Yunus, o banqueiro dos pobres, e seu plano no Brasil
Nobel da Paz de 2006, idealizador do Grameen Bank, traz conceito de negócios sociais e discussão acadêmica ao país
por Patrícia Gomes 29 de maio de 2013
Com o equivalente a US$ 27, Muhammad Yunus começou um banco em Bangladesh que tirou da pobreza milhares de famílias no país e lhe rendeu, 30 anos depois, um Nobel da Paz. Ele, um jovem professor universitário de economia na década de 1970, tinha um incômodo persistente: o sistema capitalista, que servia muito bem para enriquecer alguns, só fazia reforçar a miséria da população de seu país, à época marcada pela fome, altas taxas de analfabetismo e desemprego, falta de saneamento básico e até energia elétrica.
Ao visitar comunidades para entender suas necessidades, percebeu que as pessoas precisavam de muito pouco para romper o ciclo da pobreza, às vezes alguns poucos centavos – contra essa realidade, deu início a um banco com uma proposta completamente diferente e ao conceito de negócios sociais, principalmente nas áreas de educação, saúde, habitação e saneamento básico. Nesta semana, o ativista bengalês está no Brasil para lançar um centro com a ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), um fundo para empreendedores brasileiros e, claro, promover a causa.
“Zero de lucro para os acionistas. O fator determinante do negócio social é que ele resolve um problema social e reinveste todo o lucro obtido na própria empresa, para melhorar ou expandir o negócio”, diz Yunus. Sua definição de negócios sociais – que, no Brasil, não é a única usada – começou a ser desenvolvida ali, no meio de quem mais precisava. Em uma de suas caminhadas por uma área pobre próxima à universidade, conheceu uma mulher que havia pego emprestado o equivalente a US$ 0,25 de um agiota do bairro, com juros de 10% ao dia. O “contrato” lhe impunha quase um regime de escravidão. Mais um pouco de caminhada e, ao todo, encontrou 42 mulheres na mesma situação. Foi para elas que o primeiro aporte financeiro, os tais US$ 27, foi feito. Para cada uma, o empréstimo destinado foi de US$ 0,64. “Para minha surpresa, todas elas devolveram. E eu continuei emprestando”, afirma o Nobel, que começava ali um ciclo de desenvolvimento local que ganharia força nos próximos anos.
Hoje, o Grameen Bank tem mais de 2.500 agências e 8,3 milhões de clientes – 97% são mulheres. Para conceder um empréstimo, o banco olha para dez indicadores, como valor guardado na poupança e acesso a água potável. Usando a lógica contrária de um banco comum, quanto menos critérios o interessado preencher, maior é sua chance de conseguir o empréstimo. Ele cobra juros, mas só o suficiente para manter as operações do banco, e não obriga os clientes a assinar contratos. “Temos menos de 1% de inadimplência em Bangladesh”, garante o banqueiro a quem duvida que seu negócio pudesse dar certo.
E Yunus não parou no banco. Criou uma empresa de telefonia e de internet, um fundo e outras tantas companhias. “Para cada problema social que eu via, eu criava um negócio para resolvê-lo”, afirmou. Mais recentemente, desafiou a gigante Danone a ajudá-lo a resolver o problema de desnutrição em regiões rurais de seu país. Com Yunus, a multinacional criou um negócio social chamado Grameen Danone que tinha a missão de produzir um iogurte que tivesse todos os micronutrientes que faltavam na dieta bengalesa, fosse barato e gostoso. Em 2006, a empresa chegou a uma fórmula com esses pré-requisitos e cujo pote de 60g custava o equivalente a US$ 0,06. “Quando eles estavam com o iogurte pronto, eu disse para eles que eles tinham de pensar também no fato de o pote ser de plástico. Um negócio social não cria outro problema social”, disse Yunus. Pouco depois, a Danone voltou com uma opção de recipiente biodegradável. “Agora eles estudam formas de usá-lo em toda a Danone”, orgulha-se.
Melhor que caridade
Há três dias no Brasil, Yunus já inaugurou um centro com a ESPM, anunciou um fundo de US$ 20 milhões para o investimento em boas ideias de brasileiros, esteve em um evento privado com investidores sociais e com empresários – sempre tentando angariar adeptos ao que considera ser “uma mudança na forma de pensar os negócios”. “Não quero que todos os negócios se tornem sociais. Mas, em cinco anos, 1% de todos os negócios de São Paulo poderiam ser sociais”, lança ele a meta. Nesse tipo de empresa, o Nobel gosta de deixar claro, o que não há é divisão do lucro, mas nada impede que tenham salários competitivos com o mercado.
Além disso, aos que se interessam em negócio social pelo impacto que pode causar nas comunidades, Yunus também tem uma resposta pronta: o negócio social traz muito mais resultados que a filantropia. “A limitação da caridade é que você investe o dinheiro, faz um trabalho maravilhoso, mas o dinheiro não volta. Se quiser fazer o mesmo trabalho novamente, vai precisar começar do zero”, afirma. Já para os jovens empreendedores, o recado é outro. Com o fundo que está trazendo para o Brasil e o apoio da incubadora que seu centro terá na ESPM, todas as boas ideias são bem-vindas. “Tragam as ideias sobre como resolver um único problema social. Não se preocupem com dinheiro. Nessa parte, nós ajudamos”, convoca o bengalês.