Professor ouve alunos para inovar e concorre a prêmio de US$ 1 milhão
Finalista do Global Teacher Prize, Wemerson da Silva Nogueira conta como transformou o ensino de ciências com projetos dentro e fora da escola
por Wemerson da Silva Nogueira 22 de dezembro de 2016
Quando eu assumi o cargo como professor de ciências, observei que os alunos tinham uma certa restrição à disciplina. Em 2012, após começar na Escola Lourdes Scardini, em Nova Venécia (ES), notei que eles não tinham perspectiva de abraçar seus estudos com vigor, interesse e vontade de aprender. Eu também trabalhava na EMEF Bairro Altoe, localizada em um bairro periférico da cidade, e via que os alunos não gostavam de estar dentro do ambiente escolar. Além da falta de interesse, a violência doméstica, o tráfico de drogas e a criminalidade eram alguns dos fatores que desestimulavam qualquer um a olhar para a educação como o seu alvo principal.
Eu comecei a pensar em como transformar a vida dos meus alunos, usando a sala de aula como espaço para inovar e melhorar a aprendizagem. A primeira ação foi tentar mostrar que eles são protagonistas de um futuro melhor. Foi aí que surgiu a ideia de usar a própria natureza como uma ferramenta de ensino. Já que eles gostavam muito de sair do ambiente escolar, comecei a preparar aulas práticas que envolvessem ir além dos muros da escola. Para aprender sobre água, visitávamos uma estação de tratamento. Se fossemos estudar vegetação, iríamos até uma floresta ou mata.
De imediato, sabia que isso teria um bom retorno, mas eles queriam algo a mais. Apenas sair da escola não teria um significado. Foi quando eu resolvi criar o nosso primeiro projeto, que se chamava “Jovens Cientistas: Projetando um Futuro Novo”. E qual é o futuro da educação? Dar voz ao aluno para construir junto com ele um novo currículo e o plano de ensino.
No início do ano letivo, coloquei o plano de ensino no quadro e pedi para os meus alunos contarem o que gostariam de aprender e como gostariam de aprender. Eles começaram a fazer algumas sugestões, como aprender tabela periódica com experimentos. Eu anotava tudo e também fazia proposições para as turmas, sugerindo fazer uma salada de frutas ou montar uma feira na escola para estudar alimentação e nutrição.
Depois que tudo isso era colocado no quadro, os alunos sentavam e debatiam o que era viável. Quando eu fiz isso, começamos a desenvolver ações dentro da escola. Fizemos parcerias com a comunidade e construímos um laboratório de ciências. Mesmo sem ótimos recursos, tínhamos um espaço para fazer nossas experiências.
Para envolver a comunidade na escola, nós também começamos a desenvolver ações sociais. Durante as aulas de ciências, os alunos visitavam as casas próximas para conscientizar a população sobre a dengue ou convidar os moradores para participar de um seminário na escola. Eu lembro que em 2012, no mês de outubro, nós fizemos uma feira de ciências, em que os próprio alunos desenvolviam experiências nas suas barracas e apresentavam para crianças da comunidade. Quando terminava a apresentação, eles entregavam um brinquedo que tinham arrecadado para essa ação.
Desde 2012, eu passei três anos desenvolvendo esse projeto em diversas escolas municipais e estaduais que passei. A ação sempre procurava dar voz ao aluno e envolver a comunidade na escola. No segundo ano, começamos a atingir professores de outras disciplinas, que passaram a entender que isso gerava resultados positivos. Quando terminamos o projeto “Jovens Cientistas”, percebemos melhoras no comportamento dos alunos, maior aproximação da comunidade, redução da falta de participação da família e até um salto no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) das escolas.
Em 2014, eu comecei a trabalhar com química no ensino médio e precisava enfrentar o desafio de desmistificar a disciplina. Os alunos olhavam para a matéria com um olhar tenebroso. Enquanto eu dava aula, eles passavam o tempo todo cantando funk, samba, pagode, axé e músicas internacionais. Foi aí que eu perguntei o que eles achavam de aprender química com música. Eu ensinava o conteúdo teórico durante uns 20 minutos, e nos outros 40 minutos nós fazíamos uma revisão para construir uma paródia e cantar. Levávamos piano, violão, pandeiro e chocalho para sala de aula. Era uma bagunça, mas os alunos aprendiam. Eles até pararam de ser reprovados em química.
No ano seguinte, eu também comecei a trabalhar com tecnologia na sala de aula. Passei a usar a plataforma Currículo Interativo [versão customizada da Escola Digital, que reúne objetos digitais de aprendizagem], da Sedu (Secretaria de Estado da Educação). Ela potencializou a aprendizagem dentro e fora da escola, possibilitando o desenvolvimento de atividades mais dinâmicas e articuladas com a linguagem midiática dos alunos. Tinha aluno que até desenvolvia aplicativo no celular para estudar a disciplina.
Em 2016, quis pensar em outra estratégia para transformar a maneira de ensinar. Após a maior tragédia ambiental que aconteceu no país, contaminando o Rio Doce com o rompimento da barragem da mineradora Samarco, levei a pesquisa científica para a sala de aula da EEEFM Antônio dos Santos Neves, em Boa Esperança, no Espírito Santo.
Jogamos por terra a tabela periódica e aprendemos de uma forma gostosa, científica e social. Os alunos analisaram a água contaminada com metais pesados e criaram um portfólio periódico, que reunia todas as informações de cada elemento. Por meio dessa pesquisa, também conseguimos contribuir com as comunidade afetadas. Meus alunos criaram um filtro de retenção de minério capaz de limpar a água e deixá-la transparente para o uso doméstico e agrícola.
Sabe o que foi primordial para que todos esses projetos dessem certo? Ser um aprendiz junto com os meus alunos. Eu precisei ser humilde para aprender com eles. Eu poderia impor e entregar tudo pronto, mas não seria um professor inovador. Ouvir os estudantes e compartilhar informações foi fundamental. Se eu não desse voz a eles, não teria ideias para desenvolver projetos, que até me renderam títulos. Eu já conquistei um prêmio nacional e oito prêmios regionais no Espírito Santo. Agora também estou entre os 50 finalistas do Global Teacher Prize [considerado o Prêmio Nobel da Educação].
Se eu tivesse que dar dicas de como inovar no ensino de ciências, diria para os professores que é preciso criar sentido para os alunos. É possível usar os próprios recursos existentes nas nossas unidades como uma ferramenta de transformação. Todos os projetos que eu fiz não tiveram recursos financeiros. Temos que aprender com os nossos alunos e saber que não somos detentores de todo o conhecimento. Nós, professores, também somos alunos e estamos aprendendo constantemente.
Wemerson da Silva Nogueira
Professor de ciências e especialista em educação, atua na educação básica há 5 anos. Extremamente apaixonado pela sala de aula, tem feito desse espaço um instrumento de transformação da realidade do mundo, através da construção de identidade dos seus alunos. Recentemente, conquistou um dos maiores títulos do país, o de Educador do ano, no prêmio Educador Nota 10, pelo projeto “Filtrando as Lágrimas do Rio Doce”. Agora esta entre os 50 melhores professores do mundo no "Global Teacher Prize", considerado o prêmio Nobel da Educação, em que pode receber US$ 1 milhão caso seja o vencedor da edição 2017.