O que o candomblé pode ensinar às crianças - PORVIR
Crédito: Luciano Osorio / Flickr.com

Inovações em Educação

O que o candomblé pode ensinar às crianças

Livro sobre educação nos terreiros mostra como as escolas públicas do Rio de Janeiro se relacionam com o candomblé

por Vagner de Alencar ilustração relógio 2 de agosto de 2012

Na sala de aula, os alunos aprendem a respeitar o próximo, independentemente de sexo, cor ou religião, conhecem uma nova língua – o yorubá, de origem africana–, descobrem como os povos do Togo e de Gana (que falam esse idioma) respeitam a natureza e têm contato com seus mitos e ervas.  Atividades como essas poderiam ser aplicadas às aulas de ensino religioso para ensinar, por exemplo, o candomblé.

Quem aponta esta perspectiva é Stela Guedes Caputo, autora do livro Educação nos Terreiros – e como a escola se relaciona com as crianças de candomblé, que está sendo lançado esta semana em Salvador em meio a uma série de debates gratuitos sobre discriminação e intolerância religiosa nas escolas.

No livro – fruto da tese de doutorado defendida em 2005 –, Caputo mostra a relação entre as escolas da rede pública da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, e as crianças que praticam o candomblé. Para ela, a religião, assim como diferentes espaços e lugares, tanto quanto o cinema ou o teatro, são ambientes de aprendizado.

“O candomblé ensina as pessoas a não serem racistas, preconceituosas, a não desprezar, nem desrespeitar alguém por conta de suas relações ou orientações sexuais.”

Os terreiros, diz, estimulam as crianças a respeitar as diferenças e são considerados “redes educativas”. “O candomblé ensina as pessoas a não serem racistas, preconceituosas, a não desprezar, nem desrespeitar alguém por conta de suas relações ou orientações sexuais. Ajuda as crianças e os jovens, sobretudo os negros, a obterem conhecimentos relacionados a comidas, ervas, história, vestimentas e danças”, afirma.  Segundo a autora, as escolas públicas acabam não conseguindo combater o preconceito religioso, principalmente por conta da intolerância. “Na escola, mais importante do que aprender física ou matemática, é aprender a não ser racista”.

Caputo é professora da Faculdade de Educação da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e estuda o tema desde 1992. Na época, trabalhou como repórter e escreveu, para o jornal O Dia, a reportagem Os netos-de-santo, mostrando as crianças que desempenhavam funções consideradas de adultos no candomblé. “Nos terreiros, muitas crianças desempenham funções específicas, recebem cargos na hierarquia e manifestam orgulho de sua religião. Enquanto na escola, elas são invisibilizadas e silenciadas”, diz.

Segundo ela, essa invisibilidade e esse silêncio aumentaram a partir da aprovação da lei estadual 3459/00, em 2000, que estabelece que as aulas de ensino religioso ficam divididas por credo, são facultativas e incorporam o currículo normal das escolas públicas, desde a educação infantil até o ensino médio. “Com a lei, muitas crianças, mesmo pertencentes ao candomblé, afirmam ser católicas.”

“É preciso trabalhar os aspectos culturais de todas as religiões, do judaísmo ao islamismo, do espiritismo ao catolicismo, das religiões neopentecostais às afro-brasileiras.”

Para costurar a relação entre a prática do candomblé e a vida escolar das crianças, durante os anos de pesquisa, Caputo acompanhou grupos de estudantes, consultou especialistas, conversou com familiares das crianças e com mães e pais-de-santo. “No livro, partilho um pouco do que me ensinaram nas casas de candomblé, tanto as crianças e jovens como suas famílias. Partilho também o que vi de discriminação e racismo nas escolas”.

A discriminação, aponta ela, vem, sobretudo, da ação pedagógica deseducativa que ainda faz parte da diversidade religiosa nas salas de aula, na maioria das vezes, fragmentado ao ensino do catolicismo. “É preciso trabalhar os aspectos culturais de todas as religiões, do judaísmo ao islamismo, do espiritismo ao catolicismo, das religiões neopentecostais às afro-brasileiras.”

De acordo com ela, o candomblé vem sendo trabalhado por meio de iniciativas muito isoladas de alguns professores das escolas públicas do Rio de Janeiro, sobretudo por conta da obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo. É o caso da Escola Técnica Estadual Oscar Tenório, na zona norte, que criou o projeto Malungo, em que desenvolve atividades e apresentações pelos alunos com foco na reeducação das relações étnico-raciais e combate o racismo e a desigualdade racial e social dentro e fora da escola.

Série de encontros

Em Salvador, está sendo realizada, até o próximo sábado (4/08), uma série de debates organizados pela autora para conhecer a realidade das escolas públicas da cidade. Os encontros gratuitos – que ocorrem em universidades, centros de estudos sobre cultura africana e terreiros da cidade – pretendem promover reflexões sobre discriminação e intolerância religiosa nas escolas, por meio dos contatos e experiências com candomblecistas e educadores. (veja a programação completa no blog Gramática da Ira).


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