Onde as crianças aprendem a partir da curiosidade - PORVIR

Inovações em Educação

Onde as crianças aprendem a partir da curiosidade

Projeto School in the Cloud, de Sugatra Mitra, pretende espalhar ambientes de aprendizagem auto-organizáveis pelo mundo

por Daiana Stolf ilustração relógio 10 de julho de 2014

Ajudar a projetar o futuro da aprendizagem, apoiando crianças de todo o mundo na exploração de seu senso inato de admiração e trabalho em conjunto. Esse é o desejo de Sugata Mitra, professor de tecnologia educacional na Escola de Educação, Comunicação e Ciências da Linguagem da Universidade de Newcastle, no Reino Unido. Com o projeto School in the Cloud (Escola na Nuvem, em livre tradução), baseado em suas pesquisas de self-organizing systems (sistemas auto-organizáveis), ele pretende espalhar pelo mundo ambientes onde as crianças se engajem ativamente na busca de respostas a grandes perguntas, para desafiar e estimular os estudantes a explorar as suas próprias capacidades e a aprender uns com os outros.

Aos alunos reunidos nesses ambientes chamados de Soles (Self Organized Learning Environments, ou Ambientes de Aprendizagem Auto-organizáveis, em português) são feitas perguntas como: “O que aconteceria no planeta Terra se todos os insetos desaparecessem?” ou “Há mais estrelas no céu ou grãos de areia nas praias do mundo?”. O educador, nesses casos, age como um facilitador, assegurando a participação de todos e a veracidade das informações encontradas, já que os grupos devem apresentar os resultados no final de cada sessão.

Onde as crianças aprendem a partir da curiosidadecrédito Determined / Fotolia.com
 

Segundo Mitra, o acesso à tecnologia e ao conhecimento da língua inglesa, através de ambientes que fornecem liberdade e espaço para alimentar a curiosidade são essenciais para a construção de um futuro onde as crianças saberão lidar com um mundo altamente complexo e conectado. A autodescoberta, o compartilhamento de informações e a espontaneidade são elementos fundamentais nos Soles, que visam aflorar a curiosidade de cada um. O objetivo final é formar indivíduos que aprendam a aprender e sejam, portanto, solucionadores de problemas.

Pela ideia do School in the Cloud, o pesquisador recebeu o primeiro Prêmio TED de US$ 1 milhão em 2013. Junto a parceiros (Microsoft, Made by Many, IDEO, Universidade de Newcastle e Sundance), Mitra está montando laboratórios em áreas afastadas onde o nível de analfabetismo é grande e não se fala inglês. O plano é instalar pelo menos sete deles em vilas e cidades de três estados da Índia e em escolas de dois condados do Reino Unido. Cada oficina será administrada por um professor ou líder comunitário voluntário. No entanto, antes mesmo de conseguir os recursos com o prêmio, entre 2008 e 2009, 12 Soles já haviam sido estabelecidos na cidade de Hiderabade, na Índia.

Um outro aspecto do projeto é a “Skype Granny”, ou Vovó do Skype – voluntários que atuam como mediadores on-line em laboratórios de regiões remotas onde não há professores ou escolas formais. O termo é carinhoso e se refere a qualquer voluntário que se propõe a atuar como guia, desde que tenha alguma experiência e comprometimento em relação ao aprendizado das crianças.

Pesquisas prévias do grupo de Mitra provaram que o facilitador, mesmo que conectado à distância, é fator imprescindível para a motivação da curiosidade e o estímulo do aprendizado. Atualmente, seis organizações independentes exploram a abordagem dos Soles, pelas quais as comunidades locais têm acesso a aproximadamente 32 sessões mediadas pela internet toda semana.

A comunidade mundial está convidada a participar do desafio de construir laboratórios virtuais e presenciais em torno da metodologia, e os interessados podem baixar o “kit de ferramentas” no site oficial da School in the Cloud e criar o seu próprio SOLE. Basta reunir aproximadamente 12 crianças e ter computadores com acesso à internet. Um ano após o lançamento do kit, mais de 40.000 downloads foram registrados.

Os participantes também são encorajados a criar um perfil no site e compartilhar as descobertas e dificuldades ao longo do processo. Assim, estarão também ajudando no avanço das pesquisas sobre o método. O grupo pretende acompanhar a evolução das crianças em todos os Soles formais e informais espalhados pelo mundo, de maneira on-line e offline. Cada laboratório oficial administrará avaliações iniciais e progressivas de autoconfiança e de conhecimento de inglês.

O início de tudo

A metodologia foi desenvolvida a partir de estudos com o projeto Hole in the Wall (Buraco na Parede) em favelas da Índia, no qual o pesquisador pretendia analisar se as crianças aprenderiam a usar computadores sozinhas.

Em entrevista ao TED, Mitra conta como surgiu a ideia desse primeiro projeto. Depois de pagar caro pelo seu primeiro computador em 1987, ele tentava descobrir como usá-lo. Ao procurar um documento no sistema DOS, Mitra digitava “DIR” e todos os nomes de arquivos rodavam de maneira rápida demais para serem lidos. Na terceira tentativa, o seu filho, de 6 anos, sugeriu: “Se você digitar DIR/W/P, os dados vão aparecer no formato de uma página.” Chocado, ele perguntou como o filho sabia disso. Ele respondeu: “Foi o que você fez ontem!”.

Foi assim que ele percebeu que as crianças podem aprender sozinhas através de observação. Seu primeiro artigo sobre o assunto foi claramente rejeitado pela comunidade científica, mas em 1999 ele conseguiu permissão formal para realizar o experimento Hole in the Wall. Um computador foi cravado na parede que separava o instituto onde o pesquisador trabalhava da favela vizinha, em Nova Delhi, vigiado por uma câmera.

O acesso era completamente aberto, e o computador logo se tornou uma grande novidade entre as crianças de rua. Elas não falavam inglês e aprenderam, sozinhas, a usar o computador e a navegar pela internet. Os resultados animadores levaram Mitra a espalhar computadores em outras cidades e vilas da Índia. A confirmação dos achados prévios fez Mitra definir uma nova modalidade de aprendizagem: a educação minimamente invasiva.

Os SOLEs não substituirão os professores nas escolas, mas podem ajudar aqueles que     não têm acesso à educação básica   a sonharem com um futuro mais promissor

Propósito e futuro

Os três principais objetivos dos Soles são desenvolver competências de leitura, habilidades de busca e de pesquisa e o raciocínio. Estudos na Índia, no Reino Unido e em outros lugares do mundo demonstraram que grupos de aproximadamente 4 crianças entre 6 e 12 anos de idade podem aprender qualquer assunto sozinhas se tiverem acesso adequado à internet. Elas conseguem pesquisar por respostas a questões que estão além do que seria esperado no currículo normal, desenhando conclusões racionais e lógicas.

Para a equipe de Mitra, os Soles não substituirão professores nas escolas, mas podem ajudar àqueles que não têm acesso à educação básica a sonharem com um futuro mais promissor. Áreas remotas que não contam com bons educadores podem se beneficiar imensamente do método, já que apenas uma conexão com a internet é necessária para levar os voluntários a essas comunidades. Muitas vezes, esse poderá ser o único estímulo que crianças terão para desenvolver o aprendizado.

Aos que já têm acesso à estrutura básica de educação, o método também se prova útil como um complemento ao ensino tradicional e um novo jeito de educar. “Deixar o aprendizado rolar” – é assim que os facilitadores dos Soles devem enxergar o processo. O método permite que cada criança aprenda em seu próprio ritmo, de acordo com o seu potencial, e o grupo espera que o sistema gere melhora na performance acadêmica e proporcione facilidade de adaptação a novas situações e desafios.

Segundo Mitra, repensar o currículo tradicional com base em grandes questões e incorporar a avaliação entre pares, além do “efeito de admiração da vovó (voluntários on-line)”, podem representar uma abordagem de ensino completamente nova.

A maneira que o projeto trabalha para alcançar crianças em grande escala de forma sustentável é o desenvolvimento do Self-Organized Assessment Method (Soam – Método de Avaliação Auto-organizado), através do qual pode-se avaliar a evolução pedagógica adequadamente. Finalmente, para que possam atingir os locais mais distantes, os laboratórios precisariam de energia e conexão à internet fornecidas de graça. A conscientização e o comprometimento da comunidade também é importante para permitir que o projeto se desenvolva de maneira livre e abrangente.

Veja abaixo o discurso que rendeu a Mitra o Prêmio TED, e encontre aqui relatos de experiências no mundo todo com a metodologia. Em São Paulo, a Hedu oferece oficinas gratuitas utilizando o modelo Sole na Vila Mariana.

*Daiana Stolf é consultora em educação internacional na TopMBA Coaching.

 


TAGS

educação online, tecnologia, ted

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