Como não perder os Guimarães Rosa da infância - PORVIR

Inovações em Educação

Como não perder os Guimarães Rosa da infância

Educador especializado em desenvolver a capacidade criativa dá sugestões de como estimular a poesia nos pequenos

por Patrícia Gomes ilustração relógio 6 de maio de 2013

Um dia, o neto do educador Severino Antonio o puxou para fora de casa. Queria se deitar no chão de braços abertos para ver o céu estrelado. Intrigado com o que via, virou-se para o avô e perguntou: “Quem é a peixa mãe de todas as estrelas?”. Se o céu é um mar, o menino estava mais do que certo de ter essa dúvida. “Isso é Guimarães Rosa puro”, emociona-se o avô. “Nas minhas aulas, pego frases ditas por crianças e atribuo a um grande autor. Ninguém duvida que eu esteja falando a verdade”, diz ele, que é professor de redação e leitura, literatura, poesia e lança amanhã o livro Uma Pedagogia Poética para as Crianças, uma publicação escrita em parceria com a também educadora Katia Tavares, que tenta trazer ao debate a necessidade de se adotar uma abordagem de educação que preserve a natureza das crianças e as prepare para o que vão encontrar na vida real.

“Todas as crianças são questionadas, filosóficas e poéticas. Elas não são folhas em branco, são seres em formação”, diz Antônio. Mas os sistemas escolares e até mesmo os professores acabam inundando alunos muito novos com modelos pré-moldados que os desestimulam a agir conforme sua natureza, acredita ele. “É comum crianças perguntarem coisas como: ‘quem é o Deus de Deus?’ ou ‘quando nasce o mundo?’. São questionamentos levados pela mais alta filosofia. Não podemos deixar com que isso se perca.”

Como não perder Guimarães Rosas na infânciacrédito vukas / Fotolia.com

O risco que se corre com a perda da sensibilidade poética e filosófica, diz ele, é dissociar a experiência do viver da do aprender. “A criança tem que ser o sujeito do que aprende”, afirma Antonio. Os problemas de um sistema que não estimula a criatividade nas crianças vai trazer consequências lá na frente, na vida escolar, com estudantes menos donos de seu aprendizado, e também no mercado de trabalho. Em 2010, cita Antônio, a IBM fez uma pesquisa com 1.500 CEOs de empresas espalhadas por mais de 60 países. Foi-lhes perguntado qual era a característica mais importante para um líder e 60% deles responderam que era a criatividade. “Isso cria um paradoxo. Na escola, não estimulamos as crianças a serem criativas. No mercado de trabalho, isso será cobrado delas”, diz ele.

A responsabilidade para que uma abordagem mais adequada ocorra é compartilhada, acredita o educador. “A formação do professor não é só na universidade. É no dia a dia. Ele aprende enquanto ensina”, diz Antônio, fazendo referência a Paulo Freire. Assim, nas suas aulas em formações de professores, ele sugere que seus alunos aprendam com as crianças, com outros colegas e até criem o hábito de aprender com o espaço público. “Por maior que seja o poder do sistema, o professor tem um espaço, uma brecha de liberdade em sala de aula. Nem sempre é fácil encontrá-lo, mas ele existe”, afirma.

Para o professor, essa nova abordagem não é fácil nem existe uma receita de bolo para ela. Mas cita exemplos de formas de estabelecer conexões com os pequenos que podem fazer com que a criatividade não se perca. Confira, a seguir, algumas sugestões de práticas.

1. Conversar com crianças, desdobrar as metáforas que elas criam;
2. Motivar que elas façam descobertas no mundo; curiosidade é algo muito natural aos pequenos;
3. Permitir que as crianças pensem por imagem, em vez de obrigá-las a absorver modelos prontos e definições descontextualizadas;
4. Estimulá-las a partir de exercícios de comparação, para desenvolver sua capacidade analógica;
5. Fazer o exercício criativo do estranhamento, em que se descreve uma coisa sem dizer o que é nem para que serve;

O livro será lançado amanhã na sede do Instituto Alana. Ele é dividido em três partes. Na primeira, os autores trazem as discussões sobre a pedagogia poética como uma forma de abordagem da educação com exemplos de como explorar essa dimensão; na segunda, eles trazem sugestões de como “poetizar o pedagógico” no cotidiano da escola, com exemplos verídicos de comunicados normais na rotina da escola (como um texto para reunião de professores ou boas-vindas para um novo semestre escolar) feitos de forma sensível; na terceira, trechos poéticos protagonizados (vividos, ditos ou escritos) por crianças. Já é possível comprá-lo no site da editora por R$ 35.


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educação infantil, socioemocionais

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Rosane

Excelente texto! Recomendado a todos que trabalham com educação, principalmente aos que não valorizam os estímulos que levam à criatividade. As ideias que nascem em classe são pontos de partida para a verdadeira aprendizagem. O exercício de criar será sempre importante bagagem no decorrer da vida.

Joao Lacerda

Eles vão estar no Instituto Alana para discutir justamente esse tema.

http://www.alana.org.br/ao-vivo

DIVA ARAUJO GONÇALVES XIMENES

Muito bom!

Gostei! Bateu com aquilo que eu penso, pois mesmo depois de adulta, continuo com um coração que carrega muitas coisas de criança. E o mais importante é que não me interesso de perder essa maneira de ser, pois quero continuar com a criatividade e pureza de uma crinaça.

Diva Ximenes

DIVA ARAUJO GONÇALVES XIMENES

Muito bom!

Gostei! Bateu com aquilo que eu penso, pois mesmo depois de adulta, continuo com um coração que carrega muitas coisas de criança. E o mais importante é que não me interesso de perder essa maneira de ser, pois quero continuar com a criatividade e pureza de uma criança.

Diva Ximenes

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