STEM: o movimento, as críticas e o que está em jogo - PORVIR
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Inovações em Educação

STEM: o movimento, as críticas e o que está em jogo

Mais do que uma metodologia, sigla representa um movimento surgido a partir da transformação de sistemas educacionais

por Gustavo Pugliese ilustração relógio 23 de abril de 2018

O STEM education (Science, Technology, Engineering, and Mathematics) apareceu, com essa denominação, recentemente no Brasil, embora a ideia exista há algumas décadas. Além de recente, ocorre de uma maneira peculiar. Muitas vezes é apresentado como uma metodologia de ensino embasada em um currículo inovador, ou seja, como uma forma de se ensinar algo nas escolas sem usar o temido modelo tradicional. Entretanto, STEM education (ou educação STEM, em português) não é exatamente uma metodologia, mas sim um movimento, resultado de uma transformação maior que muitos sistemas educacionais vêm passando globalmente.

Muito além do que apenas uma forma de reunir as quatro áreas (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) em um único termo, STEM education foi rapidamente se tornando popular nos EUA por trazer consigo características de uma época marcada pela revolução tecnológica e pela busca por inovação nos modelos educacionais.

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Breve história

Na década de 1990 e início dos anos 2000, algumas publicações (1), relatórios (2) e resultados de avaliações de desempenho escolar agiram de modo sistêmico para constatar duas questões principais: a primeira delas é a de que os EUA estavam à beira de um colapso econômico e empregatício, pois haveria uma grave escassez de profissionais qualificados nas áreas STEM, de tal forma que isso constituiria uma ameaça iminente à liderança econômica do país. A segunda é a de que os alunos estadunidenses vinham apresentando baixo desempenho em exames internacionais padronizados como o PISA (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Alunos) de 2000 (3), considerado a principal referência mundial para avaliar a qualidade do ensino nos diferentes países.

E ainda, relacionado às duas questões, havia o baixo interesse dos alunos em seguir carreiras STEM em função do desinteresse pelas carreiras científicas em geral, algo fruto de um modelo de ensino engessado e pouco estimulante. Era nítido que a grande maioria das escolas e dos currículos não acompanhavam as transformações tecnocientíficas, tampouco as inovações pedagógicas, tornando o ensino de ciências pautado em um modelo arcaico e cada vez mais distante da realidade dos alunos.

Tudo isso fez com que, nos anos 2000, o STEM education se tornasse uma prioridade nos EUA. Essas problemáticas atuaram como um incentivo para uma série de mudanças educacionais do país, como reformas curriculares, surgimento de organizações não governamentais, programas educacionais estatais e privados e muita presença do termo STEM education na mídia.

Gráfico STEM

Para resumir, nos EUA, STEM education é a base de grande parte das reformas e programas educacionais recentes. Basicamente, tornou-se uma palavra chave e, por isso, acaba sendo incluída em qualquer proposta educacional. Pode-se dizer que lá nos EUA o STEM education é uma verdadeira febre. Foram criadas escolas específicas de STEM, bilhões de dólares são injetados anualmente em inúmeros programas STEM e foi instaurada entre os legisladores e educadores um direcionamento dos alunos para as carreiras STEM (leia-se, não para as áreas humanas, pois estas significariam, na visão deles, um desperdício de mão de obra produtiva). Por exemplo, o ex-Presidente Barack Obama declarou (4), em 2013, que STEM era uma prioridade nacional e investiu em inúmeras medidas para “formar um exército de professores nas áreas STEM”. A ideia é de que era preciso banhar as crianças desde a pré-escola com atividades STEM, para que então elas “optassem” futuramente por essas profissões.

Que tipo de reforma está em jogo?

Dado esse breve contexto, continua a pergunta: o que é afinal o movimento do STEM education?  Para responder, é importante primeiro levar em conta que as propostas STEM education são heterogêneas entre si. Não há uma linha universalmente definida, embora seja possível pensar em algumas características comuns para o movimento. Como veremos, STEM é, sobretudo, marcado por contradições. Afinal, é algo que vem sendo construído a várias mãos e a interpretação sobre como ele deve ser varia muito entre empresários, legisladores, professores, alunos e pais. O que temos são alguns princípios que ajudam entender globalmente uma visão de metodologia, currículo e papel da escola, por exemplo.

Em termos de metodologia, está em seu cerne a aprendizagem baseada em projetos (ou desafios). O STEM education ganhou espaço justamente porque seus defensores trabalham com a ideia de modificar as formas de ensino e aprendizagem expositivas, pouco envolventes, descontextualizadas e conteudistas. O estímulo à curiosidade associado com atividades que requerem mais participação dos alunos (atividades mão na massa, do inglês hands-on) é o principal no STEM, para tornar o aluno mais engajado com os temas de ciências. O fato de se apropriar de uma metodologia mais participativa, contudo, não pode ser traduzido automaticamente em uma abordagem construtivista, como é por vezes difundido.

Em termos de currículo, STEM preconiza a conexão das quatro áreas. Trata-se de uma perspectiva que entende o conhecimento como integrado entre as diferentes áreas ou, como acontece frequentemente, é organizado por competências. Embora traga essa ideia de integração, isso ainda é alvo (5) de muito debate, uma vez que muitas das iniciativas STEM falharam em estabelecer uma transdisciplinaridade genuína. Infelizmente, muitas propostas apresentam uma visão simplista ou limitada do que compõe um currículo integrado, porque tratam sobre temas das quatro áreas, mas não estabelecem relações entre ou além deles e ignoram a história das propostas de integração curricular (6). Ademais, algumas dessas iniciativas excluem as artes e ciências humanas, e mesmo aquelas que se propõem a integrar as artes e advogam pelo uso do termo STEAM (Science, Technology, Engineering, Arts, and Mathematics) são criticadas por fazerem das Artes uma ferramenta (que serve para ilustrar, por exemplo) e não verdadeiramente um campo do conhecimento integrado.

Muitas das críticas em relação ao currículo das propostas STEM são fundamentadas no fato de que elas perpetuam o otimismo tecnológico, uma visão positivista, determinista e neutralista da ciência

Além disso, muitas das críticas em relação ao currículo das propostas STEM são fundamentadas no fato de que elas perpetuam o otimismo tecnológico, uma visão positivista, determinista e neutralista da ciência (7). Ou seja, há uma fé na força do progresso e a valorização de que a tecnologia é capaz de resolver todos os problemas gerados pelo uso dos recursos naturais. Além disso, há a crença de que a ciência é ideologicamente neutra e livre de interesses, e ignora-se a sua natureza controversa e social, bem como aspectos da natureza e filosofia da ciência. Em relação ao tema da sustentabilidade nas abordagens STEM, uma das críticas é de que ela é trabalhada sem sua dimensão social e ética.

São justamente essas características que mais colocam em xeque o potencial do STEM education de melhorar a qualidade do ensino de ciências. Afinal, como pode uma proposta contribuir com a alfabetização científica das crianças se ela ainda traz resquícios de uma visão de ciência do século passado? E como pode uma proposta ampliar os horizontes e contribuir com as competências dos alunos se ela só percebe uma perspectiva enviesada da ciência e uma parcela do que constitui o cidadão crítico capaz de atuar no mundo?

Por outro lado, ainda pensando em currículo, STEM education tem como bandeira levar para a sala de aula temas contemporâneos da ciência e tecnologia. Isto é, busca incorporar algo que até poucos anos atrás não fazia parte do vocabulário do professorado: computação, robótica, programação, engenharia, tecnologia, design, ambientes virtuais, aplicativos, smartphones, games e por aí vai. Tal incorporação tem gerado pelo menos dois efeitos positivos no ensino de ciências. Um deles é que há um esforço, muitas vezes bem-sucedido, do ensino de ciências estar constantemente atualizado e ligado na inovação, mas sem perder de vista alguns de seus conceitos-bases. O outro efeito, e que extrapola a dimensão curricular, é o de promover iniciativas de aperfeiçoamento profissional e formação de professores. São incontáveis, em diversos países, os programas de formação de professores, sejam eles governamentais ou independentes. Quase invariavelmente a via de entrada de qualquer programa STEM na sala de aula começa pela formação de professores, o que é positivo no sentido de promover capacitação do corpo docente de ciências para um currículo mais atualizado.

No que diz respeito ao papel social da escola, pode-se dizer que em geral as propostas STEM education procuram relacionar as atividades escolares com as práticas profissionais. Isso quer dizer que a origem do movimento ligada a uma demanda do mercado de trabalho traz como principal consequência a concepção da escola como sendo um processo de preparação para a vida profissional e para atender as necessidades da economia, ou seja, um modelo tecnicista de escola.

Em resumo, é preciso pensar no STEM education como fruto de uma tendência do nosso tempo. Isso quer dizer que ele tem todas as marcas (positivas e negativas) vivenciadas pela educação atualmente. E que teve seu momentum por se estabelecer como uma solução para os problemas educacionais e econômicos (8) dos EUA, independentemente se esses problemas realmente existem e se essa é mesmo a melhor solução (9).

STEM no Brasil?

Embora tenha enfatizando a situação nos EUA, esse fenômeno disseminou-se, em graus variados, também para o Reino Unido, Austrália, Canadá, França, Japão, China, entre muitos outros países. Da mesma forma, acabou chegando em países com menor grau de industrialização tecnológica, como o Brasil e Índia, por exemplo. No caso do Brasil, o que vemos, entretanto, é um movimento de STEM education ainda tímido ou com expressão indireta em algumas propostas.

Algumas escolas de ensino básico particulares e de idiomas, por exemplo, têm buscado difundir um modelo de educação bilíngue mesclado com atividades em STEM. Também é possível notar uma crescente demanda por escolas e cursos privados (tanto cursos de férias quanto de longa duração) com temas de robótica, games, programação e atividades relacionadas. Algumas franquias embasadas em STEM estão se popularizando cada vez mais em todo o Brasil. Da mesma forma, escolas particulares de ensino médio e fundamental têm reformulado o próprio currículo de ciências para inserir os temas do STEM, design thinking e da aprendizagem baseada em projetos. Não é incomum que parte da propaganda da implementação desses modelos valorize o uso de uma metodologia estadunidense e de uma formação voltada para competências da vida profissional. No âmbito da educação pública, observa-se pouca presença do STEM education promovida por ações governamentais. Por outro lado, algumas ONGs e grupos independentes têm atuado na formação de professores e incentivado a adoção do ensino de ciências baseado em STEM education.

O movimento STEM no Brasil não tem a mesma dimensão que em outros países como os EUA, pois não faz parte de uma política educacional sistematizada no país

Ou seja, em termos de presença direta, o movimento STEM no Brasil não tem a mesma dimensão que em outros países como os EUA, pois não faz parte de uma política educacional sistematizada no país. Apesar disso, é possível encontrar muitas das bases do STEM education nas recentes propostas de reforma da educação, por exemplo a reforma do Ensino Médio e o programa Ciências sem Fronteiras. As marcas de uma educação STEM são facilmente identificáveis nas reformas educacionais brasileiras, mesmo que o termo STEM não seja propriamente adotado.

Duas décadas de STEM

A partir desse panorama e da trajetória que o movimento STEM percorreu nas últimas duas décadas, a principal questão a ser feita é sobre quais avanços trouxe para a educação em ciências. Essa é, ao mesmo tempo, a mais difícil de ser respondida. Isso porque a experiência em STEM education mostra uma reforma em partes positiva no ensino de ciências, ao mesmo tempo que imprime tendências bastante tecnicistas na educação e reproduz a visão determinista e neutralista da ciência, além de refletir um modelo ligado à performance e à competitividade.

Muito conteúdo embasado em STEM foi produzido desde então e pode-se dizer que há opções ricas para serem utilizadas em sala de aula. Houve também muita pressão de entidades e universidades para promover mais inclusão de minorias não representadas em STEM, especialmente mulheres, além de pressão por mudanças nos métodos de ensino expositivos ou pautados no modelo tradicional. Entretanto, estamos longe de dizer que STEM traz todas as respostas que a educação em ciências procura. Por isso, ao optar pelas propostas STEM education é crucial que se entenda o que elas realmente significam e dentro de qual contexto estão embutidas, além de não o fazer de maneira acrítica.

Referências

1. Friedman (2005). The world is flat. A brief history of the twenty-first century. New York: Farrar, Straus and Giroux.
2. NATIONAL ACADEMIES PRESS. Rising above the Gathering Storm. Washington, D.C.: National Academies Press, 2006. Disponível em: <https://goo.gl/qyGrv2>. Acesso em: 23 fev. 2017
3. Organisation for Economic Co-operation and Development. Literacy Skills for the World of Tomorrow: Further Results from PISA 2000. OECD. Paris, 2003. Disponível em: <https://goo.gl/R1sD3B>. Acesso em: 20 set. 2017
4. “Nós precisamos fazer disso uma prioridade, para treinar um exército de novos professores nessas áreas [STEM], e ter certeza de que todos nós como um país estamos dando o devido reconhecimento que essas áreas merecem. ” Obama (2013b) apud (Bell, 2016, p. 63) [Tradução livre]. In: BELL, D. The reality of STEM education, design and technology teachers’ perceptions: a phenomenographic study. In: International Journal of Technology and Design Education, v. 26, p. 61–79, 2016.
5. ENGLISH, L. D. STEM education K-12: Perspectives on integration. In: International Journal of STEM Education, v. 3, n. 1, p. 3, 2016.
6. LOPES, A. C.; Políticas de integração curricular. Rio de Janeiro: Ed. da UERJ, 2008.
7. FEINSTEIN, N. W.; KIRCHGASLER, K. L. Sustainability in Science Education? How the Next Generation Science Standards Approach Sustainability, and Why It Matters. In: Science Education, v. 99, n. 1, p. 121–144, 2015.
8. YI XUE; LARSON, R. C. STEM crisis or STEM surplus? Yes and yes. In: U.S. Bureau of Labor Statistics – Monthly Labor Review, v. 5, p. 1–15, 2015.
TEITELBAUM, M. S. The Myth of the Science and Engineering Shortage. In: The Atlantic, p. 8, 2014.
9. BLACKLEY, S.; HOWELL, J. A Stem Narrative: 15 Years in the Making. In: Australian Journal of Teacher Education, v. 40, n. 7, 2015.


TAGS

aprendizagem baseada em projetos, ciências, competências para o século 21, educação integral, educação mão na massa, educação online, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, equidade, personalização, tecnologia

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