‘Inovação social faz país rico aprender com pobre’
Kriss Deiglmeier, que estará em SP em 24/9 para o Social Good, fala sobre o como o conceito tem ajudado a empoderar pessoas
por Patrícia Gomes 13 de setembro de 2013
Kriss Deiglmeier fala de inovação social antes mesmo de o conceito, que anda tão na moda, receber esse nome. Na verdade, ela fez parte de um time de especialistas que se reuniu, no início dos anos 2000, para dar nome aos bois. Dona de uma carreira que já a tinha feito transitar por grandes corporações, por organizações sem fins lucrativos e pelas filantrópicas, em dado momento ela percebeu que era possível aproximar esses mundos. Começou pela prática, se envolvendo com o então também nascente empreendedorismo social, mas logo logo chamou a academia para ajudar a sistematizar o que vinha acontecendo e dar suporte teórico aos pioneiros, que aprendiam com a mão na massa.
Ela e um grupo de especialistas chegaram a um consenso e formularam a seguinte frase sobre o que é inovação social: “É uma solução nova para um problema social, que é mais efetiva, eficiente, sustentável e justa que soluções já existentes e para as quais o valor criado beneficia mais a sociedade como um todo do que indivíduos em particular”. Depois disso, pisaram no acelerador ajudando a disseminar o conceito, que dialoga com outros tantos, como empreendedorismo social, empoderamento de comunidades e articulação de empresas, governos, sociedade civil.
Hoje Deiglmeier é diretora do Centro de Inovações Sociais da Universidade de Stanford, nos EUA, uma das entidades que mais ajuda a disseminar conhecimento e fortalecer o tema, inspirando iniciativas de todo o mundo a pensar a partir dessa ótica. Seu último pit stop foi um período de seis meses em Mianmar. “O que eu testemunhei ali foi mudança de mentalidade. A comunidade está assumindo a responsabilidade de sua própria mudança de uma forma culturalmente apropriada para eles. Nas décadas de 70 e 80, as coisas vinham do governo ou ainda organizações humanitárias”, disse ela, em entrevista exclusiva ao Porvir.
Com uma consciência global de que vivemos em um mundo de recursos finitos se consolidando, a inovação social tem ocorrido em todo o mundo, mas “mais fortemente em países em desenvolvimento”, arrisca Deiglmeier. As tecnologias, continua ela, permitiram uma descentralização da produção de conhecimento e, com isso, muito do que vem sendo criado em projetos de inovação social na África do Sul, por exemplo, tem inspirado ações nos EUA. “Historicamente, o fluxo da inovação era de países desenvolvidos para países em desenvolvimento. O que vemos acontecer agora é o oposto.”
E, se a informação pode ser criada em qualquer lugar, a inovação social acaba acontecendo majoritariamente nas ruas, nas comunidades, nas famílias. Jovens que se comprometem com o tema, afirma a especialista, acabam tendo oportunidades de aprendizado muito válidas fora da escola. “Eles vão entender que terão de lidar com sucessos e com fracassos e que tudo isso age em favor do desenvolvimento de suas próprias competências”, afirma. De quebra, se tornam cidadãos mais empoderados e atuantes para resolver problemas que são coletivos. “O que tentamos fazer com que os alunos entendam é que o importante é fazer. Não precisa ser perfeito de primeira”, diz a professora, referendando o conceito de Lean Startup (agir rápido, errar rápido e melhorar mais rápido ainda) e dando uma pitada de Vale do Silício ao conceito. E resume: “Mais inovação social – seja por iniciativa de indivíduos, grandes corporações ou organizações da sociedade civil – leva a um mundo mais sustentável e próspero”.
Confira, a seguir, trechos da entrevista. A professora estará em São Paulo em 24 de setembro para participar do Social Good. Sua palestra será transmitida ao vivo, a partir das 9h45, pelo site do evento.
Como se chegou na definição do conceito de inovação social?
Ela foi consolidada pelos coautores do Center for Social Innovation, mas nós falamos com centenas de outras pessoas por meio de entrevistas, fazendo estudos de caso, enviando nossos artigos para serem revisados por outros colegas e especialistas na área. Foi um processo colaborativo. Nem todo mundo concorda com a nossa definição, mas nós achamos que tudo bem também.
E qual a diferença entre empreendedorismo social e inovação social?
Em seu início, o empreendedorismo social era realmente sobre o indivíduo. Eu acho que, até hoje, ele depende de que algumas pessoas sejam mais especiais do que outras. Acho que o que tentávamos entender no fim dos anos 90 era como replicar Muhammad Yunus. Estudar as características individuais nos ajudou a entender que o empreendedorismo social era uma peça do quebra-cabeças da inovação social. A inovação social é uma ideia. Se você quiser fazer com que essa ideia cresça, precisará envolver muitas organizações, governos, pessoas. É um problema de sistemas. Tanto é que um dos desafios da inovação social é a mudança de contexto. Se você está tentando construir um sistema de microfinanças, ele vai de um jeito na Índia, de outro nos EUA e de outro no Brasil. Você precisa entender o contexto, as diferentes organizações.
Qual é o panorama da inovação social no mundo hoje?
A boa notícia é que as pessoas estão mais atentas à inovação social e estão agindo para fazer com que as ações cresçam pelo mundo. Isso é muito positivo, mas temos um desafio. Se olharmos os casos de inovação social dos últimos 30 anos, eles levam um bom tempo para ser tornarem escaláveis e terem um impacto grande. O que me preocupa do fato de as pessoas estarem empolgadas com o tema é que elas não entendem que é um compromisso de longo prazo. Nós usamos muito as palavras tenacidade e intenção. As pessoas terão sucessos e vão falhar, mas elas precisam continuar andando.
Como as pessoas então entrando em contato com o conceito?
De duas formas. Uma é que, por causa da internet e das possibilidades de conexão, você pode ver a inovação social acontecendo em seu próprio país e pelo mundo. Existe muita informação sendo facilmente trocada e disponível. Eu passei seis meses em Mianmar e o que eu testemunhei ali, que é país isolado, foi uma mudança de mentalidade. A comunidade está assumindo a responsabilidade de sua própria mudança de uma forma culturalmente apropriada para eles. Nas décadas de 70 e 80, as coisas vinham do governo ou ainda organizações humanitárias. Essa realidade está se transformando.
Onde a inovação social mais ocorre?
Não fizemos muitos estudos a respeito, mas eu tenho uma opinião sobre isso. Tem mais coisa acontecendo em países em desenvolvimento. São locais que têm necessidades, mas também têm acesso a tecnologia e novas formas de pensar. Existe um grande senso de oportunidade e de pertencimento das pessoas desses países às suas comunidades. Isso não significa que não esteja acontecendo nos desenvolvidos. Está. Mas, em termos de escala e magnitude de inovações, vejo acontecendo mais em países em desenvolvimento.
Outro ponto interessante é que, historicamente, o fluxo da inovação era de países desenvolvidos para países subdesenvolvidos. Se você pensa nas décadas de 70, 80 e 90, era assim: as coisas seriam aprendidas nos países desenvolvidos e só então seriam levadas para os subdesenvolvidos. O que vemos acontecer agora é o oposto. Tomemos como exemplo a área da saúde. Há muitas inovações trazidas a partir do uso da tecnologia, de equipamentos de baixo custo e com o trabalho com pessoas de baixa renda. É o que está acontecendo na África do Sul. Essas tecnologias estão vindo para os EUA.
E isso pode ser considerado um processo educativo transformador?
Há muitos dados que indicam que os jovens aprendem muito mais quando estão fora da escola, seja em experiências on-line ou não. Existem muitas oportunidades de trabalhar a inovação social em espaços educacionais.
Quer dizer trabalhar com crianças em escolas?
O velho paradigma era falar de escola quando queríamos falar de educação. Agora, consideramos a escola apenas uma parte da educação. O que acontece fora das escolas é igualmente importante.
E inovação social é algo que acontece nas ruas, não é?
Exatamente. Acontece nas ruas, nas famílias, quando crianças estão on-line jogando com outras crianças. Existe um mundo completamente novo para tratarmos da educação e da inovação social. É uma possibilidade sobre a qual nem pensávamos nos anos 90.
Qual é o papel do jovem nesse cenário?
Tentamos incentivá-los a partir de três passos. Primeiro, promovemos a conscientização a respeito das inovações sociais. Depois, desenvolvemos habilidades com eles. Por exemplo, se decidimos construir uma casa, você precisa saber como fazer. O terceiro ponto é inspirar e agir. Quando colocam a mão na massa, eles entendem eles terão de lidar com sucessos e com fracassos e que tudo isso age em favor do desenvolvimento de suas próprias competências.
O que tentamos fazer com que os alunos entendam é que o importante é fazer. Não precisa ser perfeito de primeira. Hoje, no Vale do Silício, os meninos têm colocado seus sites no ar sem que estejam perfeitos. Eles se preocupam mais em lançar algo, aprender com isso e, com o uso, ir refinando o produto do que ter algo perfeito desde o início.
A inovação social ajuda a formar melhores cidadãos?
Claro. Todas as vezes que as pessoas se sentem empoderadas e assumem responsabilidades, elas começam a pensar de forma diferente sobre suas comunidades. Ninguém gosta de se sentir desempoderado. Mais inovação social – seja por iniciativa de indivíduos, grandes corporações ou organizações da sociedade civil – leva a um mundo mais sustentável e próspero.
Vídeo dela no tedx Vale do Silício: