Quer implantar uma cultura de aprendizagem por projetos? Tudo começa pela liderança escolar
Consultora educacional reforça que, para que professores sejam líderes em suas escolas e redes, é importante considerar a natureza dos desafios e desenvolver habilidades de planejamento, consistência, comprometimento e bons relacionamentos
por Maria Victória Oliveira 6 de agosto de 2021
Que tipo de mudanças a escola precisa passar para vivenciar uma cultura de aprendizagem baseada em projetos (do inglês PBL, project based learning)? Como engajar estudantes e professores ao longo de todo o percurso?
Essas foram algumas das questões discutidas durante o painel “PBL e mudança nas escolas”, realizado durante o ALLS (Active Learning Leadership for Schools), um evento online promovido pela Camino School e pela plataforma CLOE entre os dias 22 e 24 de julho com o objetivo de debater a importância de lideranças escolares para uma aprendizagem ativa.
Ramona Trevino, educadora, consultora educacional e doutora em planejamento e políticas educacionais pela Universidade do Texas, nos Estados Unidos, dividiu com os participantes que, antes mesmo de pensar em estratégias, atividades e formas de implementar atividades por projetos, é necessário promover uma compreensão mais aprofundada sobre o tema, que demanda engajamento não apenas por parte dos estudantes, mas, sobretudo, dos professores, que devem se comprometer com essa metodologia que representa uma mudança cultural nas escolas.
Esse método de ensino, no qual os alunos adquirem conhecimento e habilidades trabalhando por um período considerável a fim de investigar e responder a uma questão, problema ou desafio autêntico do mundo real, não pode ser considerada apenas o fim de um conteúdo ou atividade. Para que uma escola viva a cultura de projetos é necessária uma mudança de concepção sobre a forma de encarar a aprendizagem.
“Não se trata de uma pergunta de conteúdo. É importante engajar os estudantes de uma forma que impacte seus corações e mentes. As questões realmente devem fazer com que parem para pensar”, exemplifica Ramona.
O que significa ser líder
Uma figura fundamental nessa transformação para proposta de projetos é o professor. A especialista em formação de lideranças escolares explicou que suas inúmeras experiências educacionais – como professora na educação básica e no ensino superior, como diretora de escola e assistente de diretoria, consultora educacional e coach – ajudaram a moldar sua visão sobre a importância das pessoas dentro da comunidade escolar atuarem como líderes de mudanças. Essa ideia veio logo no título de sua apresentação: “Seja a mudança”.
“Eu acredito que, independentemente da posição, todos os professores são líderes. Por isso, enquanto líderes nas escolas, é importante lembrar que a mudança que você deseja ver deve começar com você. Um gestor que é meu colega costuma dizer ‘quanto mais claro o foco, maior a conquista’. Ou seja, você precisa saber qual mudança quer ver nos alunos, nos professores e na própria instituição de ensino para planejar a transformação”, explicou a educadora.
Para que essa ideia de que qualquer educador pode ser um líder de mudanças em uma escola, Ramona citou pesquisas que elencam algumas características comuns entre essas figuras. Líderes de mudança são pessoas que se comunicam bem e têm uma visão clara do que precisa ser feito. São consistentes em suas ações e estabelecem e mantêm bons relacionamentos, o que faz com que as pessoas confiem neles. Suas habilidades de planejamento são boas; são pessoas disciplinadas e focadas em resultados.
Ter esse perfil facilita um método que Ramona chama de ciclo de uso de dados e informações em direção à mudança, que pode ajudar na implementação de transformações nas escolas e representa uma estrutura base para o desenvolvimento da aprendizagem baseada em projetos.
Uma vez que a visão da mudança está estabelecida, deve-se coletar e analisar dados e informações, identificar os desafios prioritários de seu contexto, o que causa essas questões e desenvolver um plano de ação, que deve ser reavaliado e ajustado periodicamente, fechando o ciclo. Entre essas etapas, sobretudo na coleta de dados, Ramona pontua a importância de buscar conhecimentos em experiências já comprovadas, ou seja, pesquisar boas práticas.
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Diferença conceitual
Para alcançar esse foco e clareza, Ramona defendeu a importância de uma compreensão a respeito dos desafios que determinada escola ou rede de ensino enfrenta, que podem ser divididos em técnicos ou adaptativos, segundo Ronald Heifetz, autor do livro “Liderança sem respostas fáceis”.
De acordo com a especialista, a maioria dos gestores e líderes classifica todos ou grande parte dos desafios como técnicos, ou seja, aqueles que são mais fáceis de identificar, que requerem soluções rápidas e muitas vezes administrativas, focados em uma área específica. Nesse cenário, basta contar com o apoio de um especialista ou autoridade para solucionar os problemas.
Entretanto, esse não é o verdadeiro cenário do que acontece nas escolas, já que os desafios adaptativos também existem e demandam mudanças mais complexas, que geralmente envolvem mudanças de mentalidade, crenças e valores, além de precisarem de professores engajados em buscar uma solução, bem como esforço e tempo de planejamento.
“Um grande erro que líderes cometem ao tentar realizar alguma mudança é não engajar outras pessoas e tocar os corações e mentes dos envolvidos. Quando um desafio adaptativo está em questão, são necessários tempo e energia para responder a ele e, efetivamente, promover uma mudança.”
Os desafios adaptativos estão, portanto, mais relacionados a mudanças complexas no funcionamento escolar, independente do assunto em questão. Para de fato conseguir executar uma mudança complexa, Ramona cita o autor Timothy Knoster, que criou um modelo de gestão que considera cinco elementos: visão, consenso, habilidades, incentivos, recursos e plano de ação (original em inglês, tradução automática).
A relação com a metodologia de projetos
O que lideranças e mudanças complexas têm a ver com aprendizagem baseada em projetos? Uma possibilidade é encarar essa metodologia de ensino que se baseia em quatro C’s – pensamento crítico, colaboração, criatividade e comunicação – como uma mudança complexa a ser feita nas redes de ensino e escolas, de forma que necessita de lideranças para implementá-la.
Nesse contexto, resgatando o título da apresentação de Ramona, “Seja a mudança”, existem alguns passos que professores líderes podem seguir e cuidados a serem tomados quando o assunto é implementar a aprendizagem baseada em projetos em uma escola. “Como líderes podem ajudar seus professores a ajudar os alunos a serem aprendizes ativos e independentes que reconhecem e entendem um trabalho de qualidade? Isso não acontece da noite para o dia ou com apenas uma atividade.”
Ramona cita a organização PBL Works, que elencou sete práticas de ensino consideradas essenciais como o padrão de ouro da metodologia. Uma delas é dedicar um tempo para o planejamento e design da proposta, que devem envolver os estudantes. É interessante que os educadores possam ouvir o que os alunos desejam estudar e de que forma acham possível que as atividades sejam desenvolvidas.
Outro ponto importante é construir uma cultura de descoberta e perguntas, ou seja, um questionamento de um estudante não precisa necessariamente ter uma resposta, ao passo que o professor pode, por exemplo, direcionar a pesquisa do aluno com outra pergunta.
Gerenciar as atividades, organizando as tarefas, agendas e prazos, também é uma habilidade importante do educador que irá desenvolver a metodologia, bem como desenvolver novas formas de avaliar a aprendizagem dos alunos. Além da apresentação final do que foi desenvolvido ao longo do projeto – que pode ser uma feira de ciências ou uma apresentação aberta para engajar famílias e a comunidade escolar – é importante que o professor também considere pequenas avaliações ao longo do percurso, abordando não apenas os resultados das atividades propostas, mas também a forma como foram realizadas.