Tecnologias e bolsas ajudam, mas inclusão exige intencionalidade
Seja no mercado de trabalho ou na educação, é preciso aderir a uma mentalidade de promoção da inclusão de pessoas com deficiência, dizem especialistas
por Luciana Alvarez 3 de novembro de 2021
Novas tecnologias, leis e políticas públicas têm melhorado a diversidade nas instituições de ensino e empresas do Brasil. Quando se trata da inclusão de pessoas com deficiência na educação, a mudança é bem clara: em 2008, quando foi formalizada a política para inclusão em salas regulares, apenas 54% das crianças e jovens estavam na escola. Dez anos depois, o número chegou a 92%.
Embora tenha havido evolução, a sociedade brasileira ainda precisa aderir a uma mentalidade de promoção da inclusão, defenderam Luana Génot, diretora executiva do Instituto Identidades do Brasil, e a jornalista Nathalia Santos, durante uma conversa no evento HUB, promovido pelo Edify.
Apesar de seus olhos aparentemente muito “vivos”, a jornalista Nathalia Santos nasceu quase sem enxergar. “Saí do hospital sem nenhum diagnóstico. Minha família só ficou sabendo que havia algo errado porque eu tinha um irmão, e minha mãe reparou a diferença”, conta. Na época, 28 anos atrás, não havia testes de visão feitos por padrão em bebês.
Morando numa favela carioca, Cidade Alta, e dependendo do sistema público de saúde, Nathalia enfrentou uma série de dificuldades na infância por falta de recursos. Ela reconhece que hoje muitas tecnologias facilitam a vida dos deficientes, mas eles ainda enfrentam frequentemente a falta de vontade para serem incluídos.
Nathalia só conseguiu o diagnóstico de sua doença, com um laudo a ser apresentado à escola, aos 12 anos. “Contei com a boa vontade dos meus professores. Aprendi a escrever segurando a mão de uma professora – e por isso aprendi a escrever antes de ler”, recorda. Logo ficou sabendo que tinha uma doença degenerativa na retina, que a tornou totalmente cega três anos depois. Teve que aprender braile, mas isso não foi suficiente. Era a única cega de sua escola de ensino médio técnico e não havia material didático adaptado. Quando precisava estudar para provas, pedia para colegas, amigos, familiares e funcionários da escola para lerem os livros para ela.
“Existem muitas ferramentas, várias gratuitas, estamos no ápice do conhecimento tecnológico para ajudar pessoas com deficiências. Mas a inclusão está distante. Falta querer”, afirma. Segundo Nathalia, não se trata apenas de questões do governo, mas de toda a sociedade. “Cada um tem de fazer a parte da transformação que lhe cabe.”
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Seja no mercado de trabalho, seja na escola, a jornalista defende que é importante conviver com as pessoas diversas para que todos enxerguem o valor da inclusão. “É rico conviver com a diferença. Quando se tem investimento numa sociedade diversa, partindo da educação, com profissionais diversos, empresas que falem com todo mundo, temos um ganho de humanidade”, diz.
Sem dúvidas, a inclusão precisa de investimento em diferentes níveis. “Coisas simples, como ir ao banheiro no trabalho, eram um problema. Mas hoje a empresa tem o piso tátil e eu posso andar sozinha por toda a parte”, cita Nathalia. Ao receber alguém com uma necessidade especial, o caminho para a boa convivência deve ser pelo diálogo constante, para entender especificamente o que é preciso para a apoiar a situação específica.
Cada instituição deve mapear seus recursos e, por meio do diálogo com a pessoa com deficiência, traçar um plano de ação que resulte no comprometimento de todos. “Para dar certo, é preciso querer que as pessoas pertençam e participem”, defende Nathalia.
Políticas afirmativas
Os desafios para a diversidade no Brasil vão além da inclusão de pessoas com deficiência. É necessário dar acesso e oportunidades também a negros, mulheres e pessoas periféricas, o que implica a necessidade de políticas afirmativas, afirma Luana, do Instituto Identidades do Brasil. “Políticas públicas que me permitiram ter diversas oportunidade de vida. Fui bolsista em universidade particular, bolsista do programa Ciência sem Fronteiras. Estudei nos EUA, o que foi importante como background (experiência) de vida. Sem ações afirmativas eu não estaria aqui”, relata.
Mas há muitos pontos em que a sociedade pode contribuir mais diretamente, oferecendo oportunidades e exemplos. “Tive uma chefe negra, responsável por uma equipe de mais de 100 pessoas, e com aquela mulher comecei a entender como poderia atuar no Brasil para a inclusão”, ressalta Luana.
Empresas e escolas também podem agir, independentemente do governo. “Inclusão é intencionalidade. É preciso ver quais grupos estão subrepresentados e fazer um movimento para trazê-los para perto”, recomenda.
Esse movimento não deve ser visto como um favor, mas como valor positivo para qualquer ambiente. “A diversidade promove um crescimento coletivo, que impulsiona a todos. É para que todos exerçam seu potencial pleno, possam ser autônomos, gerem renda. Um país sem isso é um país que não cresce, ou como um avião que quer voar usando uma asa só”, comparou Luana.