A realidade virtual e a aumentada vão transformar a educação? Ainda não - PORVIR
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Inovações em Educação

A realidade virtual e a aumentada vão transformar a educação? Ainda não

Debates no SXSWEdu mostram que expectativas sobre impacto de experiências imersivas e que misturam mundo real e digital para aprendizado são maiores do que resultados práticos

por Tatiana Klix ilustração relógio 9 de março de 2017

A realidade virtual já possibilita que qualquer pessoa possa visitar Paris, surfar no Havaí, andar por dentro das pirâmides do Egito e entrar em um combate da guerra do Vietnã sem se deslocar. Também permite visualizar fora da tela de um computador ou aparelho móvel a imagem em 3D e em movimento do aparelho reprodutor humano ou do motor de um carro. Tais experiências proporcionadas por tecnologias de realidade virtual e aumentada – que vêm sendo aplicadas e têm causado transformações em vários segmentos, como a indústria de jogos, a medicina e a engenharia – aos poucos estão chegando às escolas levando consigo a promessa de revolucionar a educação. Mas como isso vai acontecer e quando as tecnologias de RV e RA se tornarão populares na sala de aula? Qual será a sua contribuição para o aprendizado? Quais os riscos envolvidos em seu uso intensivo?

Mais do SXSWEdu: Escola arranca cultura dos alunos para ensiná-los

Durante o SXSWEdu 2017, evento sobre inovação na educação realizado esta semana em Austin, nos EUA, mais de 20 sessões debateram o tema. O Porvir acompanhou algumas delas para tentar responder a essas perguntas e desvendar qual será o papel das realidades virtual e aumentada na educação. A conclusão é que as expectativas, pelo menos por enquanto, são maiores do que os resultados obtidos em aplicações práticas. As tecnologias estão evoluindo, mas seu uso pedagógico é restrito e controverso.

É muito tentador acreditar que levar alunos para viagens virtuais e ensinar a partir de imagens interativas tornará a experiência de aprendizado mais eficaz e divertida. Ou quem não gostaria de aprender geometria visualizando figuras em 3D que se movimentam? Também é difícil negar o quão engajador pode ser ensinar a história da escravidão no Brasil se os alunos tiverem uma experiência imersiva em uma senzala.

Essas tecnologias podem ser eficientes em alguns casos e contextos, para determinados alunos, mas não são efetivas para serem usadas em qualquer aula

Apesar desses atrativos, não existem pesquisas que mostrem como a realidade virtual beneficia os alunos, segundo Evan Schiff, pesquisador e desenvolvedor de conteúdos e ferramentas tecnológicas. Em sua palestra “The Reality of Virtual – VR Adoption in Schools” (A Realidade do Virtual – A Adoção da Realidade Virtual em escolas), ele enfatizou que a RV não vai salvar a educação. “Essas tecnologias podem ser eficientes em alguns casos e contextos, para determinados alunos, mas não são efetivas para serem usadas em qualquer aula e ainda não sabemos para onde elas vão nos levar”, afirmou. Por isso, poucas escolas abriram suas portas para RV e são raros os conteúdos educacionais disponíveis com intenções pedagógicas claras.

Na sessão “Separating Hype from Reality: AR/VR & Learning” (Separando o Hype da Realidade: RA/RV e Aprendizado), Linda Bush, que desenvolve tutorias online para Pearson, afirmou que quando alunos têm contato com a realidade virtual pela primeira vez sempre acontece um momento “uau”. Passado o impacto da novidade, no entanto, o que se observa é que eles não querem perder a relação com o professor, têm vontade de compartilhar o que estão vendo e experimentando com colegas e querem criar conteúdos. Seu depoimento está conectado com as tendências em RV/RA apresentadas pela consultora para aprendizado imersivo Maya Georgieva na sessão “VR & Mixed Reality Trends: Insights for Educators” (Tendências em RV & Realidades Mistas: Insights para Educadores). Ainda existem poucos criadores de conteúdos educacionais para essas tecnologias, mas segundo a cofundadora da Digital Bodies, eles devem se preocupar em promover aprendizado experiencial, contar histórias e narrativas, promover desafios e proporcionar trocas sociais e a colaboração. Ela citou a plataforma AltspaceVR como uma pioneira nessa tendência. “É o Facebook com realidade virtual”, explicou ao mostrar telas da plataforma que permite a interação com outros usuários em um ambiente virtual.

O futuro é a realidade aumentada, que mistura o mundo real com vídeos e apresentações em 3D

Dan Moller, do estúdio de criação The Mill, que esteve na sessão “Separando o Hype da Realidade: RA/RV e Aprendizado”, disse que os desenvolvedores de jogos já estão conseguindo criar experiências nas quais os usuários conseguem interagir com o ambiente no qual ficam imersos e com outros jogadores, mas ainda não existem materiais pedagógicos assim. Presente no mesmo painel, Mark Christian, diretor de tecnologias imersivas da Pearson, é pouco entusiasta da evolução do uso da realidade virtual em escolas. Segundo ele, a realidade virtual tira o aluno totalmente do mundo real e isso não é resposta para a educação. “O futuro é a realidade aumentada, que mistura o mundo real com vídeos e apresentações em 3D”, afirmou.

Um dos desafios para a popularização de ambas as tecnologias é a preparação dos professores para o seu uso. Segundo Evan Schiff, não é possível formar educadores para usar realidade virtual enquanto ela não for realmente popular também fora da escola. Para o desenvolvedor, ensinar todos educadores desde o básico, como o que é um óculos de realidade virtual até como fazer o uso pedagógico de experiências imersivas, tem um custo muito alto, além de ser ineficiente. “Para aplicar na escola, os professores têm que querer usar RV e ser envolvidos na criação das ferramentas e conteúdos educacionais. Não pode ser de cima para baixo, mas de baixo para cima.”

Na realidade virtual não tem textura, cheiro, gosto, temperatura, não acontece nada inesperado, ou seja, não é a experiência

Herb Coleman, doutor e professor da Austin Community College, é ainda mais pessimista em relação ao uso de realidade virtual na educação. Sua palestra tinha como título a seguinte provocação: “VR Will NOT Save Education; VR Might Destroy It” (RV Não Vai Salvar a Educação; Mas Pode Destruí-la). Segundo o pesquisador, trocar experiências reais por virtuais sem um propósito pedagógico claro é um risco. Ele alerta que ao permitir que as pessoas visitem lugares distantes ou tenham experiências como esquiar e surfar, elas não estão realmente nesses lugares e tendo a experiência completa. “Na realidade virtual a experiência não tem textura, cheiro, gosto, temperatura, não acontece nada inesperado, ou seja, não é a experiência. Um passeio com a turma segue sendo mais interessante”.

Ao longo de sua apresentação, também contradisse outros argumentos daqueles que veem a realidade virtual como uma tecnologia transformadora para o aprendizado. Entre eles, o de que as experiências contribuirão para o desenvolvimento da empatia nos alunos. “Será que a gente precisa mesmo que um aluno se sinta no meio de um bombardeio para desenvolver empatia? Será que todos os textos, fotos, vídeos e notícias não são o suficiente?”, afirmou.

Além disso, ele chama a atenção para o fato de que os dispositivos de realidade virtual não foram desenvolvidos para crianças e que existem inclusive alertas dos fabricantes para que elas não os usem. Por isso, recomenda que os professores tenham objetivos claros com atividades envolvendo realidade virtual e não façam um uso massivo de experiências imersivas. “Se a ideia é fazer uma aula emocionante e divertida, pode ser legal, mas isso não é a solução para o aprendizado”, concluiu.

* Tatiana Klix, editora do Porvir, acompanhou o SXSWEdu in loco


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realidade aumentada, realidade virtual, sxswedu, tecnologia

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Alex Sartorio Coelho

O mundo educacional sempre demonstrou um conservadorismo maior do que em outros setores. E os argumentos utilizados para evitar o uso de Realidade Virtual e Aumentada foram bem fracos e deliberadamente ignorando estudos mostrando a eficiência de seu uso na medicina, industria e militar. Em vários casos se reduziu o número de mortes e tempo de operação. Cito um só para não encher o post de links: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23980026

Veja a fragilidade de argumentos como, só ser eficiente em alguns contextos e que não tem cheiro e gosto, como se em uma sala de aula tivesse o aroma da Amazônia em uma aula de Biologia. Imagina o uso de livros para demonstração de futebol. Cada instrumento deve ter seu lugar. É melhor fazer experimentos de laboratório virtualmente ou não fazer? A grande maioria das escolas do mundo não tem condições de ter um laboratório e mantê-lo, com realidade virtual seria um meio infinitamente mais barato.

O que pude constatar é que tem muitos, mas muitos exemplos ruins de uso educacional, e que na verdade a grande questão é que a área educacional não tem o mesmo orçamento de outros setores da sociedade e isso se reflete na má qualidade dos materiais comparada com outros. E mesmo quando se tem dinheiro para investir esbarra em outras coisas como competência, por ser algo novo e a postura defensiva em relação a inovação que é vista como uma ameaça por não saber lidar com ela.

Será muito difícil uma grande empresa de educação investir pesadamente em alguma tecnologia que irá canibalizar alguns produtos dela. Vemos o grande exemplo da Kodak, tinham em mãos a câmera digital, mas não acreditaram nela e quase faliram. A Realidade aumentada e Virtual para a educação virá com força provavelmente de empresas de fora do setor.

Rawlinson Peter Terrabuio

O interessante no artigo é analisar que os fracos argumentos dos “especialistas” do SXSWEdu estão relacionados a maturidade dos projetos de realidade virtual na educação, ou seja, estamos falando num espaço de menos de 2 anos e de alguns projetos pilotos da tecnologia aplicada (com certeza alguns de baixa qualidade) e eles já conseguiram concluir:

“… não existem pesquisas que mostrem como a realidade virtual beneficia os alunos, segundo Evan Schiff, pesquisador e desenvolvedor de conteúdos e ferramentas tecnológicas.”
“..Ainda existem poucos criadores de conteúdos educacionais para essas tecnologias”
“Mark Christian, diretor de tecnologias imersivas da Pearson, … segundo ele a realidade virtual tira o aluno totalmente do mundo real e isso não é resposta para a educação”
“…Um dos desafios para a popularização de ambas as tecnologias é a preparação dos professores para o seu uso. Segundo Evan Schiff”
“Herb Coleman, doutor e professor da Austin Community College… segundo o pesquisador, trocar experiências reais por virtuais sem um propósito pedagógico claro é um risco.”

E nenhum dos especialistas tratou da questão fundamental:
A linguagem de comunicação.

Sempre olhando pra dentro, tentam preservar seu status quo e desconstruir os avanços da ciência e pior, os avanços da neurociência em relação a Cognição Situada e Aprendizagem Ubíqua.

O mundo mudou completamente, e a educação não mostra força para acompanhar essa mudança, estamos na Era Exponencial… Há apenas 60 anos éramos 2,5 bilhões de pessoas, hoje já somos 7,5 bilhões e não vamos parar por aí… (http://www.worldometers.info/br/)
Nosso mundo atual tem excesso de informação, nossas crianças e jovens nasceram na frente de uma tela (de TV, de computador, de um tablet e agora de um smartphone) elas consomem, aprendem e se comunicam através dessas mídias.

Elas consomem e agora também produzem vídeo, desde a hora que acordam até a hora que vão dormir, (com excessão do tempo que passam na escola) até 2019, 80% de todo o tráfego da internet no mundo será de vídeo. Confúcio há 2500 anos atrás já ensinava sobre o poder de comunicação dos símbolos e das imagens (Uma imagem vale mais do que 1.000 Palavras ensinava o mestre) em 2013 o Forrester Research fez as contas e chegou ao seguinte resultado: “1 minuto de vídeo equivale a 1,8 milhões de palavras”
E a realidade virtual? Trata-se do último passo antes da prática.

E ninguém é maluco para discordar de que a prática é o melhor caminho, mas conseguimos fazer isso com tanta gente no mundo? Conseguimos educar as pessoas para um mundo globalizado sem lhes mostrar o mundo como ele é? Conseguimos fazer isso sem usar tecnologia?

A tecnologia é onipresente no cotidiano da maioria das pessoas do planeta, com excessão da escola. Então o que está errado?

Para grupos, como o de Editoras e Sistemas de Ensino apostilados que pretendem manter seus negócios de impressão, sem dúvida a RV/RA e RM (realidade mista) não vão impactar a educação, pois certamente eles precisarão se reinventar, seus negócios em centenas de países estão ameaçados, inclusive o “bem pensado” PNLD aqui no Brasil, onde o aluno não pode escrever nas respostas do livro porque o livro tem que durar 3 anos, fiquemos com a cena: Mais de 40 milhões de alunos (seres hiperconectados, seres multimídia em evolução) no Brasil em quase 100% das salas de aula copiando perguntas quase abstratas e já impressas para um caderno. Belo incentivo à criatividade.

Não vejo estes especialistas falarem por exemplo sobre a leitura em Kindle/Tablets/Notebooks/Smartphones versus a leitura em livros, e porque não falam? Porque ficou mais barato e lucrativo distribuirem seus conteúdos nessas mídias, geram um arquivo em PDF e pronto, mas essa mudança é boa para a leitura, para a memória? A neurociência já provou que não, que a nossa biologia está preparada para ler em um livro de papel, que nosso cérebro guarda a cor da página, o tipo de letra, a cor da letra, sua posição na página, onde colocamos nossos dedos para mudar a página, o peso do livro etc. tudo isso é usado no processo de reter memória de longo prazo, porque nosso cérebro guarda imagens, sensações e emoções… na leitura em um dispositivo tipo o Kindle, ou num tablet, notebook, ou smartphone tudo isso se perde, retemos memória de curto prazo mas não de longo prazo. Isso os especialistas não discutem… Que as novas mídias estão sendo usadas para coisas a que não se prestam… ainda, pois somos seres em evolução, a biologia das próximas gerações vai se adaptar a leitura em tela e reter memória de longo prazo, mas estamos em transição. Aqui está o problema: Conflito de gerações, conflito de comunicação. O livro ainda não está morto (o de literatura tem vida longa! não o didático moribundo), isso não é contradição, é observação científica.

Em favor de nossas crianças e jovens que precisarão desenvolver habilidades sócio-emocionais, que precisarão aprender a dominar a linguagem de comunicação que o mundo está utilizando (a qual já está transformando diversas indústrias, como a do entretenimento e a do cinema) e entrando em áreas sensíveis como a da medicina e da psicologia. Em favor de nossas crianças e jovens que irão trabalhar com essas mídias no futuro, que vão trabalhar em profissões que ainda nem foram inventadas, é imperativo que façamos algo a esse respeito, que sejamos mais inteligentes no uso dos recursos, que tenhamos a compreensão que a linguagem está em transformação … Não podemos dar às costas a essa Realidade.

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