Aluno de medicina cria grupo para trocar dicas de estudo e gestão de tempo - PORVIR
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Aluno de medicina cria grupo para trocar dicas de estudo e gestão de tempo

Insatisfação com didática e metodologias usadas na faculdade motivou a criação de grupo na UFMG

por Maria Victória Oliveira ilustração relógio 3 de novembro de 2016

A decepção com o curso escolhido na faculdade é mais comum do que é possível imaginar. Muitas vezes, o abandono do curso acontece por motivos financeiros ou porque o aluno não consegue comparecer às aulas. Entretanto, a evasão também acontece devido à insatisfação dos estudantes com a metodologia de ensino ou com o corpo docente da universidade.

Essa falta de ânimo aconteceu com o estudante de medicina da Universidade Federal de Minas Gerias, Diego Lacerda. Depois de uma série de percalços e frustrações durante a faculdade, ele descobriu que muitos colegas se sentiam da mesma forma que ele. Com a ideia de compartilhar dicas de estudo, ele criou, em 2013, o Grupo de Estudos em Didática Aplicada ao Aprendizado de Medicina, o Gedaam.

A ideia inicial era facilitar a vida acadêmica do estudante de medicina a partir de mentorias sobre dicas de estudo e gestão de tempo, o que não era oferecido durante as aulas da grade horária. Segundo Pedro Caldeira, atual líder do Gedaam, a alta pressão do curso faz com que muitos alunos procurem acompanhamento psicológico na própria universidade ou fora dela. “O estudante de medicina faz vários anos de cursinho, passa no vestibular e acha que vai estar no melhor lugar do mundo. Só que os primeiros anos do curso são bem frustrantes. São aulas teóricas muito longas, muito distante do que realmente é a prática clínica. Então muitos se deprimem nesse primeiro período da faculdade”.

Dr. Weverton Siqueira ministra aula no estilo Gedaam.

Dr. Weverton Siqueira ministra aula no estilo Gedaam.

Segundo Caldeira, conhecer o grupo o ajudou a não trancar sua matrícula logo no primeiro período da faculdade. “O Gedaam oferece uma proposta bem mais coerente e mantém os alunos motivados. As horas que eu ficava com o grupo passaram a ser os momentos mais proveitosos do meu dia em termos de aprendizado”. Ele conta que o colega Diego Lacerda, fundador do grupo, fez cursos fora da faculdade com o objetivo de aprender a estudar de maneira mais eficiente. Ao conhecer mapas mentais e outras técnicas e dicas de estudo, Lacerda resolveu compartilhar esses conhecimentos com colegas, como uma forma de driblar as carências na didática usada no curso de medicina da UFMG.

As reuniões

Apesar de ter surgido com quatro subgrupos e um total de 40 pessoas envolvidas, o projeto cresceu e hoje conta com 13 subgrupos e 132 envolvidos. Os encontros do Gedaam acontecem semanalmente em horários alternativos às aulas. Apesar de ter um impacto direto na vida de muitos estudantes, ainda não tem um espaço próprio dentro da faculdade, qualquer incentivo institucional ou sua importância reconhecida.

O grupo atua em duas frentes. A primeira delas é ensinar os estudantes a trilhar um caminho mais adequado na faculdade. Isso acontece a partir da mentoria com relação ao curso e do ensino de técnicas de estudo mais eficientes.

A outra forma de atuação é discutir estudos de caso. A escolha desses casos é feita de acordo com as demandas dos alunos. Segundo Caldeira, no início do semestre, o grupo se reúne só para conhecer os estudantes que participarão do grupo. Nesse encontro, cada aluno comenta sobre qual especialidade quer seguir na medicina, quais são suas maiores dificuldades e quais são as lacunas que o curso de medicina deixou. A partir disso, formam-se grupos de acordo com interesses e dificuldades dos alunos. O planejamento é montado de acordo com as demandas, de forma personalizada.

O coordenador de cada grupo está mais avançado no curso do que os demais estudantes. Caldeira, por exemplo, que está no sétimo período, coordena um grupo com estudante do primeiro ao sexto período. A vantagem de misturar os estudantes é sempre ter um especialista de cada assunto no grupo. “Se eu levo um caso de um paciente com uma doença neurológica para discutir, por exemplo, eu como estudante do 7º período vou ter um grande conhecimento clinico. Mas o alunos que estão no segundo período estão vendo neuroanatomia agora, então ele está com a matéria fresca na cabeça. Apesar de ser mais calouro do que eu, nesse momento ele será o especialista e vai poder colaborar muito com a discussão”, argumenta Caldeira.

Brunno Lanna ministra aula aberta de empreendedorismo na UFMG. Foi a primeira vez que o tema foi abordado na faculdade de medicina.

Brunno Lanna ministra aula aberta de empreendedorismo na UFMG. Foi a primeira vez que o tema foi abordado na faculdade de medicina.

As dúvidas que sobram dos encontros são divididas entre os participantes, que pesquisam e levam devolutivas para a próxima reunião.

Segundo Caldeira, o sucesso do Gedaam pode ser explicado a partir de três pontos. O primeiro deles é a relação horizontal estabelecida com os alunos. “O estudante de medicina é mais orgulhoso, ele tem medo de errar. Então o grupo acaba sendo um ambiente onde ele pode errar sem grandes medos”. O segundo ponto é a empatia entre os coordenadores dos grupos e os alunos. Pelo fato do Gedaam ser comandado e gerido por estudantes, os coordenadores sabem exatamente o que se passa na cabeça dos alunos e entendem o que é uma aula boa.

O Gedaam oferece uma proposta bem mais coerente e mantém os alunos motivados. As horas que eu ficava com o grupo passaram a ser os momentos mais proveitosos do meu dia em termos de aprendizado

Por fim, enquanto que a faculdade tenta prender os estudantes pela obrigatoriedade da chamada, o Gedaam tenta mantê-los pelo interesse. “Eu sempre falo para os alunos: ‘não participem do Gedaam se não estiver sendo bom para você. Talvez esse seja o único ambiente que você possa falar porque está sendo ruim’. O nosso sistema de feedback, sempre muito aberto à críticas, nos ajuda a melhorar e tornar o grupo mais adequado para seu público”. 

Podcast e Aulas abertas: como impactar mais pessoas

Para atingir mais pessoas do que o número limitado que participa das reuniões semanais, o Gedaam está atuando em novas frentes. Uma delas é o GedaamCast. Trata-se de um podcast que busca entrevistar pessoas relevantes que tragam conteúdos importantes para os médicos em formação e dar dicas de estudo.

Em um dos episódios, o Gedaam entrevistou o líder do Núcleo de Apoio Psicopedagógico aos Estudantes da Faculdade de Medicina da UFMG (NAPEM- UFMG ), Gilmar Tadeu, para falar da prevenção ao suicídio. Em outro caso, o Dr. Jezreel Correa da Costa, especialista em radiologia, foi o entrevistado.

Os quatro programas gravados podem ser ouvidos no link do Soundcloud do Gedaam.

Nós do Gedaam estamos estudando didática, tanto na teoria como testando na prática. E isso tem dado certo há três anos

Já as aulas abertas funcionam como uma vitrine, uma pequena amostra do trabalho do Gedaam para estudantes que ainda não participam do grupo. Além disso, o grupo também abre a possibilidade para que professores do curso ministrem uma aula.

Antes de começar sua aula, o professor recebe uma consultoria didática dos coordenadores do Gedaam. Depois, ele recebe um feedback. Segundo Caldeira, essa possibilidade dos professores darem uma aula aberta ajuda em uma das grandes demandas do corpo docente da UFMG, que pede por mais capacitação didática. O grupo de estudos consegue ajudar os docentes, uma vez que já provou que sua metodologia de ensino funciona. “Nós do Gedaam estamos estudando didática, tanto na teoria como testando na prática. E isso tem dado certo há três anos”.

Por mais que pareça estranho alunos dando consultoria didática para professores, Caldeira defende que essa estratégia tem dado certo. “Em alguns casos, nosso contato com o professor dá certo, em outros nem tanto. Mas nós já tivemos professores nos procurando para dar aula pra gente. E quando nós convidamos, eles ficam muito felizes em participar. A questão é que não falta conhecimento técnico do professor, falta conhecimento de didática”.


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aprendizagem colaborativa, ensino superior, mentoria

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