Tecnologia na educação: um bem ou um risco? - PORVIR
Crédito: Lucas Fermin - Seed/PR

Inovações em Educação

Tecnologia na educação: um bem ou um risco?

Integrante do time de especialistas internacionais do GEM Report 2023, da Unesco, Lucia Dellagnelo comenta os principais pontos do relatório – entre eles, os processos para implementar o uso adequado da tecnologia na educação

por Lúcia Dellagnelo ilustração relógio 1 de agosto de 2023

Lançado em 26 de julho pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o GEM Report 2023 sobre tecnologia na educação tem suscitado forte reação na comunidade educativa. Para alguns, o relatório apresenta uma visão negativa da tecnologia na educação ao destacar os riscos de aumento de desigualdade no acesso a oportunidades de aprendizagem, de empobrecimento de relações humanas e de perda de autonomia de professores e estudantes.

É preciso compreender o contexto no qual o documento foi elaborado. Após a pandemia da Covid-19, governos de vários países estão dedicando boa parte do orçamento da educação para investimentos em tecnologia. Muitos desses investimentos estão sendo realizados com base em uma visão limitada e reducionista, sem considerar os elementos necessários para que a tecnologia tenha impacto positivo na educação e consiga reduzir desigualdades educacionais que persistem em todas as partes do mundo.

A chave para entender a mensagem principal do relatório está em seu subtítulo, “Uma ferramenta nos termos de quem?”, que clama por uma maior participação da comunidade educativa na definição dos valores, princípios e processos que devem guiar o uso de tecnologia na educação. Elaborar políticas de educação digital que garantam acesso equitativo à tecnologia para todos os professores e estudantes, propondo conteúdos digitais e metodologias pedagógicas relevantes e apropriados para diferentes contextos – e contemplem formação de professores – exige competências complexas de formuladores de política e gestores de sistemas educacionais.

Faça o download do relatório!
O Global Education Monitoring Report (GEM Report) é um relatório anual publicado pela Unesco. Baseado em evidências internacionais, é utilizado como ferramenta para monitorar avanços e desafios no cumprimento das metas de educação relacionadas ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 4) da ONU.

Clique aqui para baixar o GEM Report 2023 em português

Segundo o relatório, as políticas de tecnologia educacional não devem ser definidas por empresas de tecnologia ou por futuristas que acreditam que toda tecnologia significa progresso positivo e é um fim em si mesma. Devem partir de uma visão pedagógica, centrada na aprendizagem e no bem-estar dos estudantes, e direcionada para reduzir as desigualdades educacionais. Nesse sentido, o levantamento identifica pontos críticos no uso da tecnologia na educação que devem considerados, como por exemplo:

  • Há baixa oferta de evidências robustas e imparciais sobre o impacto da tecnologia educacional.
  • A tecnologia oferece acesso à educação a milhões de estudantes, mas exclui muito mais.
  • O direito à educação é cada vez mais sinônimo do direito à conectividade significativa, mas o acesso é ainda muito desigual.
  • A tecnologia pode melhorar alguns tipos de aprendizagem em alguns contextos, mas pode ter efeito negativo se utilizada em excesso.
  • O rápido avanço das tecnologias está criando pressão para adaptação dos sistemas educacionais.
  • Conteúdos digitais proliferaram sem regulação suficiente de controle de qualidade e diversidade.
  • A tecnologia é frequentemente adquirida para suprir uma necessidade sem considerar os custos a longo prazo para o orçamento das políticas educacionais, para o bem-estar das crianças e para o planeta.

A partir dos desafios identificados em cada um desses pontos críticos, o relatório recomenda que a formulação de políticas de educação digital deve endereçar as seguintes perguntas:

  • Esse uso de tecnologia educacional é apropriado para o contexto nacional e local?
  • A utilização de tecnologia está excluindo alguns estudantes?
  • O uso de tecnologia é escalável e baseado em evidências?
  • A tecnologia na educação é um projeto de longo prazo e seus potenciais benefícios são sustentáveis?

A verdade é que a formulação de boas políticas de educação digital, por sua natureza multidimensional, é uma tarefa complexa que exige competências e habilidades não tradicionalmente presentes nas equipes de ministérios e secretarias de educação.

A escolha de Montevidéu, capital do Uruguai, para a realização do evento oficial de lançamento do GEM Report não foi mera coincidência. Há 16 anos o país desenvolve uma política de educação digital coordenada pelo Ceibal (sigla para Conectividad Educativa de Informática Básica para el Aprendizaje en Línea), uma organização pública de direito privado financiada pelo governo para executar ações de tecnologia educacional nas escolas públicas. 

As ações desenvolvidas pelo Ceibal incluem desde compra, distribuição e manutenção de computadores para todos os professores e alunos, disponibilização e monitoramento de plataformas de aprendizagem, e formação de professores. Para cumprir sua missão, o Ceibal conta com uma equipe multidisciplinar que envolve engenheiros, cientistas da computação, designers e pedagogos trabalhando a serviço da educação.

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É papel dos ministérios de educação mobilizar a comunidade educativa para construir uma visão compartilhada para o uso da tecnologia na educação. No entanto, implementar uma política de tecnologia na educação exige conhecimentos e habilidades específicas, além de agilidade operacional, nem sempre encontradas em organizações públicas como ministérios e secretarias de educação. 

O relatório da Unesco defende que a comunidade educativa deve liderar o processo de incorporação de tecnologia na educação. Para isso, é preciso compromisso político, novas competências técnicas e a criação de uma estrutura organizacional que apoie na implementação de ações de tecnologia. 

Países que avançaram de forma mais consistente e coerente no uso da tecnologia na educação contam com organizações cuja missão específica é implementar as ações das políticas de educação digital. Em 2017, o Banco Mundial publicou um estudo sobre o papel dessas organizações e mostrou que elas desempenham um papel fundamental para garantir qualidade e equidade no uso de tecnologia na educação. Organizações e agências nacionais como o KERIS (Coreia do Sul), Fundação Omar Dengo (Costa Rica), HITSA (Estônia) e Kennisnet (Holanda), desempenham múltiplas funções para garantir que a tecnologia chegue a todas as escolas do país e que tenham uso pedagógico qualificado.

O principal argumento do GEM Report 2023 é que o uso da tecnologia na educação deve ser adequado a cada contexto, inclusivo e equitativo, escalável e sustentável. Precisa ser definido nos termos da comunidade educativa ao colocar a aprendizagem e o bem-estar dos alunos no centro. A fim de cumprir esse importante papel, será preciso o desenvolvimento de novas competências e habilidades por gestores e educadores, e a criação de estruturas organizacionais que garantam a implementação ágil, eficiente e transparente dos recursos destinados à tecnologia educacional. 


TAGS

competências para o século 21, letramento digital, tecnologia

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