Como vi o movimento maker crescer na educação – e o que ainda falta acontecer
Engenheiro e fundador da Little Maker, Diego Thuler fala sobre as transformações e o potencial das atividades mão na massa para a educação
por Diego Thuler 9 de maio de 2019
Meu desejo de mudar o mundo começou ainda na época do colégio, passou pela faculdade de engenharia e chegou até o exercício da profissão, anos depois. No entanto, aquela vontade de garoto ficou ainda mais forte depois que a minha filha Luísa nasceu. Como pai, não queria mais mudar o mundo inteiro, mas fazer com que a Luísa crescesse em uma sociedade mais justa – e acreditava que a única possibilidade real de fazê-lo era por meio da educação. Foi quando me identifiquei como maker e vislumbrei seu potencial de transformar as salas de aula.
O encantamento com os valores maker, como colaboração, criatividade, pensamento crítico, entre outros – aplicados ao fazer – foi imediato. Além disso, a possibilidade de produzir coisas e, ao mesmo tempo, colaborar para a comunidade ao entorno, em construir coisas relevantes – propósito que me movia como engenheiro eletrônico– começou a dar sentido às minhas idealizações.
Contudo, ao mesmo tempo que ansiava por fazer parte do movimento de alguma forma, percebia que ele era estranho e confuso (o é ainda hoje) para a maioria das pessoas, e ainda mais para educadores, professores, e demais envolvidos na área da educação em nosso país. Percebia no maker um potencial “hacker subversivo” de transformar a sala de aula, mudando a relação com o conhecimento e valorizando competências e valores para a vida. Porém, isso tudo corria o risco de ser engessado pelos padrões das escolas, com ementas próprias baseadas nas ferramentas e execuções mecânicas, fenômeno que ocorreu tanto com a informática quanto a robótica quando chegaram nas escolas.
Precursores do Maker na educação
Se passou a ser uma novidade nas escolas a partir desta década, o movimento subversivo e “mão na massa,” característicos do maker, já estava presente em teorias educacionais existentes bem antes do século 21. Impossível não pensar em John Dewey quando falamos do Maker aplicado à educação. Filósofo e pedagogista norte-americano, cujos estudos datam da primeira metade do século 20, Dewey dizia que a escola não deveria ser uma preparação para a vida, mas sim, a própria vida. Para ele, a aprendizagem vem da experiência, do “fazer”, e a sala de aula deve promover uma reconstrução permanente das vivências de cada aluno, para que eles possa construir o próprio conhecimento.
Nessa ciclo da história, outros teóricos retomaram as bases da educação progressiva com novas roupagens, que mais tarde seriam grandes inspirações ao movimento maker para a educação. Um deles é matemático sul-africano Seymour Papert, que, na década de 60, trouxe a discussão da tecnologia ao processo de aprendizagem. Para ele, que defendia que o conhecimento acontece através de um processo construtivo, a presença de computadores em sala de aula seria um agente de subversão à educação, revolucionando o ensino.
Porém, exatamente como eu me frustrei ao notar o movimento maker padronizado nas escolas, Papert já havia se decepcionado muito antes, afirmando que a escola, como organismo vivo, não soube integrar as disciplinas com a máquina de maneira a promover conexão entre o aprendizado e a tecnologia, inoculando a informática dentro de laboratórios com computadores, meramente instrumentais.
Foi justamente essa “premonição” de Papert, que, mais tarde, ajudaria teóricos e educadores a aprenderem com os erros do passado, como Mitchel Resnick, atual professor do MIT Media Lab, o fez.
Grande inspiração para a minha empreitada na educação, Resnick defende que, independentemente do espaço físico e ferramentas (tecnológicas ou não) existentes em uma sala de aula, o importante é propiciar aos alunos um ambiente de livre criação e expressividade, surtindo um efeito prático na vida de quem aprende. Essa dinâmica seria possível por meio dos 4 Ps: Projetos; Parcerias; Paixão; Pensar brincando. Unindo tais elementos com as disciplinas escolares, conferimos significado ao processo de aprendizagem – quanta sinergia com os valores maker!
Por uma Aprendizagem mais Criativa
Foram exatamente as ideias de Resnick que resultou na rede Learning Creative Learning, comunidade que conecta educadores de todo o mundo, da qual faço parte, em torno de práticas educacionais maker e “mão na massa”, inspirado em muitos pontos do construtivismo e construcionismo, juntamente com os 4 Ps.
A partir desse encontro e de anos de pesquisas, fundei a Little Maker, uma metodologia de ensino maker já presente em 23 escolas e mais de 4 mil alunos no Estado de São Paulo. O meu desafio é despertar a paixão nas crianças por meio do fazer, possibilitando a elas o desenvolvimento de projetos autorais nos quais elas sejam responsáveis pela construção de seus conhecimentos, sendo protagonistas de suas criações.
Quando a Little Maker foi fundada, em 2014, poucas escolas utilizavam o método maker, e a grande maioria das que já o faziam caíram no engessamento de espaços, já referido lá atrás, adotando ferramentas digitais com tanta excitação que acabavam deixando de lado a transformação mais importante que elas poderiam oferecer: aquela dos valores. Ou seja: existia uma valorização excessiva aos materiais, aos lugares e às ferramentas que se sobrepunha à ideia, à cultura, às atitudes e aos valores do método.
A grande transformação, para mim, que motivou a minha empreitada com a Little Maker, só aconteceria partindo de projetos autorais, significativos para cada um, que acendessem a paixão pelo projeto e do projeto pelo conhecimento, através da cooperação, compartilhamento, sentido de comunidade, construindo a autonomia pelo próprio aprendizado, aplicado e em constante movimento. Este seria o verdadeiro “virus” Maker na educação.
A boa notícia é que temos as melhores perspectivas com a Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa, movimento inspirado no Learning Creative Learning, apoiado aqui pela Fundação Lemann. A Rede tem dado luz e suporte a muitas iniciativas de professores, disseminando projetos lindos e praticamente heróicos de personagens anônimos, que, assim como eu, buscam mudar o mundo por meio da educação.
Um exemplo atual, contextualizado à Aprendizagem Criativa, está em Débora Garofalo, professora da escola Almirante Ary Parreiras, zona sul de São Paulo. Há dois meses, ela foi finalista do Global Teacher Prize, da Varkey Foundation, em Dubai, pelo projeto “Robótica com sucata promovendo a sustentabilidade”, em que seus alunos do 1º ao 9º ano constroem brinquedos automáticos usando sucata recolhida pelas ruas do bairro. Segundo o Huffington Post, 500 quilos de material já foi reciclado com a iniciativa.
Acho importante ressaltar que o projeto de Garofalo é um modelo para o mundo que não pode cair no risco de virar um caso isolado, é preciso mostrá-lo como referência para outras iniciativas crescerem, gerando a escala – este, um dos maiores desafios da educação maker no mundo.
Nos EUA, a realidade do que é aplicado normalmente nas escolas não é tão diferente em termos de alcance, porém já existem iniciativas que colocam o maker na posição central da educação. Diversos grupos, como o do Lifelong Kindergarten, liderado pelo próprio Mitchel Resnick no MIT Media Lab, e Project Zero, da universidade de Harvard, também no estado de Massachusetts, estão buscando fundamentar as práticas maker e, ao mesmo tempo, tentando torná-las visíveis.
Em março deste ano, durante a oitava edição da Annual Conference on Maker Education, a FabLearn, em Nova York – em que estive presente e tivemos a oportunidade de compartilhar nossa experiência – pude ver diversos outros projetos maker sendo aplicados, ainda em pequenas escala, mas de maneira significativa, em instituições de ensino.
Um dos exemplos mais avançados que mais me chamou a atenção foi o da Acera School, situada em Boston. Depois de conhecer todas as instalações do colégio acompanhado pela diretora, eu admiti a ela o quanto estava impressionado com as dimensões do espaço maker que eles tinham montado – principalmente um grande galpão repleto de ferramentas espalhadas por locais temáticos, marcenaria, moda, materiais orgânicos e biológicos, entre outras. Foi quando ela me corrigiu dizendo: “Não existem um espaço maker aqui. A escola inteira é maker, mesmo as salas de aula são vistos como espaços maker”. Que inspiração para as nossas escolas, não?!
O Maker e os desafios contemporâneos da educação
Há um grande consenso de que o ensino maker tem seu grande valor em focar nas atitudes e nos princípios que devem nortear a vida no século 21. Ele tem capacidade de ser o agente integrador entre conhecimento, valores, habilidades e competências. O desafio está em mostrá-lo como meio e não fim ao processo de aprendizagem, além de gerar escala, deixando de concentrar poucas e boas idéias dispersas em algumas escolas. Esse é o meu e o nosso desafio por agora: trazer processos e ferramentas para apoiar estas conexões significativas e de forma visível para todos, construindo confiança na escola e promovendo a transformação para que, em breve, grande parte das crianças e dos adolescentes brasileiros aprendam com a mão na massa e, mais do que isso, que elas se tornem agentes da mudança no futuro.
É o que quero também para a minha inspiração para tudo isso: a Luísa, hoje com 11 anos, que já tem a postura maker enraizada – recentemente, ela ajudou os moradores do bairro a cuidar de uma praça pública vizinha –, agora ao lado do irmão, Henrique, de 7 anos, outro apaixonado por colocar a mão na massa.
Diego Thuler
Formado em engenharia elétrica pela Unicamp no Brasil e pela Ecole Nationale Supérieure d’Arts et Métiers ENSAM), na França, com especialização em sistemas embarcados (são os produtos eletrônicos computacionais). Pós-graduado em Engenharia Biomédica, também pela Unicamp. Em 2015, fundou a Little Maker, que leva o DNA do engenheiro engenhoso.