‘Não tem por que priorizarmos matemática’
Marc Prensky, pensador que cunhou o termo nativos digitais, chega para a Campus Party propondo nova divisão do currículo
por Patrícia Gomes 28 de janeiro de 2013
Pouco mais de dez anos atrás, o pensador norte-americano Marc Prensky escreveu um artigo de quatro páginas que se tornaria um clássico entre educadores de todo o mundo. No texto “Digital Natives, Digital Immigrants”, ele cunhava os termos “nativos digitais” e “imigrantes digitais” para explicar um momento de transição da forma como as pessoas ensinam e aprendem. Os alunos, nascidos já na era da internet, têm muito mais facilidade que seus professores, que tiveram que se adaptar para transitar no mundo da tecnologia. “Nossos alunos mudaram radicalmente. Os estudantes de hoje não são mais as pessoas para as quais nosso sistema educacional foi desenhado”, dizia ele que, mais de uma década depois, parece mais certo do que nunca.
Segundo Prensky, o mundo vive um momento não só de constantes, mas de aceleradas transformações. Nesse novo contexto, em que a tecnologia está presente como uma ferramenta disponível e acessível, não faz mais sentido o conteúdo tradicional, como matemática, português, ciências e humanidades, ser o foco das preocupações. Em vez disso, é preciso repensar o currículo de forma a colocar pensamento, ação, relações humanas e conquistas efetivas no centro. As matérias tradicionais seriam, de acordo com a proposta do especialista, trabalhadas a partir dessas quatro novas dimensões.
Prensky estará amanhã em São Paulo dando palestra na Campus Party, a convite da Fundação Telefônica Vivo. Confira a entrevista que o especialista concedeu ao Porvir.
O senhor cunhou as expressões “nativos” e “imigrantes” digitais há mais de dez anos. O que mudou de lá para cá?
Em dez anos, as pessoas tiveram muito mais experiência com tecnologia digital. A diferença entre um nativo digital para um imigrante digital é que o nativo digital só conhece o novo contexto, não conhece o velho. Quando a gente fala de fotografias em preto e branco, telefones analógicos, parece pré-história para essas crianças. Nem todo mundo tem acesso, mas todas as crianças do mundo conhecem tecnologia, sabem que ela existe. Celulares estão em todos os lugares, mesmo em países pobres. O ambiente em que as crianças vivem hoje é muito digital e muito diferente de quando eu cresci. Tem uma piada muito legal que retrata isso. O avô fala para a neta: “Quando eu era criança, quando eu tinha a sua idade, não havia computadores ou celulares”. A menina olha para o avô e pergunta: “Como é que você acessava a internet?” Eles não conhecem o mundo sem internet.
Outra coisa que é muito diferente é o ritmo da mudança, que está muito mais veloz. E não está ficando mais rápido, está acelerando. O que a gente vê em um país como o Brasil é que metade das pessoas não têm acesso à tecnologia – estou supondo, não sei o número correto –, mas é previsível que, em poucos anos, todo mundo vá ter acesso porque vai ser muito barato e muito mais disponível do que costumava acontecer no passado.
Como ensinar as crianças neste mundo?
Exitem duas questões: uma é como ensinar essas crianças e a segunda, ainda mais importante, é o que ensinar. Como ensinar nós sabemos. Nós temos que fazer uma parceria com as crianças de forma que eles usem tecnologia, resolvam problemas, trabalhem em grupo com a orientação do professor. Apesar de nem todo mundo estar fazendo desse jeito, esse problema está resolvido.
O problema mais díficil é o que ensinar. Estou escrevendo um livro novo agora no qual eu digo para esquecermos a divisão da escola em matemática, língua, ciência, estudos sociais. Vamos dividir em pensamento, ação, relações humanas e resultados efetivos. Vamos ensinar isso para as nossas crianças no contexto do mundo digital, dentro dessas perspectivas é que elas podem aprender matemática, língua, humanidades. Todo mundo vai aprender uma coisa diferente porque cada um tem sua necessidade. Só coisas muito básicas seriam comuns a todo mundo porque o conteúdo muda muito rápido – claro, todo mundo vai aprender a ler.
E como você vê a avaliação nessa abordagem?
Por que a gente avalia as crianças? Não é para ajudá-las, mas para conseguirmos ranqueá-las. O que a gente precisa mesmo é descobrir como as crianças estão indo e ajudá-las a ir melhor. Não é difícil avaliar se uma pessoa é boa em pensar ou não. É só conversar com essa pessoa e fazer algumas séries de perguntas em que se possa medir seu raciocínio lógico, sua criatividade, seu pensamento crítico. É só fazer perguntas. Também não é difícil avaliar as ações de uma pessoa. É mais útil saber se eu consigo pensar bem, agir bem, se relacionar bem e ter bons resultados.
Como preparar os professores para essa realidade? Em algum lugar do mundo eles já estão sendo treinados dessa forma?
Vamos ter que começar de novo nas faculdades de pedagogia. As escolas independentes serão as primeiras a testar esse modelo. Eu tenho dado palestra para essas escolas nos EUA, Austrália, escolas internacionais. Elas são mais livres, não têm que seguir o governo. O mais importante é dizer para as pessoas que a forma que estamos educando hoje não é a única forma. Eu espero que se comece uma grande conversa para repensar a educação. Não apenas para mudar um pouquinho ou fazer a educação antiga um pouco diferente, com um pouquinho de tecnologia, mas dar outra perspectiva sobre o que educação significa no mundo.
Mudando um pouco para os games, como você os vê mudando a educação?
Primeiro eu era muito positivo sobre os games. Em alguns casos eu ainda sou. Mas os games são bons para ajudar a ensinar habilidades, mas não são tão bons para ensinar conteúdo. Se fizermos os games ao redor de conteúdo, vamos precisar fazer games pequenos, cada um destinado a um aspecto do conteúdo. Ninguém fez isso ainda, eu vou tentar.
Quando você diz que vai tentar, o que você quer dizer? Conteúdo ou habilidades?
As duas coisas. Para o conteúdo atual, eu queria fazer pequenos jogos para tudo. Frações, funções quadráticas, gramática ou qualquer tema que se ensine. A criança pode treinar em um game. De ciência a humanidades, da educação infantil ao ensino médio. Sobre a segunda parte, se eu faço games para habilidades, a resposta é: claro. Você tem que fazer muitos games porque o pensamento é feito de vários fatores. Tem o pensamento crítico, o matemático, o criativo.
Em sala de aula?
Não. As pessoas podem interagir por uma rede. Se quase todas as crianças no mundo têm acesso a celular, elas são um ponto de conexão em uma rede. Elas podem aprender sendo um ponto de conexão nessa rede. Os professores ainda podem ajudar, nós ainda teremos escolas porque as crianças ainda estarão seguras na escola – nós vamos ter escola por muito tempo ainda.
Como você vê a escola de 2099?
A essa altura nós teremos outras formas de manter nossas crianças em um lugar seguro. As pessoas não vão precisar deixar as crianças na escola por segurança. Nós vamos descobrir a melhor forma de aprender cada coisa. Algumas vão ser em grupo, outras são individuais, outras em grupos menores, outras em comunidades virtuais.
Como você vê esse movimento dos Moocs e de ensino híbrido?
Isso é tudo parte de uma série de experimentos. Eu tenho visto pais ficarem desapontados ao verem seus filhos fazer parte de um experimento de educação. A resposta para isso é que não tem outra maneira. Eles precisam fazer parte de um experimento porque o mundo mudou e nós estamos aprendendo a nos adaptar.