Crianças questionam ‘jeitinho brasileiro’ em projeto escolar sobre corrupção
Professora de Campina Grande do Sul (PR) usou notícias de escândalos na política para trabalhar com os alunos a honestidade em situações cotidianas
por Expedita Estevão da Silva 3 de maio de 2017
Já faz um tempo que eu trabalho a leitura de notícias em sala de aula, mas no ano passado percebi que os jornais só falavam sobre corrupção e desdobramentos da Operação Lava Jato. Por mais que eu tentasse encontrar novos assuntos, as histórias eram sempre as mesmas. Até que um dia, outro caso chamou a nossa atenção: uma faxineira foi atuada por furto após comer o bombom que estava sobre mesa de um delegado, em Roraima.
As crianças se interessaram muito por essa história e logo tomaram partido da mulher. Nós questionamos a postura do delegado, mas depois também começamos a refletir sobre pequenos gestos de corrupção que estão presentes no nosso dia a dia. O que era pegar um bombom ou um lápis na mesa do colega? Era certo mexer na mochila de alguém sem autorização? Eles começaram a refletir sobre essas ideias.
Depois de buscar o significado da palavra corrupção no dicionário, a turma começou a listar ações que as pessoas estavam acostumadas a fazer para se beneficiar. As crianças montaram um questionário e fizeram uma pesquisa com os adultos para ver se eles já tinham cometido alguma pequena corrupção, como estacionar em vaga de idoso ou comprar um produto falsificado.
Baseado no vídeo de um experimento, também fizemos uma atividade para testar a honestidade de outras turmas da escola. Durante o intervalo, os alunos colocaram uma caixa de lápis no corredor e escreveram ‘troque o seu lápis velho por um novo’. A ideia era ver quem iria realmente fazer a troca ou apenas pegar um novo. Na hora de contabilizar, eles ficaram surpresos: a quantia de colegas que não trocaram o lápis era significativa.
A experiência serviu para fazer uma reflexão na sala de aula. A partir de uma leitura sobre a história do bombom, conseguimos fazer uma série de atividades. Trabalhamos leitura, interpretação de texto, palavras desconhecidas e expressões típicas do direito, como delito e inquérito. Além de ampliar o domínio de língua portuguesa, também estudamos mais sobre a localização geográfica apresentada em cada notícia.
Conseguimos uma parceria com o fórum da cidade, em Campina Grande do Sul (PR), para conversar com a juíza e com o promotor. A partir daí, os alunos também participaram de uma atividade em que simularam um júri. No final do ano, eles ainda tiveram a oportunidade de compartilhar suas experiências durante uma feira do conhecimento realizada na escola.
Com essa atividade, percebi uma mudança no comportamento dos alunos. Eles começaram a se expressar mais quando notavam alguma atitude errada. Foi um trabalho bem produtivo que durou o ano inteiro e foi premiado pelo projeto Ler e Pensar, do Instituto GRPCom.
Expedita Estevão da Silva
Pedagoga e professora da Prefeitura Municipal de Campina Grande do Sul há 27 anos. Atualmente trabalha na Escola Municipal Augusto Staben. Desenvolveu trabalhos como supervisora pedagógica e direção escolar. Desde 2009 trabalha com turmas de quinto ano do ensino fundamental, com as quais desenvolve projetos a partir da leitura do jornal em sala de aula.