Vencedores do Prêmio #FakeTôFora transformam escolas em clubes de checagem
Conheça os três projetos selecionados pela primeira edição do prêmio e veja como professores do Nordeste estão transformando suas comunidades com clubes de checagem
por Ana Luísa D'Maschio 27 de janeiro de 2025
Responda rápido, professor: como você orienta seus alunos a verificar se uma notícia é verdadeira ou falsa? Caso não tenha trabalhado o tema em sala de aula ou deseje se aprofundar em estratégias, os projetos dos educadores José Hiago Soares, Manoel Messias e Ronney Marcos podem ser uma fonte de inspiração.
O trio venceu a primeira edição do Prêmio #FakeTôFora, idealizado pelo Instituto Palavra Aberta em parceria com a Embaixada e o Consulado dos Estados Unidos no Brasil, além do apoio do Porvir. A iniciativa reconheceu clubes de checagem criados nas escolas que fortalecem a responsabilidade cidadã no consumo de notícias e promovem um ambiente digital mais saudável.
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Além do reconhecimento, os projetos premiados receberam apoio financeiro (R$ 10 mil, R$ 5 mil e R$ 2,5 mil para o primeiro, segundo e terceiro lugares, respectivamente), mentorias, cursos e materiais pedagógicos. Esses recursos impulsionaram as iniciativas nas escolas, permitindo ainda que alcançassem a comunidade, incluindo famílias e gestores públicos. Confira a seguir como esses projetos impactaram a educação de suas cidades.
Impactos da desinformação
O primeiro lugar do Prêmio #FakeTôFora vem do sertão paraibano, mais especificamente de Salgadinho, uma cidade com apenas 3,3 mil habitantes. O professor José Hiago, da Escola Cidadã Integral Estadual de Ensino Médio Dr. Fenelon Nóbrega, partiu de dois exemplos de desconfiança cotidiana para desenvolver as atividades do clube de checagem com a turma do 1º ano do ensino médio.

Em uma mesma semana, uma professora havia lhe mostrado um link estranho para a compra de um eletrodoméstico muito abaixo do preço. Igualmente ensimesmado, outro questionou a legalidade das propagandas que enfatizam lucros irreaisem jogos de cassino online. Os assuntos foram porta de entrada para debates mais polêmicos, como vacinas e política, que se perdem no mar de notícias falsas que circulam deliberadamente.
“Escolher temas mais amplos que geraram intensos debates nos últimos anos foi uma maneira de conectar a reflexão à realidade deles. Também trouxemos assuntos relacionados a violências e mortes, recorrentes no dia a dia. Tudo evidenciou a necessidade de abordar conteúdos sensíveis com empatia e cuidado”, comenta José.
Ligadas à disciplina “segurança e cidadania digital”, as atividades foram estruturadas de forma colaborativa e dinâmica. Os estudantes se organizaram em grupos temáticos de política, saúde, economia, segurança e tecnologia. Os alunos tinham funções bem definidas, organizados como pesquisadores, analistas, documentadores e apresentadores. “Essa divisão permitiu que os alunos explorassem diferentes aspectos das informações digitais, incentivando o trabalho em equipe”, relata o professor.
Embora a maioria não tivesse experiência prévia com checagem de fatos, alguns jovens se destacaram como facilitadores, compartilhando conhecimentos sobre pesquisa na internet e apoiando os demais colegas. Os portais Lupa e Aos Fatos foram as principais ferramentas para verificar a veracidade das informações analisadas.
Durante o processo, José Hiago lista cinco descobertas do clube de checagem que marcaram profundamente a turma, tanto no que diz respeito ao conteúdo das fake news quanto às suas implicações sociais:
- Manipulação sutil de notícias: Fake news muitas vezes distorcem fatos ou omitem contextos. Exemplo: a manchete “Uma pessoa morreu após ser vacinada”, sem esclarecer que a causa não era a vacina, mostrou como as distorções enganam até os mais informados.
- Redes sociais e disseminação rápida:
Plataformas incentivam o compartilhamento de conteúdos emocionais e polarizadores. Exemplo: Um texto com foco em um “golpe político iminente” viralizou sem base confiável, gerando debates sobre responsabilidade ao compartilhar inverdades. - Emoções e crença em fake news:
Notícias que apelam ao medo ou indignação costumam ser as mais aceitas. Exemplo: a notícia sobre “uma onda de assaltos” alarmou a turma, mas os dados eram antigos, destacando como emoções afetam a análise crítica. - Fontes não verificadas:
Conteúdos de blogs sem autoria ou fontes confiáveis são um desserviço, pois só contribuem para a desinformação. Exemplo: uma chamada sobre “Avanços tecnológicos invadindo a privacidade” se baseava em rumores, incentivando a turma a valorizar fontes confiáveis. - Fake news e preconceitos:
Notícias falsas reforçam estereótipos, como atribuir violência a migrantes sem qualquer evidência. Isso gerou reflexões sobre desinformação e preconceitos.
José Hiago planeja expandir a iniciativa, envolvendo outras disciplinas e faixas etárias da escola. Ele também pretende desenvolver uma cartilha de boas práticas digitais e firmar parcerias com outros professores. “Manter e ampliar esse trabalho é essencial para preparar os jovens para os desafios da era digital”, destaca.
“Ganhar o prêmio fortalece minha missão como educador”, afirma o professor. “Com os recursos, planejo investir em equipamentos, ampliar a educação midiática na escola e comunidade, e compartilhar conhecimentos por meio do curso de multiplicador. A divulgação inspirará outras iniciativas, e o kit de materiais enriquecerá aulas e projetos. Esse prêmio é um impulso para inovar e transformar a educação.”
Acesse já os conteúdos do Educamídia

Planos de aula detalhados para levar a educação midiática para a escola
Materiais de educação midiática para as famílias
Educação midiática e inteligência artificial
Voto consciente
Embora notícias falsas sejam comuns em temas como Black Friday e fofocas de celebridades, o volume relacionado ao período eleitoral é significativamente maior. Essa foi a principal constatação dos alunos do professor Manoel Messias da Silva, da Escola Cidadã Técnica Integral Pastor João Pereira Gomes Filho, em João Pessoa (PB). Com o projeto “Protagonistas do FakeTôFora”, a escola conquistou o segundo lugar, ao promover uma abordagem inovadora para a conscientização sobre cidadania e desinformação.

Ao todo, 120 alunos das três turmas do ensino médio participaram do clube de checagem. Entre eles, aproximadamente 40% completaram 16 anos e estavam aptos a votar pela primeira vez. Muitos demonstravam desinteresse pelo processo eleitoral, frequentemente influenciados por fake news ou visões negativas transmitidas por familiares, relembra o professor. “Eles não enxergavam a importância do voto e, em muitos casos, tinham uma percepção distorcida do processo democrático”, explica Manoel.
As atividades práticas e reflexivas, como debates, análises de desinformação e uma simulação eleitoral mudaram essa percepção. A sala foi dividida em três clubes de checagem — Desment.Com, Urna de Pandora e Olhos de Água —, nos quais os estudantes trabalharam para identificar e desmentir fake news. “Eles descobriram que 99% das notícias falsas analisadas eram recicladas de anos anteriores, com temas como insegurança das urnas eletrônicas, discursos de ódio e ataques a candidatos”, relatou Manoel.
Os alunos também relataram que a disseminação de fake news triplica durante as eleições em relação a outros períodos, reforçando o debate sobre a gravidade do problema e a necessidade de uma postura mais crítica. O professor destaca ter sido marcante ver como eles começaram a compreender a conexão entre desinformação e o impacto direto no processo democrático, mesmo em nível local.
As análises começaram com um seminário sobre desinformação na Paraíba e se expandiram para investigações nacionais. Os estudantes identificaram que as fake news circulam com narrativas absurdas ou parcialmente verdadeiras, mas estruturadas para manipular. Eles também concluíram que a desinformação gerada em outros estados impactava o cenário local devido à dimensão nacional dos partidos políticos.
Outra ação inovadora foi envolver os jovens em entrevistas com colegas, questionando: “Se você fosse eleito, o que faria pela sua comunidade?”. A proposta incentivou reflexões profundas e o protagonismo dos alunos, colocando-os no papel de representantes políticos e cidadãos ativos.
Para colocar a mão na massa, houve a simulação de uma eleição, orientando os alunos a compreender melhor cada etapa do processo de votação. Após as eleições, muitos expressaram orgulho em participar. “Eles me disseram: ‘Professor, foi exatamente como ensaiamos. Foi importante votar’”.
Para Manoel, o projeto “Protagonistas do FakeTôFora” transformou o olhar dos estudantes sobre o processo eleitoral, promovendo o voto consciente e mostrando o valor da participação democrática. O impacto foi tão significativo que os alunos passaram a influenciar suas famílias e a enxergar a importância de combater a desinformação para fortalecer a democracia.
“O prêmio é um reconhecimento que coloca mais responsabilidade no meu trabalho. Entrei na carreira docente com a proposta de deixar o aluno mais protagonista de seu aprendizado. O #FakeTôFora consagrou minha proposta. Estou ainda mais motivado”, ressalta o professor.
Clube de checagem: da sala de aula à secretaria de educação
Imagine convidar um candidato para debater com os jovens, em plena escola, as propostas de seu governo? E, na frente deles, checar se as notícias são verdadeiras ou falsas? Estes são alguns dos principais méritos do projeto “Observatório Juvenil de Mídia”, coordenado pelo professor de sociologia Ronney Marcos, no Centro de Excelência Atheneu Sergipense, em Aracaju (SE), em parceria com o educador Yuri Roberto.
Em 2024, o “Laboratório das Eleições Municipais” foi criado para conectar estudantes do 3º ano do ensino médio à prática real de combate à desinformação. Os jovens monitoraram redes sociais de candidatos e verificaram informações em tempo real, fortalecendo o pensamento crítico e a responsabilidade cidadã.
A atividade contou com a parceria do portal independente “Mangue Jornalismo” e da Liga Acadêmica de Ciências de Dados da Universidade Federal de Sergipe, a Ladata. “Enquanto o portal orientou as práticas jornalísticas, a Ladata introduziu técnicas de análise de dados, ampliando a compreensão dos jovens sobre o uso de informações para investigação e compreensão do contexto político”, explica Ronney.
Um dos momentos mais marcantes do clube de checagem foi a sabatina com os candidatos, realizada na escola. Divididos em salas temáticas como mobilidade urbana e saúde, os estudantes prepararam perguntas e fizeram checagens em tempo real às respostas dos políticos.

Uma candidata afirmou que, caso eleita, tornaria o transporte público gratuito. Imediatamente, os alunos verificaram a viabilidade dessa proposta, questionando se a prefeitura teria autoridade para implementá-la. “Esse tipo de análise fez os candidatos refletirem sobre a clareza de suas mensagens e evitarem declarações enganosas”, comenta o professor. “Foi incrível ver o impacto dessa iniciativa. Os candidatos sabiam que seriam monitorados e se prepararam para falar a verdade”, destaca.
Além de aproximar os jovens da prática de checagem de informações, a sabatina também ajudou muitos estudantes a escolherem suas futuras carreiras, incentivando vocações para áreas como jornalismo e ciência de dados.
Criado em 2022, o Observatório de Desinformação do Centro de Excelência Atheneu Sergipense nasceu da vontade dos professores Rooney e Yuri em preparar os estudantes a lidar com a desinformação do ambiente virtual. Outras escolas os procuram para desenvolver a metodologia e, com o crescimento do projeto, novos horizontes foram se abrindo.
“Tivemos a oportunidade de participar do guia multimídia “Escola Livre de Ódio”, do Porvir, o que foi um grande privilégio. Ficamos muito honrados em receber a equipe na nossa escola, além de viajar para outros estados para apresentar o projeto. Também foi uma alegria imensa ver nosso trabalho sendo reconhecido e premiado no Prêmio #FakeTôFora. Estamos muito felizes com tudo o que alcançamos.”
Após concluir o ano letivo no Atheneu Sergipense, Ronney assumiu um novo desafio como gestor na Secretaria de Educação de Sergipe. Agora, o objetivo é ampliar o alcance do Observatório para toda a rede de ensino. “Vou sentir falta da escola, mas o que me conforta é algo que ouvi recentemente: impactamos cerca de 900 alunos, e agora temos a chance de impactar toda uma rede de ensino. Isso me deixa muito feliz, empolgado e com muita vontade de continuar fortalecendo a educação midiática no nosso estado.”