos de classe social mais baixa não frequentavam porque não queriam; estavam sendo punidos em vez de apoiados”. 

De acordo com a especialista, algo é necessário: reconhecer a experiência que esses adolescentes tiveram ao longo da pandemia. “É preciso resistir à vontade de dizer que os alunos estão atrás, que perderam, que estão atrasados. Eles nem sequer estavam engajados! Não estão atrás, estão onde estão. Dizer que puderam fazer o que fizeram é uma forma de ajudá-los a se sentir compreendidos. Vamos mostrar que conseguirão fazer o necessário, talvez de uma forma mais dirigida do que antes”.

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O papel das zonas de conforto

É papel dos adultos oferecer confiança aos jovens em relação à possibilidade de um futuro melhor, concorda Hanna Danza, professora de pós-graduação do Instituto Singularidades. Para ela, o retorno às aulas presenciais podem soar como se esse adolescente “tivesse sido jogado em uma jaula com leões” e, “por isso, educadores e familiares devem protegê-lo”.

Ao lado de Nancy Hill, Hanna, também doutora e mestre em psicologia da educação pela USP (Universidade de São Paulo), com estudos voltados a projetos de vida para jovens, ressalta diferentes aspectos para criar o que chama de “zona de conforto”, uma rede de apoio para esses adolescentes. 

O primeiro passo é ter um interesse genuíno pela vida dos jovens, acolhimento fundamental a ser realizado por famílias e escolas. “Conversei com muitos adolescentes durante a pandemia, que disseram sentir falta de espaço para falar e ser ouvidos”, conta Hanna. 

O segundo aspecto, afirma a pesquisadora, é a proteção. “Se percebermos algum comportamento diferente em um aluno, é preciso chamá-lo para conversar. Caso não consigamos resolver no âmbito pedagógico, é preciso ter discernimento e encaminhá-lo a gestores, psicoterapeutas e convidar a família para acompanhá-lo mais de perto”, sugere. 

Não menos importante é a relação de confiança. “Também ouvi durante a pandemia que os jovens tinham sido abandonados pelos adultos. As 

escolas nem sempre deram conta, nem famílias, os recursos nem sempre chegaram aos alunos, principalmente em países como nosso. É preciso recuperar a confiança de que nós, adultos, estamos zelando por eles”, destaca Hanna. “Quantas vezes demos provas de que confiamos nos jovens, para que possam construir suas identidades e projetos de vida?
 A 
zona de conforto é construída nesses elementos”, sublinha. 

Hanna ainda abordou a dificuldade de encontrar respostas para as questões condicionais enfrentadas pelos jovens. “E se eu não me adaptar? E se o futuro não for possível? Vamos precisar de coragem para enfrentar. Que os jovens tenham respaldo nos educadores e na família para fazer esse enfrentamento”, finaliza. 

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competências para o século 21, coronavírus, engajamento familiar, ensino médio

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