‘Nossos alunos precisam saber criar conhecimento’ - PORVIR
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Inovações em Educação

‘Nossos alunos precisam saber criar conhecimento’

Para a filósofa Viviane Mosé, a escola contemporânea precisa saber ensinar o aluno do século 21 a aprender a aprender

por Davi Lira ilustração relógio 9 de setembro de 2013

A cada dia que passa, as pessoas estão cada vez mais conectadas. Imersos numa cultura de rede, os alunos deste novo século têm diante de si uma infinidade de informações, tudo a um simples clique. Uma realidade bem diferente daquela que o seu professor teve no passado. Lidar com uma estudante digital é um dos principais desafios da nossa escola, ainda vivenciando numa lógica tradicional e desconectada desse novo contexto de conexão em rede. Esse é um dos principais aspectos que, segundo a filósofa e professora universitária Viviane Mosé, faz com que as nossas instituições de ensino se distanciem de um modelo contemporâneo de escola.

Com o livro A Escola e os Desafios Contemporâneos recém finalizado, Viviane é uma das participantes convidadas para o 2º Congresso Educação: agenda de todos, prioridade nacional, organizado pela ONG Todos Pela Educação, que será realizado nos dias 10 e 11 de setembro em Brasília. A filósofa vai compor uma sessão de debates focada nos desafios das escolas que ainda não estão conectadas à contemporaneidade e de que maneira a sociedade civil pode contribuir nessa questão. Todo o evento poderá ser acompanhado por transmissão on-line.

Crítica de uma educação de massa, que despreza a individualidade de cada estudante, Viviane afirma que para melhorar a qualidade do ensino, é preciso criar uma “nova escola” . “A nossa educação é ruim em todos os níveis, inclusive o universitário, que ainda forma os professores para o século 20. Mesmo que a educação básica pública venha melhorando a cada ano em relação à escola privada. Precisamos mudar profundamente nosso sistema de ensino. Mas trata-se de uma mudança mais profunda, uma mudança conceitual. Temos que ensinar os nossos alunos a aprender a criar conhecimento. E trabalharmos dentro de uma lógica de rede, conectando os saberes de forma multidisciplinar.”

Para melhor entender as ideias de melhoria do sistema de educação do país e o conceito de escola contemporânea proposto pela filósofa Viviane Mosé , confira a seguir a entrevista:

A senhora defende a ideia de que nossas escolas poderiam ser melhores se elas fossem mais contemporâneas. Esse é um dos grande desafios de hoje?
Sim. Para termos uma educação contemporânea é preciso sabermos ler a sociedade atual que nos rodeia. Hoje, no nosso país, temos mais de um celular por habitante. Somos umas das nações que mais utiliza os telefones celulares. E com a revolução tecnológica, é possível ter acesso por meio dele a, praticamente, tudo sobre história, atualidades, ciência, filosofia. Sendo assim, por que os alunos ainda precisam decorar as margens dos afluentes do Amazonas e a tabela periódica? Pelo seu próprio celular ele sabe que a qualquer momento ele pode conferir essas informações na palma da mão. Os alunos precisam é ser instruídos a selecionarem e filtrarem os conteúdos que já estão disponíveis na internet.  As escolas precisam se dar conta desse contexto e trabalhar dentro de uma lógica de atividades que foquem nos interesses dos alunos, mas claro, sempre considerando os parâmetros curriculares.

O foco, então, seriam os interesses dos alunos?
Exatamente. Os nossos alunos precisam aprender a aprender. Escolas contemporâneas estão mais preocupadas com a aprendizagem do que com o ensino. Hoje, a educação é centrada na figura do professor e não no aluno. Temos que buscar estimular nas nossas crianças a capacidade de reflexão, de argumentação e criticidade.  E oferecê-las, dentro das diversas possibilidades, caminhos para que elas encontrem seus principais interesses. É possível incorporarmos essas ideias dentro das nossas escolas.

Para tanto, os nossos professores precisariam ter uma nova postura em sala, não?
O professor precisa deixar de ser aquele que detém o conteúdo. Quem detém é a internet, as redes sociais. Se ele continuar se colocar como o centro irradiador de conteúdo ele vai sofrer muito. Conheço muitos bons professores brasileiros que querem, mas não conseguem acompanhar a quantidade de informações que são produzidas e disseminadas diariamente por meio das tecnologias de informação. Ele não pode se colocar como alguém que sabe tudo. Hoje, é bem frequente termos alunos que sabem mais que os professores. São alunos que tem acesso a outras informações pela internet. Os professores contemporâneos precisam se colocar como gestores de sala de aula. Funcionando como técnicos, guias dos alunos. Orientando de forma multidisciplinar os estudantes. Ele não precisa saber de tudo, mas precisa ser alguém antenado.

Para que essa postura seja estabelecida, é preciso, então, uma ampla reconfiguração do nosso modelo de escola…
A escola é um dos lugares que mais desrespeita o ser humano. Os professores não são respeitados pela direção. A direção não é respeitada pelas secretarias de educação. E os alunos são desrespeitados pelos professores e pela escola. Não temos escolas corajosas para enfrentar esse contexto atual. A realidade das crianças não são temas frequentes de aula. A escola tem que ser um espaço democrático onde alunos, professores e comunidade discutam os rumos da unidade. Quem deve fazer a gestão da escola é o bairro. O nosso sistema de educação tradicional atual acaba transformando nossos alunos em seres repetidores e não em indivíduos que produzem pensamentos particulares, que são conteúdos mais valorizados e mais úteis à sociedade.

E como se desvencilhar desse modelo tradicional?
Temos que ter uma escola onde todos os estudantes tenham o direito de ir além. Nosso povo é extremamente criativo, as crianças precisam saber que podem criar dentro e fora da escola. Precisamos, também, ser contra a ideia de que o aluno não pode se impor diante do professor. O estudante deve ter voz dentro da sala de aula e a sua singularidade deve ser plenamente respeitada. Além disso, as crianças precisam aprender nas escolas a fazer a gestão da própria vida. A escola tem que trabalhar mais a questão da autonomia e responsabilidade, sempre de uma forma mais individualizada.

Não é uma tarefa fácil estabelecer esse relacionamento…
Dá mais trabalho apostar nessa ideia de educação mais individualizada, mas se for preciso 20 anos para termos esse cenário, que gastemos todos esses anos para isso. O fato é que é ridiculamente fácil esse tipo de ação. Basta implantar um modelo de tutoria. No Brasil, temos, em média, 12 alunos por professor da educação básica. No regime de tutoria, os docentes poderiam ganhar um rendimento extra em troca do acompanhamento da vida de alunos. Bastaria uma reunião mensal de 15 minutos. Nesse momento, a conversa teria como foco os problemas na escola e familiares enfrentados pelos estudantes. Tudo poderia ser registrado numa ficha on-line de acompanhamento da vida escolar do aluno. Dessa forma, os professores encarariam os alunos além de números e se tornariam mais humanos. Em troca, ainda sairiam com um porcentual de aumento salarial pelas tutorias realizadas. Muitos países já trabalham com essa lógica de uma educação um a um.

Além dessa aproximação nas relações humanas entre professor e aluno, a senhora também defende que a escola precisa “ir” mais à cidade. O que isso significa?
A escola precisa se apropriar da cidade. Professores e alunos devem sair mais juntos das escolas. Todos vão gostar mais de sair. Atualmente, estou participando do desenvolvimento do projeto no Espírito Santo que talvez chame Itinerário Educativo. Com apoio da iniciativa privada e adesão da secretaria de educação de Vitória, pretendemos criar itinerários pedagógicos que mesclem circuitos culturais, ambientais e produtivos. Mas o circuito não é passeio, é dar aula, discutir, pensar o ambiente. Ao invés de dar aula sobre peso na sala, a ideia seria que essa aula se desse numa padaria. O dono do estabelecimento que aderisse ao projeto receberia então as crianças com o respectivo professor para explica o assunto utilizando instrumentos reais, e sempre trabalhando com situações cotidianas. Assim, o aluno aprende mais rápido a matemática, por exemplo, e a cidade ficaria mais humanizada. Em troca, o comerciante ganharia redução de tributos junto à prefeitura.

Trata-se de mais uma evidência que o conhecimento aprendido por meio da prática vem ganhando mais espaço nas discussões atuais de educação?
Nós temos uma tradição de darmos mais espaço à abstração e de sermos distante da vida prática. Isso tudo, por medo mesmo da interferência social. Isso remonta o período do regime militar. Na escola, os professores não poderiam falar de política, atualidades nem trabalhar com jornais. A consequência disso é que temos gerações que não sabem pensar. A tradição proibiu o professor de pensar. E essa lógica ainda está presente entre nós, basta ver a forma que foi estruturada a nossa educação, com grades curriculares pouco flexíveis, provas, e uma postura de comportamento focado na disciplina. Isso tudo deve ser imediatamente revisto. Na prática, o aluno aprende mais facilmente.

E como essa reviravolta na educação do país que a senhora propõe deverá ser efetivada?
Tudo isso que falei já é uma realidade em várias escolas públicas brasileiras. São casos reais que representam excepcionais casos de inovação. O que tem que ser feito no país, agora, é valorizar as boas práticas. E essas boas práticas devem ser alastradas como se fossem vírus. Mas toda a mudança depende de vontade política e também de consciência de todos. A mudança não deve começar do zero nem deve ocorrer da noite para o dia. Deve ser uma mudança cotidiana. Assim, a cada dia um novo cenário vai desenhando um novo cotidiano.


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educação mão na massa, novos espaços, tecnologia, todos pela educação, uso do território

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