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Como Inovar

Projeto dá autonomia para alunos criarem a própria escola

Colégio público de Massachusetts (EUA) tem programa em que adolescentes podem avaliar colegas e escolher o que estudar

por Filipe Prado ilustração relógio 5 de dezembro de 2014

Uma escola sem avaliações formais e na qual os alunos tivessem o poder de escolher o que estudar poderia gerar desconfiança se comparada ao sistema de educação tradicional. No entanto, a Monument Mountain Regional High School, localizada na pequena cidade de Great Barrington, no estado de Massachusetts (EUA), aplica pelo quarto ano consecutivo um modelo inovador, cujo objetivo é engajar e tornar os estudantes responsáveis por seus aprendizados.

O Projeto Independente funciona em horário integral e paralelamente às atividades do colégio público. Com a perspectiva de estimular o comprometimento e privilegiar o método em detrimento do conteúdo no ensino, o programa atende 12 adolescentes entre 16 e 18 anos por semestre. Para participar, os alunos dos últimos anos escolares devem submeter-se à aprovação de um conselho de professores que avalia a seriedade da candidatura e o plano de estudos dos candidatos.

“Nós perdíamos muito tempo dizendo aos alunos o que eles devem aprender em vez de saber o que eles querem aprender. A Monument Mountain já era uma escola bastante liberal e progressista, então pudemos implantar o projeto em 2010”, conta a diretora da MMRHS, Marianne Young, em entrevista ao Porvir.

O semestre letivo é dividido em cinco etapas. A primeira, feita apenas na primeira semana, consiste em orientar os alunos quanto à essência do projeto. As expectativas em relação ao curso, as metas intelectuais a serem atingidas, o modelo de ensino desejado e os meios para sua efetiva realização fazem parte de uma autorreflexão sobre os propósitos do projeto. A ideia é estimular uma consciência crítica e autônoma mínima aos alunos, que desempenham papel ativo visando ao próprio aproveitamento escolar.

A segunda fase é voltada ao aprendizado das ciências e funciona a partir de uma questão chave elaborada pelos alunos que determina o que será estudado durante a semana. A classe, com o auxílio do professor, aperfeiçoa e limita qual será a área de investigação. Esse módulo científico abarca, nos primeiros meses, as disciplinas de biologia, história e geografia e, mais tarde, matemática e inglês. Definido o tópico, o aluno pesquisa, em livros, na internet e em entrevistas com especialistas, o conteúdo por conta própria e o apresenta à sala no final da semana, quando há um debate sobre os temas e as metodologias escolhidas para chegar àquele conhecimento.

Desta maneira, o professor abstém-se do papel de detentor do conhecimento e atua como um orientador. Há um conselho de professores de diversas áreas (história, matemática, inglês) que, embora fique ausente da sala de aula, fica disponível para consultas e para orientar a melhor maneira de conseguir as informações necessárias. Muitas vezes um único tema inclui abordagens interdisciplinares, o que enriquece a pesquisa e fomenta um debate mais amplo. Esses “professores-conselheiros” também fornecem, no final do processo, um feedback às pesquisas, complementando o conteúdo e indicando o que pode ser mais bem trabalhado.

“O professor é alguém que fica de olho no grupo, que orienta a direção a ser seguida e oferece suporte. O professor faz a sugestão de como conseguir o conteúdo, pergunta aos alunos sobre o andamento do projeto e o ajuda a superar os obstáculos”, diz Young.

A terceira parte, com duração de sete semanas, diz respeito ao desenvolvimento artístico, o que inclui principalmente a literatura. Toda semana há um seminário sobre algum livro que todos, em consenso, devem ler. Além disso, existe espaço para atividades que podem ser escolhidas por cada aluno, como escrever um final alternativo a um romance ou mesmo uma crítica literária – entre os exemplos de obras utilizadas estão Enquanto Agonizo, de William Faulkner, e A Importância de se chamar Ernesto, de Oscar Wilde.

A quarta e quinta fase do programa consistem no desenvolvimento de tarefas individuais e coletivas, respectivamente. As individuais, cujo requisito é apenas a vontade do aluno em desenvolver-se em alguma área, duram 15 semanas, e incluem aprender a tocar piano, construir um barco, conduzir uma experiência científica, fazer um estágio em gastronomia, produzir um vídeo ou escrever um romance. Se necessário, os alunos têm permissão para deixar a escola e contam com a orientação direta de um mentor, que os auxiliam em relação às apresentações finais, tanto para os colegas como para a comunidade escolar.

Já as tarefas coletivas são feitas no final do curso e têm duração de três semanas. Os alunos escolhem algum problema social grave (crise na educação ou problemas ambientais, por exemplo) e criam um plano de solução que possa causar algum impacto direto. As abordagens são interdisciplinares, e o desenvolvimento do projeto pode gerar conflitos entre os alunos, o que faz parte do aprendizado proposto pelo Projeto Independente.

A avaliação das atividades é feita pelos colegas, que discutem os critérios utilizados no julgamento, e pelos próprios alunos diante da apresentação do que foi estudado ao decorrer das semanas. De acordo com as diretrizes pedagógicas do programa, “a avaliação é formativa e tem o propósito de melhorar o trabalho dos alunos, o que tira a pressão da avaliação e a coloca durante todo o processo de aprendizagem”.

A diretora da escola ressalta que os estudantes apresentam, de maneira geral, uma melhora nas notas assim que terminam o curso e retornam ao modelo curricular convencional. Ela nega que o projeto possa deixar um vácuo de conhecimento na formação do aluno e diz que os participantes não tiveram problemas para ingressar em boas universidades, como Oxford e Yale, com uma carta de recomendação feita pela escola explicando como funciona o projeto e quais foram as atividades desempenhadas individualmente que podem servir como diferencial na universidade.

“O projeto tem sido bem recebido por universidades. Os alunos podem focar seus projetos de acordo com a área de interesse que têm no futuro, mas devem também fazer parte do grupo e ter compromisso com as tarefas coletivas”, afirma Young, que se diz contente com os rumos tomados pelo projeto. Sua perspectiva é aumentar a oferta de vagas e implantar cinco alterações: ampliar o curso para um ano; reestruturar o ensino de matemática, que, apesar de despertar mais interesse dos alunos, não teve tanto ganho intelectual comparado ao currículo convencional; enfatizar as reflexões críticas dos estudantes; aumentar o número de professores especialistas à disposição e fomentar o intercâmbio com o resto da escola.

O Projeto Independente tem o intuito de ser implantado em qualquer escola que o adapte às suas realidades e valorize a participação e engajamento do aluno em sua formação para estimular a autonomia, o senso de responsabilidade pessoal e coletivo. De acordo com sua proposta, “esta não é a única solução aos problemas atuais do sistema de educação, apenas uma das inúmeras possibilidades de mudança que podem ser implementadas na escola. Ultimamente, no entanto, o potencial do Projeto Independente é revolucionar o sistema de educação, fazendo os alunos serem os autores do próprio aprendizado”.


TAGS

aprendizagem baseada em projetos, autonomia, ciências, competências para o século 21, ensino médio, escolas inovadoras, interdisciplinaridade

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