10 perguntas que toda escola privada deve responder em período de matrículas
O Porvir reuniu gestores e especialistas em educação para listar as 10 perguntas mais comuns para escolas particulares e como respondê-las
por Luciana Alvarez 12 de setembro de 2024
Chegou a época do ano em que muitas famílias visitam as escolas particulares em busca de conhecer melhor a instituição onde pretendem matricular os filhos. Elas querem ver o local, mas chegam também com uma série de dúvidas sobre o projeto pedagógico e os demais processos.
A resposta certa deve ser sempre a verdade: é preciso, acima de tudo, ter um discurso condizente com a prática. Porém, é bom que os profissionais que recebem as famílias estejam preparados para responder algumas perguntas incômodas, sabendo justificar com clareza as escolhas da instituição.
O Porvir ouviu gestores escolares e especialistas em educação e pediu que compartilhassem as 10 perguntas mais comuns para as escolas particulares, e a melhor maneira de respondê-las. Confira as recomendações:
Segurança
1) Como a escola vê a questão da segurança dos alunos?
A segurança costuma ser a preocupação número um das famílias. “Ela aparece claramente como a primeira pergunta dos pais. É uma angústia que advém dos tempos atuais, de termos violência urbana e ataques em escolas”, diz Adriana de Melo Ramos, coordenadora da pós-graduação em relações interpessoais do Instituto Vera Cruz. Segundo ela, os pais ficam tranquilos ao saber como se faz a segurança dos espaços físicos – se há muros, portões, câmeras e alarmes – mas também querem entender como se acessa a escola, quem tem autorização para entrar e como são escolhidos os funcionários.
2) Quais programas de prevenção à violência existem na escola?
Além do risco de agressores externos, o bullying é uma preocupação real para os mais jovens – e um tema que tem tirado o sono dos responsáveis. “Eu apostaria em mostrar se há trabalho efetivo de convivência, apontar para o lado positivo, indicar estratégias para criar um clima amistoso”, afirma Adriana.
Destacar os programas preventivos é interessante até porque, às vezes, questões sobre bullying podem vir de quem já viu o filho praticar ações desse tipo com colegas. “Pode ser alguma transferência por ter feito bullying. Esse estudante tem que ser visto como um sujeito que precisa de ajuda dentro do ecossistema, que precisa de apoio e não de expulsão”, diz Juliana Diniz, diretora de novos negócios da Somos Educação, um dos principais grupos de soluções educacionais do Brasil.
E nem todos os comportamentos violentos devem ser resumidos a bullying. Uma escola que sabe identificá-los da forma correta também está em melhores condições para encontrar soluções. Conheça o especial do Porvir que trata do assunto.
📳 Inscreva-se no canal do Porvir no WhatsApp para receber nossas novidades
Finanças
3) Consigo um desconto?
Se tem uma informação que as famílias buscam antes de visitar a escola é o valor das mensalidades; se estiver acima ou abaixo da faixa que buscam, nem vão pessoalmente conhecer o local. Mas isso não significa que não busquem formas de pagamento mais interessantes ou peçam descontos.
“Na faixa entre R$ 2 mil e R$ 4 mil, as famílias estão muito austeras nas negociações, pedindo descontos. Quando a gestão não é tão profissionalizada, pode acabar cedendo, e isso pode levar a uma descompensação. Vejo escolas cheias de alunos e, mesmo assim, com dificuldades financeiras. O importante é ter uma proposta de valor que consiga se sustentar para as famílias e uma política clara de descontos, para que não sejam concedidos de forma arbitrária”, afirma Juliana.
4) O que acontece se eu atrasar a mensalidade?
Desde a pandemia, quando muitos pais perderam renda e precisaram tirar os filhos da escola particular, esse tipo de questionamento vem aparecendo. “Além de negociar descontos, muitos pais procuram possibilidades diferentes de pagamento. Pedem benefícios no material didático, querem formas diferentes de parcelamento. Às vezes, o melhor caminho é procurar parceiros que façam financiamento estudantil”, recomenda Alcino Ricoy Junior, presidente-executivo da Eego Digital, empresa de marketing digital.
Ao ouvir esse tipo de pergunta, o responsável pela escola deve encarar como uma forma de maturidade, não como um indicativo de que as famílias já pretendem ficar inadimplentes. A gestão deve elaborar como uma possível inadimplência traz efeitos sobre os valores que a instituição prega. “Uma escola que diz que trabalha o acolhimento não pode simplesmente fechar as portas; ela tem que entender o momento e oferecer opções”, sugere Alcino.
Qualidade
5) É uma escola reconhecida pelo bom desempenho dos alunos?
As famílias querem que seus filhos se desenvolvam do ponto de vista cognitivo e acadêmico, mas há diversas formas de tentarem avaliar se isso de fato acontece. A mais tradicional talvez seja a de aprovações em vestibulares e notas no Enem. “É algo natural. Quando levo minha criança, mesmo pequenininha, estou olhando para o futuro dela. Mas hoje também é interessante mostrar outros resultados, como ter alunos medalhistas em olimpíadas de conhecimento, por exemplo”, diz Alcino.
Outro ponto que tem sido cada vez mais comum é pedir para conhecer o material didático usado, diz Adriana, do Instituto Vera Cruz “A escola precisa ter clareza sobre sua proposta e segurança de que ela se reflete no material escolhido”, afirma.
6) Ensinam inglês de verdade?
Com o crescimento de escolas bilíngues, as famílias vêm cobrando como é a aprendizagem de inglês, mas ainda de forma pouco “qualificada”, segundo Juliana, da Somos Educação: “Elas não conseguem diferenciar de fato uma escola bilíngue, se tem um programa bilíngue, ou se é só uma carga horária de inglês estendida. A falta de uma legislação aprovada também dificulta o entendimento”.
Portanto, mais do que dizer o que é feito e dar explicações teóricas, pode ser interessante mostrar os resultados na prática, levando alunos para conversar em inglês ou mostrando projetos em que precisaram se expressar nesse idioma. “Quando mostro meus alunos fazendo apresentações em outro idioma, torno tangível que eles de fato aprenderam”, diz Alcino, da Eego Digital.
Telas e convivência
7) Qual a política sobre o uso de celular e outras telas?
Este é o assunto do momento, uma polêmica que tem levado a discussões em quase todas as instituições de ensino. “As famílias têm tido muito contato com pesquisas e matérias sobre os malefícios do uso. Não querem saber só do uso do celular, mas como são os usos de telas no pedagógico”, afirma Juliana. De certa forma, o que se vê hoje é uma inversão do que a maioria dos pais esperava até pouco tempo atrás.
“As escolas vendiam muito fortemente que tinham boas tecnologias, mas agora os pais passaram a questionar o excesso de telas. A escola tem que fundamentar bem quando sua prática estiver atrelada ao uso de telas”, aconselha.
8) Como a escola desenvolve habilidades socioemocionais?
“Antes, as famílias queriam um ‘ensino forte’” para o mercado de trabalho. Isso não desapareceu, mas agora há novas questões presentes”, diz Adriana, do Instituto Vera Cruz. Além de saber conteúdos, os pais desejam que seus filhos aprendam a se comunicar, desenvolvam autoestima e autorregulação, tenham boas relações interpessoais, sejam criativos, críticos e felizes.
Segundo Adriana, a figura do professor e auxiliares é central neste ponto. Portanto, a escola deve mostrar que tem profissionais bem-preparados e acolhedores. “Muitos alunos ficam no período integral, e chegam a conviver mais com os adultos da escola do que com a família. As relações perpassam tudo na escola — e o professor tem que ser justo, saber mediar, lidar com situações de conflito”, explica.
Diversidade
9) É uma escola progressista ou conservadora?
Talvez essa não seja a forma exata como a pergunta será formulada pelos pais, pois é uma dúvida que pode ser expressa de diferentes maneiras. Pode surgir como um questionamento se a escola adota a linguagem neutra, ou se o banheiro é separado entre meninos e meninas, ou ainda como a gestão trabalha com a diversidade no quadro de funcionários. A escola pode até receber perguntas claramente preconceituosas. “Já vi pais perguntando se é uma escola de todes, ou se segue os valores das famílias”, conta Juliana, da Somos Educação, em referência à linguagem não-binária.
Embora a resposta sobre a separação dos banheiros possa ser simples, é importante que se perceba o que move a questão – ou seja, se a pergunta tem a ver com “aceita e acolhe estudantes e suas diversas características ou mantém preconceitos vindos do lado de fora da escola?”. “A polarização política e social se reflete também na escola, e essas perguntas são de alta complexidade. Por mais que a escola queira responder à expectativa de certas famílias, ela precisa de um posicionamento bem elaborado, pois se trata de valores que não deveriam ser negociados”, diz ela.
10) Existe um projeto de inclusão de pessoas com deficiência?
Hiperatividade, autismo, dislexia e outros transtornos: quem trabalha em escolas há mais de uma década provavelmente já sentiu que tem crescido o número de crianças e adolescentes com essas questões matriculadas em turmas regulares. O tema tem chamado a atenção também das famílias.Contudo, a inclusão, que é uma garantia por lei, pode não ser vista como um valor positivo para alguns pais, ainda preconceituosos e desinformados.“Tem muitos pais preocupados porque seus filhos são crianças com laudos, que precisam de inclusão real. Mas tem algumas famílias que aparecem com outra visão, questionando se não vai ter aluno de inclusão ‘prejudicando a turma’, constata Juliana. Mais uma vez, o importante é a escola explicar suas práticas e valores de forma clara para todos, sem abrir mão de destacar seu papel social e de garantia de direitos para todos e em todos os níveis de ensino.
Negar matrícula é inconstitucional e um crime. O projeto de lei 9133/17 prevê que escolas que se recusem a matricular alunos – incluindo os com deficiência – tenham o credenciamento suspenso pelo poder público. Contudo, algumas escolas particulares ainda conseguem burlar a legislação, apresentando outros argumentos como falta de vagas ou que acabou a cota de estudantes com deficiência. Confira mais sobre o assunto nesta reportagem do Porvir.