Uma beduína na Universidade dos Pés Descalços
Documentário lançado hoje narra a história de Rafea, uma jordaniana que luta para fazer curso de engenharia solar na Índia
por Patrícia Gomes 5 de novembro de 2012
Nada ali naquele espaço de 32 mil m² da cidade indiana de Tilônia, no Rajastão, foi projetado por profissionais: nem o telhado que reaproveita a água da chuva nem a posição de portas e janelas, que otimiza a passagem do vento, nem as placas que transformam energia solar em luz. Os professores não têm diploma e os alunos – na verdade, alunas na maioria – são analfabetos e de regiões rurais. Tudo na Universidade dos Pés Descalços, ou Barefoot College, vem da sabedoria popular. A instituição, fundada há 40 anos, tornou-se referência na Índia por capacitar pessoas de origem pobre a resolverem seus problemas com soluções simples. A partir de hoje o mundo pode conhecer a história de uma delas, a beduína Rafea, 32, pelo documentário Solar Mamas.
Rafea é uma mãe de quatro crianças que aceita o desafio de sair de seu vilarejo pela primeira vez para fazer parte do programa de formação de engenheiras solares – as Solar Mamas – da Universidade de Pés Descalços. Não é uma decisão fácil. A contragosto do marido, ela deixa a Jordânia para estudar na Índia, onde encontra mulheres de vários lugares do mundo, como Guatemala, Colômbia, Quênia e Burkina Faso, com históricos e saberes distintos, mas com a mesma intenção: aprender a transformar energia solar em luz elétrica.
Durante o curso, que dura seis meses, as alunas vivem em comunidade: dormem juntas, cozinham, cuidam do espaço, aprendem que podem fazer muito mais para si e para suas comunidades do que estavam acostumadas. No caso de Rafea, no entanto, apesar de estar vivendo uma experiência única, ela precisa interromper seus estudos. Seu marido ameaça se separar dela e levar consigo os filhos do casal caso ela não volte para casa. Sem opção, a beduína volta, mas não desiste de tentar persuadir seu marido de que seus estudos na Índia vão beneficiar todo mundo.
O programa de engenharia solar da instituição do qual Rafea faz parte já levou luz elétrica para diversos vilarejos indianos e se espalhou em regiões vulneráveis pelo mundo. Durante o TED Global de 2011, Bunker Roy, fundador da universidade, conta como faz para ensinar essas mulheres a transformarem suas vidas e a de suas comunidades: pela linguagem de sinais. Como elas são iletradas e não falam uma língua em comum, são os gestos mesmo que ajudam no compartilhamento de conhecimento. “Nenhuma língua pode ajudar mais no aprendizado do que conviver. Ainda mais no meio do ciclo de vida. Um ambiente aberto de aprendizagem já é suficiente para criar nelas um nível elevado de curiosidade em coisas novas que podem aprender para mudar suas vidas e as da comunidade onde estão inseridas”, disse a instituição ao Porvir.
A opção de apostar nas mulheres, diz Roy no TED, está no fato de que são elas, especialmente as mais velhas, que mais vivem as dificuldades das zonas rurais. Os mais novos, sobretudo os homens, querem um diploma para conseguir um emprego nas áreas urbanas, afirma o fundador. “Por todo o mundo, há essa tendência de o homem querer um certificado. Por quê? Porque eles querem deixar seus vilarejos e ir buscar um emprego nas cidades. Então nós apresentamos essa grande solução: treinar avós”, disse ele no evento mundial.
A Universidade dos Pés Descalços, além do programa que forma engenheiras solares, também tem cursos voltados para resolver problemas de seu cotidiano, como formas de cozinhar com energia solar e artesanatos. “Uma simples solução pode trazer uma grande revolução”, diz a instituição.
A história completa de Rafea pode ser conferida hoje pelo festival Independent Lens e, no Brasil, pelo canal Futura em 28 de novembro, às 21h30. Confira aqui o trailer, com legenda em inglês.