Professor tem 50 minutos por dia para inspirar aluno
Educadora diz que, diante de tantas famílias desestruturadas, o docente tem o papel de elevar a autoestima dos estudantes
por Vagner de Alencar 10 de outubro de 2012
Ela teria sido administradora de empresas caso tivesse seguido os conselhos de um ex-chefe. Mas decidiu seguir o sonho de menina: ensinar. Fez faculdade de Letras. Passou em um concurso público e optou por dar aulas em uma escola onde pudesse “fazer diferença”. O destino escolhido foi a escola estadual professor Sérgio da Costa – que, em 2008, foi considerada a pior escola segundo o Idesp (Índice de avaliação do governo). “Enquanto os políticos disputam minutos no horário político para impactar a sociedade, os 50 minutos que o professor tem em sala de aula precisam e devem fazer a diferença na vida dos alunos”, diz Sandra Modesto, 34.
A instituição, na época de Sandra, fazia parte das chamadas escolas de lata e trabalhava com turmas lotadas em quatro períodos diferentes. Preocupada em levar a leitura para os alunos e para comunidade do Tremembé – bairro de periferia da zona norte de SP –, a professora criou um projeto de leitura em que por meio de trechos de livros eram trabalhados conteúdos obrigatórios como gramática ou interpretação de texto.
O projeto se expandiu e os alunos passaram não apenas a ler os conteúdos de outros autores, mas também começaram a produzir os próprios textos. “Criamos um jornal quinzenal para que os alunos pudessem escrever colunas e artigos”, afirma. A iniciativa tomou corpo e outras turmas passaram a colaborar. Os alunos montaram uma equipe com chefe de redação, colunistas e repórteres. “Numa comunidade com leitura muito inferior a necessária, eu vi um grupo de crianças com 12 anos, em média, se tornarem os ídolos por escrevem sua história.”
No entanto, a maior experiência de Sandra foi, sem dúvida, a confecção coletiva de um livro inspirado em um dos artigos de seus alunos. Luan Cardoso, na época com 12 anos, escreveu um conto que encantou a professora. “Sugeri que ele transformasse o artigo em livro e ele riu: ‘Como posso professora? Sou pobre e tenho 12 anos.’” Aquilo foi o impulso que Sandra precisava para notar que havia uma barreira muito maior no processo de ensino: autoestima dos jovens.
O que era um mera ideia ganhou forma. O garoto se uniu a outros colegas da mesma idade, Matheus Mendes, Paulo Giordan e Thaís Mariano – que há mais de um ano não faz mais parte da trupe –, para escrever, coletivamente, o livro. Sob orientação de Sandra, a história foi sendo escrita em um caderno a oito mãos durante três meses. O resultado foi a publicação O Segredo dos Amuletos, com 186 páginas. Uma história de aventura inspirada nos ídolos dos jovens na época, Happy Potter e Senhor dos Anéis.
Em 2009, por conta de uma melhora significativa das notas da escola, Sandra recebeu um bônus de R$ 4 mil pago, pelo Idesp e, “em vez de investir o dinheiro na troca do carro”, tirou mais R$ 1 mil do bolso para imprimir 1.000 exemplares do livro. “A publicação, a revisão e o tempo que gastei ajudaram a resgatar o amor e a autoestima da comunidade escolar. Servimos de exemplo para uma multidão de alunos da escola pública”, afirma. O sucesso do livro chegou a Secretaria de Estadual de Educação e a segunda publicação dos jovens, O Segredo dos Amuletos – Testando Todos os Limites, teve tiragem de 500 exemplares bancada pelo órgão e distribuída para salas de leitura de escolas públicas da cidade.
Os autores já participaram de duas últimas bienais do livro, em São Paulo, e da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), no Rio de Janeiro. Atualmente, cursando o ensino médio como bolsistas em colégios privados, os jovens estão escrevendo o terceiro livro da série, que pretende atingir a dez edições. “Muitas pessoas falam que a educação pública não dá certo, que o aluno não aprende e não quer aprender, que classes sociais não mudam. Eu não acredito nisso. Prefiro acreditar no meu trabalho”, diz.
De volta ao berço
Casada e mãe de três filhos, há um ano, Sandra aceitou o cargo de coordenadora pedagógica na escola estadual Pedro de Moraes Victor, perto da casa onde mora, na zona norte de SP. O convite teve um gosto especial. Voltar ao seu berço de estudos: Sandra foi aluna do 1o ao último ano do ensino fundamental. Hoje, como coordenadora, afirma estar confiante e segura com seu novo projeto. “Quando cheguei, a biblioteca estava desativada e os alunos chamavam a escola de Pedro ‘Maloca’. É um novo desafio e que estou instigada a vencer. Quero levar luz a quem precisa, dar a mão a esses professores e seguirmos unidos para aumentar a autoestima dos jovens”, afirma.